Quando os políticos são perseguidos pela própria sombra

O título é 'Escândalos Políticos em Portugal'. O livro compara  os casos que abalaram o País durante os governos de Cavaco Silva e Durão Barroso. O autor, Bruno Paixão, afirma que somos um país avesso a casos sexuais, acusa os jornais de se alimentarem dos escândalos e diz que  a imoralidade dos políticos é a mesma dos cidadãos.
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No início dos anos 1990, quando Cavaco Silva governava o País com mão de ferro e uma maioria absoluta, e Paulo Portas estava ao leme do semanário Independente, Portugal vivia ao ritmo de escândalos políticos. Conta-se que ministros e secretários de Estado do Executivo social-democrata temiam pela chegada do fim-de-semana e se perguntavam "qual será a próxima cabeça a rolar" com a primeira página do semanário.

Se cheirava a medo nos corredores do poder, nas redacções dos jornais o bafo era a denúncia. José Pedro Castanheira, então jornalista do Expresso, admitiu numa entrevista a Estrela Serrano, que, naquele tempo, os escândalos "caíam no colo dos jornalistas, vindos de todo o lado". "Aos jornais começaram a chegar dicas, denúncias, histórias, relatórios e dossiers - polémicos, quentes e explosivos - de gabinetes de ministros ou secretários de Estado, departamentos de inspecção, círculos da PJ, fontes da Procuradoria-Geral da República, tribunais, da Presidência da República [à época, Mário Soares]".

De 1991 a 1993, a primeira metade da segunda maioria absoluta, Cavaco viu os nomes do governador de Macau, Carlos Melancia, dos secretários de Estado, Costa Freire, Silva Peneda, Coutos dos Santos e do ministro Braga Macedo caírem na lama. Nem todos eles eram culpados do que os jornais os acusaram, mas todos se viram envolvidos num escândalo. Foram eles o ponto de partida para a investigação de Bruno Paixão.

O jornalista de política que passou pelo Diário Notícias, revista Focus e Independente abdicou do papel de actor secundário que traz os políticos para as páginas dos jornais e tornou-se no académico que estuda o "escândalo político", como fenómeno. O resultado deu livro, Escândalos Políticos em Portugal, que vai ser apresentado no próximo dia 17 na Fnac do Chiado.

Paixão comparou os escândalos daqueles três anos de cavaquismo com os noticiados durante os três anos de Governo de coligação PSD-CDS (2002-2004). Ao DN explicou que o objectivo é comparar o fenómeno com uma década de intervalo e o mesmo partido no poder, através da análise do Expresso e Independente.

Ao longo de 200 páginas, o investigador mostra que escândalos na década de 1990 era sobretudo de natureza financeira. Já o Portugal da década de 2000 habituou-se mais a escândalos de poder. Paixão acrescenta que não somos um povo de escândalos sexuais. O único caso desse tipo foi os abusos sexuais a menores na Casa Pia.

Outra característica que mudou naqueles onze anos foi a esperança de vida dos escândalos. Em 1990, os casos arrastavam- -se, às vezes, por mais de mil dias. Na década de 2000, algumas histórias esfumaram-se numa questão de meses.

Paixão defende que os jornais se alimentam de escândalos, mas só conseguem lidar com um de cada vez. Sem apoiar a tese da "cabala" do PS, o investigador mostra como a Casa Pia e a prisão de Paulo Pedroso tiraram da agenda o caso da Universidade Moderna, que envolvia Paulo Portas, líder do CDS e então ministro da Defesa.

Um escândalo afecta sempre a reputação de um político, mas nem sempre põe fim à carreira. Isaltino Morais, Fátima Felgueiras são dois autarcas que mesmo condenados nos tribunais, foram eleitos. Casos que sugerem como o slogan brasileiro "rouba mas faz" colhe em Portugal.

Paixão, que planeia fazer-se doutor com um livro sobre todos os escândalos da democracia portuguesa, tira uma conclusão: "A pequena corrupção, a cunha, as luvas são características que pulverizam a atmosfera da sociedade portuguesa e não apenas os políticos". E acrescenta que, às vezes, os políticos são "um bode expiatório para a parca qualidade da cidadania".

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