"Continuava na cadeira do avião, mas à minha volta já não existia avião"
O longo título do DN daquele domingo, 23 de janeiro de 1972, diz quase tudo: "Nove dias perdida na selva da Amazónia! Foi uma rapariga o único sobrevivente do avião que explodiu a 2000 metros sobre o 'inferno verde'".
Apesar de uma incorreção -- sabe-se hoje que o acidente aéreo ocorreu a 3,2 km de altitude, motivado por uma forte trovoada -- a narrativa do DN revelava na primeira pessoa a incrível aventura de Joliane Koepcke.
Era véspera de Natal quando o voo LANSA 508 descolou do Aeroporto Internacional Jorge Chávez, em Lima, rumo a Pucallpa, igualmente no Peru. Entre as 91 pessoas a bordo estavam Joliane Koepcke, então com 17 anos, e a mãe, a zoóloga alemã Maria Koepcke. Planeavam reunir-se com o pai, o zoólogo Hans-Wilhelm Koepcke, mas cerca de dez minutos de viagem, apanhado por uma enorme tempestade, o Lockheed L-188 Electra explodiu no ar.
Agarrada ao seu assento pelo cinto de segurança, Joliane caiu mais de 3000 metros. De alguma forma -- especula-se que os assentos de cada lado (estava no lugar do meio de uma fila de três) tenham funcionado como paraquedas -- sobreviveu, com uma clavícula partida e alguns ferimentos.
"Quando abri os olhos, pareceu-me noite. Continuava sentada na cadeira do avião, mas à minha volta já não existia nenhum avião. Nada, a não ser imensos troncos de árvores, como colunas duma catedral. E o silêncio.
"Ergui os olhos para o céu e percebi buracos de luz através da abóbada da folhagem, a 40 ou 50 metros acima da minha cabeça. Então compreendi que não era ainda noite, mas simplesmente a obscuridade da floresta. (...)
"Estivera três horas desmaiada. (...) Devo ter feito enorme esforço para gritar 'mamã! mamã!' Porém, a floresta abafava a minha voz e ninguém me respondia", lê-se no DN daquele dia.
Joliane viria a descobrir que estava sozinha. Soube-se depois que a mãe provavelmente também sobrevivera ao acidente, mas caíra longe do local onde estava a jovem e acabaria por não resistir aos ferimentos.
Só e perdida na floresta amazónia, usou os conhecimentos de sobrevivência que o pai lhe havia dado para se orientar (procurou sempre seguir cursos de água) e lutar contra as maiores ameaças: as cobras, os insetos e as plantas venenosas.
Após nove dias de provação, sofrendo com infeções provocadas por picadas de insetos e parasitas que lhe atacavam as feridas, Joliane encontrou um abrigo utilizado por lenhadores. Estes fizeram-lhe os tratamentos possíveis e levaram-na, num percurso sete horas numa canoa, até ao posto madeireiro mais próximo. Só daqui pôde finalmente ser transportada, por avião, para um hospital em Pucallpa.
Hoje com 64 anos, Joliane Koepcke vive na Alemanha. Especializada em mamíferos, tal como sua mãe, regressaria ao Peru na década de 80 para estudar morcegos. Tem trabalhos científicos publicados na área da zoologia, mas o seu maior êxito literário é a autobiografria "Quando caí do céu", publicada em 2011.
A sua experiência já deu também origem a vários filmes, com destaque para "Wings of hope" (Nas asas da esperança), um documentário de Wener Herzog que, em 1998, levou Joliane a revisitar o local onde se despenhou (foto em baixo).