No passado dia 26 de novembro os embaixadores da Rússia e da China em Washington publicaram, na revista The National Interest, o artigo de opinião conjunto sobre a iniciativa da chamada "cimeira pela democracia" a realizar-se virtualmente nesta semana. Desta forma as duas grandes potências com o PIB combinado de 16,2 triliões de dólares, ou seja mais de 19% do valor mundial, que têm desenvolvido as relações de parceria estratégia e têm cooperado ativamente tal no formato bilateral, como no âmbito dos organismos multilaterais (ONU, BRICS, Organização de Cooperação de Xangai, diálogo Rússia - India - China), demonstram a sua unidade quanto à avaliação deste projeto controverso de Joe Biden..É importante destacar que a "cimeira" gera polémica não só em Moscovo e Pequim. Porque para políticos, diplomatas e peritos é evidente que a realização deste evento traçará, sem dúvida, as novas linhas divisórias no mundo e de forma nenhuma contribuirá para a junção dos esforços da comunidade internacional no combate contra novos desafios e ameaças, inclusive a pandemia do coronavírus ou terrorismo e extremismo..Do ponto de vista de bom senso, a escolha dos participantes é dubitável, tendo em consideração que " a democracia é um conceito muito elástico", como realçou, e bem, o ex-secretário-geral-adjunto da ONU Victor Ângelo no seu recente artigo no Diário de Notícias. O facto de não terem sido convidados alguns membros da União Europeia ou da NATO (que consideram a si próprios faróis da democracia no mundo) pode ser visto como questionável e já provocou o enfraquecimento efetivo na posição do Ocidente neste "fórum"..Se a intenção dos dirigentes em Washington tivesse sido de discutir as formas de aperfeiçoamento da democracia em todos os países no mundo, então os seus representantes teriam de ser convidados..Caso contrário, a iniciativa não passa de um clube de interesses que pretende tomar decisões de uma forma unilateral e bastante confortável, sem qualquer oposição significativa ou necessidade de procurar compromissos, para depois as impingir ao resto da comunidade internacional..É exatamente desta maneira que está a ser desvalorizado o papel das organizações internacionais relevantes, nomeadamente das Nações Unidas ou das suas agências especializadas, e substituído o Direito Internacional pelo simulacro da "ordem mundial assente em regras". Neste contexto, convém lembrar a proposta do Presidente da Federação da Rússia, Vladimir Putin, de convocar uma cimeira dos países - membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU que serviria para uma discussão franca e aberta sobre os desafios mais graves da atualidade e poderia incluir o assunto do declínio da democracia..Quanto à iniciativa da Casa Branca, não levantaria questões se tivesse sido chamada "encontro dos amigos dos Estados Unidos da América". Mas quando se decide a organizar uma "cimeira pela democracia", então tem que ser global e visada à promoção dos princípios democráticos à base do respeito mútuo pela soberania, história e tradições dos Estados..Além disso, a repartição artificial dos membros da comunidade mundial para os dois campos opostos e a colocação de rótulos pelo Estados, cujos valores democráticos são frequentemente vistos com grande ceticismo (basta mencionar o relatório do International Institute for Democracy and Electoral Assistance ao que se refere senhor Victor Ângelo no artigo supracitado), aprofundará ainda mais a desconfiança e tensão nas relações internacionais.. Embaixador da Rússia em Portugal