"Quando olho à volta fico esquisita. O mundo está destemperado"

Fernanda Montenegro não se revê no título de dama da teledramaturgia brasileira, chora com "a grande música" e se fosse presidente do Brasil criaria um único ministério: o da cultura. Porque "tudo é cultura".
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Na série Doce de Mãe, exibida em Portugal no canal Globo NOS, é Dona Picucha, uma viúva bem-humorada, amante de boa comida, futebol e samba. Também se encontra assim, de bem com a vida?

Quando olho à volta fico meio esquisita. O mundo está destemperado. Quando olho para dentro fico calma. Ainda falo, vejo, ando e ajo.

Numa conferência de imprensa disse: "Eu trouxe todas as velhas da minha família para representar a Picucha". Gosta de trazer pedaços de si para as personagens?

Trago sempre toneladas de mim mesma para as minhas personagens. É inevitável.

Afirmou também que a série "não é só uma anedota". Chega a ultrapassar os limites da comédia?

Doce de Mãe tem a qualidade de uma comédia clássica e não chega ao drama, graças a Deus ou graças ao autor, Jorge Furtado. Na história, abordam-se crises e desavenças, resolvidas no calor da humanidade que as personagens têm de uma forma tão bonita e credível.

A sua interpretação mereceu um Emmy Internacional [em 2013]. O que sentiu ao recebê-lo?

Não vou camuflar: Foi uma grande honra. Recebi-o ao concorrer com grandes colegas vindas de Inglaterra, China, Suécia. Ganhei a concorrer com telefilmes. Seguiu-se uma série sobre a mesma personagem. Voltei a ser nomeada para Melhor Atriz. E a série levou o prémio em 2015. Foi uma festa!

É conhecida como a dama da teledramaturgia brasileira. Como é que lida com este título?

Não lido porque não é verdade.

Ao longo do seu percurso, quem deu mais a quem? A Fernanda à profissão, ou vice-versa?

A minha profissão deu-me mais a mim do que eu lhe dei.

Numa entrevista disse: "Tenho ainda uma menina dentro de mim, e uma velhinha a vida inteira dentro de mim". Uma complementa a outra ou ambas constituem um conflito interior?

Eu vivo entre a minha eterna menina e a minha eterna velhinha.

Foi considerada um ícone de credibilidade no Brasil. O que faz com que confiem tanto em si?

Ícone de credibilidade? Tenho as minhas sinceras dúvidas. A única realidade é que por intensa vocação insisto, há muitos anos, numa profissão difícil e marginalizada.

Se estivesse com a presidente do Brasil, Dilma Rousseff, a sua mensagem seria: "Avalie bem, com calma, se vale a pena continuar no inferno que está a viver". É esse o clima que se sente no Brasil?

É. Infelizmente, é.

Se fosse presidente do Brasil por 24 horas, o que faria?

Faria apenas o ministério da Cultura. Todos os outros setores de administração e atendimento do país seriam secretarias desse grande tronco cultural. Tudo é resultado dessa Cultura. Tudo é cultura.

Na novela Babilónia, cujo último episódio foi exibido ontem em Portugal, protagonizou um beijo gay que deu origem a um boicote à novela por parte da Frente Parlamentar Evangélica. Já esperava este comportamento?

Já esperava alguma reação, mas não na medida do que aconteceu.

Como analisa o percurso da teledramaturgia brasileira nos últimos anos, marcado por fenómenos como Avenida Brasil e fracassos como Em Família?

Quem não tem altos e baixos na vida? Se tivéssemos o segredo do eterno, sucesso seria uma chatice.

Tem ascendência portuguesa. O que herdou de Portugal?

No meu DNA ficou: Portugal. Para sempre.

Revelou que chora todos os dias. O que faz com que se emocione?

A grande música.

Tem 86 anos. Como é que olha para o futuro?

Infelizmente com uma única certeza...

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