"Quando me tornei atriz consegui ficar mais próxima de mim"

O DN falou com a atriz sobre "Os Fantasmas de Ismael" (estreia na próxima quinta-feira), e "Rock"n" Roll" que passou na Festa do Cinema Francês.
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Uma mulher mistério. Ou a mulher que desapareceu e depois volta. Em Os Fantasmas de Ismael, Marion Cotillard não é palpável. A sua personagem é o grande amor de um cineasta, uma espécie de assombração. As musas servem para inspirar e para assombrar, mas qual fantasma, depois de muitos anos desaparecida, aparece de repente. O cineasta, interpretado por Mathieu Amalric, já tem outra mulher (Charlotte Gainsbourg), mas nunca a esqueceu. Às vezes desaparecemos porque sim, porque não há explicações para os nossos atos mais íntimos.

Marion Cotillard finalmente sob a câmara de Arnaud Desplechin, vinte anos depois de ele a ter descoberto em Comment Je Me Suis Disputé (Ma Vie Sexuelle, no título original). A versão que vamos ver de Os Fantasmas de Ismael, a partir de quinta-feira nos cinemas, é a versão do realizador, consideravelmente mais longa do que aquela que abriu o Festival de Cannes.

Goste-se ou não do filme, o corpo de Cotillard é uma assombração à parte. Em Os Fantasmas de Ismael filma-se aquilo que não se sente, é coisa de fantasmas. Mas nada é claro como a água. Por isso, é a própria quem assume que era uma personagem com variadas camadas psicológicas: "Gosto de personagens complexas, sou atraída para estas mulheres complicadas." E é então que perguntamos se tal como Carlotta, o nome desta mulher inexplicável, também sentiu alguma vez esse desejo de fugir de algo seguro e caminhar para o desconhecido: "Então não!? Já tive o mesmo desejo de fuga dela, apesar de a origem desse desejo não ser bem a mesma. A Carlotta escapa do peso do pai e do marido. Eu quis escapar do peso de mim própria quando era adolescente. Lembro-me de dizer à minha mãe que queria fugir, ir viver para um outro país! Apetecia-me tanto começar do zero! Acreditava que só dessa maneira poderia ser eu mesma! Não sei, creio que queria escapar das expectativas e daquilo que as pessoas pensavam de mim. Naquela altura, não me reconhecia a mim própria, era demasiado exigente comigo. Isso era um peso", diz para ser interrompida com uma dedução nossa.

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Os atores podem fugir melhor, não? A resposta é cortada com um ataque de tosse que dura minutos. Segue-se um momento embaraçoso com o seu publicista meio atarantado, mas a conversa continua e Marion desfaz-se em desculpas com uma voz rasgada: "A nossa fuga como atores é muito interessante. Pensamos que estamos a fugir, mas cedo percebemos que estamos a viajar antes para um conhecimento sobre a alma humana para ficarmos mais próximos da nossa essência. Pelo menos, comigo é assim. Quando me tornei atriz consegui ficar mais próxima de mim. Isso fez-me não fugir da minha vida."

Isso fê-la poder também ficar muito próxima de uma Edith Piaf em La Vie en Rose (2007), da polaca atirada para a prostituição em A Emigrante (2013), de James Gray, ou da sua Lady Macbeth, em Macbeth (2015), algumas das suas criações mais populares.

De 2015 até 2017 não parou. Fez filmes atrás de filmes, do cinema americano ao cinema francês. Neste ano apareceu no razoável Um Instante de Amor, de Nicole Garcia, no desastre de Justin Kurzell, Assassin"s Creed, ao lado de Michael Fassbender e em breve vamos vê-la ao lado do marido, Guillaume Canet, na comédia Rock"n"Roll, que também será apresentada na Festa do Cinema Francês, que decorre até dia 15 em Lisboa. Sendo que em 2016 vimo-la perfeita em Aliados, de Robert Zemeckis e no mal-amado Tão Só o Fim do Mundo, de Xavier Dolan. Foi um período louco, por isso, agora está sem projetos. Quer respirar, quer curtir a maternidade.

À nossa frente está uma mulher esfuziante com este regresso à câmara de Desplechin, um dos grandes tesouros do cinema francês contemporâneo: "Em 1996, quando rodei com ele, era como se estivesse a viver o meu sonho de ser atriz. Foi como um sonho... nem consigo perceber agora se o Desplechin mudou alguma coisa. Caramba, eu mudei tanto! Estava tão fascinada com tudo num plateau, vivia uma tumultuosa alegria que me afastava do presente. Agora, tenho mais experiência, num plateau estou inteiramente a viver o momento. Estou sempre no instante. Essa foi a minha maior mudança, embora La Vie en Rose tenha mudado tudo. Depois desse filme pude sonhar mais alto. Tive muita sorte, estou tão agradecida." Marion não teve a tão falada maldição do Óscar.

Casal maravilha

A conversa com o DN, em Cannes, passou também pela comédia Rock"n"Roll, em que Marion Cotillard contracena com o marido, Guillaume Canet, que é igualmente o realizador do filme. E falar sobre o marido não é um problema para a atriz francesa. "Filmar com o Guillaume é sempre uma mudança. Costumo dizer que cada realizador se torna um comandante de uma embarcação diferente. A única coisa de diferente no seu caso é que é o único realizador com quem durmo", diz em tom de brincadeira.

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"Agora a sério, a coisa mais importante entre um realizador e um ator é a confiança. Com o Guillaume há algo para além da confiança. Ele é parte de mim e também um realizador espantoso, cheio de paixão a contar histórias. O que mais prezo num realizador é isso mesmo."

Rock"n"Roll, de Guillaume Canet, ainda sem data de estreia marcada nos cinemas nacionais, passou ontem na Festa do Cinema Francês. Em França foi um considerável sucesso de bilheteira mas não terá convencido a crítica mais influente, que também já tinha sovado Laços de Sangue, uma história de crime em Nova Iorque. Aí Marion Cotillard tinha apenas um papel secundário, o protagonismo estava a cargo de Clive Owen. Em Rock"n" Roll, o casal não só contracena no plateau como se interpretam a eles próprios na vida real, numa comédia entre o real, o documental e a ficção.

O casal-maravilha conheceu-se no plateau de Amor ou Consequência, de Yann Samuel, em 2003, quando o ator estava ainda casado com Diane Kruger, a grande atriz alemã. Estão juntos desde 2007 numa paixão que resiste a rumores de um suposto romance de Marion com Brad Pitt nas filmagens de Aliados.

Em Cannes

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