Quando a prisão é a casa, a creche e o recreio para 25 crianças
Os muros com cercas de arame farpado e as torres de vigia da cadeia feminina de Tires (Cascais) são um contraste muito forte com o ambiente familiar e descontraído que se encontra na Casa das Mães, o pavilhão onde as reclusas podem estar com os filhos até que estes tenham 3 anos. A partir dos seis meses, os bebés já podem sair da cadeia sem as mães, levados por familiares para passarem dias, sempre com a supervisão da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco.
Vanessa, 26 anos, uma das mães com quem o DN falou, já teve direito a saídas precárias, de três e de cinco dias, em que levou os dois gémeos bebés consigo para toda a família da Mouraria mimar. Jesseny, de 21, brasileira de Curitiba, mãe do bebé mais novo de Tires (tem apenas duas semanas), não tem a mesma sorte, a família está longe. Mas liga à mãe todos os dias e fala com a filha de 4 anos. Vanessa fez apenas o 6.º ano, enquanto Jesseny ainda frequentou o curso superior de Pedagogia, no Brasil, que diz querer retomar. São mulheres com os sonhos interrompidos mas que estão a enfrentar a reclusão como uma lição de vida. No total, há 30 presas que têm os filhos com elas em Tires. E pensar no futuro das suas crianças é o maior incentivo que têm para cortar com o crime.
Mateus. É o bebé mais novo de Tires. Nasceu no dia do julgamento da mãe, a 17 de maio. "Estourou minha bolsa na sala de audiências", conta a brasileira Jesseny, que saiu de ambulância do Campus de Justiça, em Lisboa, para o hospital de Cascais (o da zona de Tires), onde deu à luz. A presa de 21 anos, de Curitiba, no Brasil, cumpre pena de três anos por tráfico de droga. A primeira vez que andou de avião na vida foi presa. Trouxe cocaína do Rio de Janeiro para Lisboa. Foi ao fazer as análises obrigatórias para admissão no pavilhão das preventivas da cadeia de Tires que descobriu que estava grávida. O pai nem sabe da existência de Mateus. Como não pode ter telemóvel, Jesseny nunca mais o contactou. "Não lembro o número."
Rotinas. A Casa das Mães, o pavilhão da cadeia de Tires para as presas que são mães, alberga 30 reclusas e 25 crianças até aos 3 anos. Tem zona prisional, creche e espaços de recreio onde as presas podem estar com os filhos sob vigilância das guardas prisionais. A maioria das mães cumpre pena por tráfico de droga ou furtos. Apenas uma está condenada por homicídio. Atualmente há quatro presas preventivas, numa ala própria, e 26 condenadas, todas com idades entre os 25 e os 30 anos e com baixa escolaridade. Na maioria dos casos são portuguesas mas há duas brasileiras e uma estoniana. A rotina é sempre igual: as portas são abertas às 08.15 para o pequeno-almoço no refeitório. Às 09.00 as crianças vão para a creche e as presas para os ofícios e cursos. Ao meio-dia é o almoço. Às 13.00 fecham as portas até às 14.00 e elas estão com os filhos. Às 14.00 as crianças voltam à creche e as presas ao trabalho até às 17.00. As crianças jantam às 17.30, as mães às 18.00. As presas são fechadas com os filhos nas celas às 19.00. Dentro das celas têm cama, berço, armário, uma sanita e chuveiro.
Recreio. Os momentos de recreio nos pátios virados para o exterior onde as mães podem estar com os filhos, brincar com eles, rir e conversar, são aproveitados ao máximo pelas reclusas. Guardas antigas na prisão como Júlia Bento conhecem os bebés todos pelos nomes, tal como as educadoras da creche. No seu interior, os espaços estão divididos assim: existe a Sala dos Abraços (até aos 6 meses), a Sala dos Miminhos (de 1 a 2 anos), a Sala da Ternura (a partir dos 2 anos). No recreio, todas as idades estão juntas.
Os gémeos. Vanessa, de 26 anos, tem consigo na cadeia os filhos gémeos, Daniel e Gustavo, com 14 meses. "Eu era bandida", conta esta rapariga do bairro lisboeta da Mouraria, condenada por tráfico de droga num processo com 22 arguidos. Está a cumprir pena de quatro anos e oito meses, mas espera ir para casa com pulseira eletrónica. Divide a cela com a irmã mais velha, condenada no mesmo processo a cinco anos, e com os dois bebés. "Quando fui presa não sabia que estava grávida. Descobri passadas duas semanas que já estava de dois meses e uma semana." Ser mãe motivou-a: "Quando sair daqui vou trabalhar."