Putin sacrifica o peão Medvedev no jogo de xadrez do seu futuro político
O final do seu mandato no Kremlin é apenas em 2024, mas Vladimir Putin sacrificou nesta quarta-feira o primeiro peão no jogo de xadrez do seu futuro político: o primeiro-ministro Dmitri Medvedev. O presidente russo propôs a realização de um referendo sobre reformas da Constituição destinadas a reforçar os poderes do Parlamento, levando o seu aliado a demitir-se da chefia do governo. O sucessor já foi anunciado: o atual diretor-geral dos impostos, Mikhail Mishustin.
No poder há 20 anos (como primeiro-ministro ou presidente) e impedido pela Constituição de se candidatar a um novo mandato, Putin, de 67 anos, é acusado pelos opositores de querer perpetuar-se no poder. Alexei Navalny, um dos seus principais opositores, reagiu dizendo que o objetivo de Putin é ser "o único líder vitalício". E poderá ter encontrado uma fórmula para o fazer.
A alteração que agora propõe prevê que sejam os deputados a eleger o primeiro-ministro, cujo nome o presidente será depois obrigado a aceitar. Atualmente é o chefe de Estado que indica um nome, que depois é aprovado pelo Parlamento - dominado pelos aliados de Putin.
Mishustin será submetido ao voto na Duma na próxima semana, depois de ter sido convidado para ser primeiro-ministro por Putin.
Apontado como um tecnocrata sem ambição política, Mishustin não é visto como um potencial sucessor de Putin. Havia quem pensasse que ia nomear agora para o cargo a pessoa que queria ver depois no Kremlin. Entre os nomes que se falava estava, por exemplo, o do presidente da câmara de Moscovo, Sergei Sobyanin. Mas ainda a quatro anos de sair de cena, Putin pode não estar disposto a dar-lhe um palco maior.
Mishustin, de 53 anos, tem um doutoramento em Economia e uma longa carreira como funcionário do governo, com algumas pausas durante as quais geriu o seu próprio negócio. Desde 2010 que estava à frente dos serviços de impostos, que modernizou com um programa que permite aceder ao minuto a todas as faturas emitidas na Rússia. Apesar de tudo, será pouco conhecido na Rússia e não vai desempenhar um papel independente.
Enquanto isso, Putin avançará com a reforma constitucional que apresentou nesta quarta-feira no seu discurso anual ao Parlamento e às elites políticas. Esta dará mais poderes ao Parlamento, apesar de Putin reiterar que quer que a Rússia continue a ser uma "república presidencialista forte".
O presidente continuará a ter o poder de demitir o primeiro-ministro e os membros do governo, assim como nomear os principais responsáveis da Defesa e da Segurança. Putin defendeu ainda que o presidente só possa cumprir dois mandatos (ele já vai no quarto) e que deve ter vivido nos últimos 25 anos na Rússia antes de se candidatar.
Mas com o Parlamento com o poder de nomear o primeiro-ministro, Putin pode estar atrás de voltar a assumir o cargo de chefe do governo - que já ocupou entre 2008 e 2012. Mas o presidente defendeu também dar mais poderes ao Conselho de Segurança, um órgão consultivo que criou em 2000 e ao qual preside, podendo querer continuar à frente deste.
Medvedev, que assumiu a presidência quando Putin era primeiro-ministro, irá ocupar o cargo de número dois do Conselho de Segurança, depois de se ter demitido da chefia de governo. Uma demissão que não representa uma rutura, com o chefe do governo a dizer que o fazia para facilitar a tarefa do presidente de realizar as mudanças que queria.
"Nós, enquanto governo da Federação da Rússia, devemos dar ao presidente do nosso país os meios de tomar todas as medidas que se impõem. É por esse motivo (...) que o governo, no seu conjunto, entrega a sua demissão", indicou Medvedev. Para a decisão também terá pesado os números da sua popularidade, inferiores a 30%, frente a quase 70% de Putin.
"Considero necessário submeter ao voto dos cidadãos do país o conjunto das revisões da Constituição propostas", disse Putin no seu discurso.
O presidente russo referiu ainda a necessidade de incentivar o crescimento da população, defendendo que as autoridades devem fazer mais para encorajar os nascimentos e apoiar as jovens famílias. Prometeu assim que o governo vai atribuir mais subsídios às famílias que tiverem filhos.
Putin salientou que os baixos rendimentos continuam a ser um grande obstáculo ao aumento da população, considerando que o país está a enfrentar as consequências do colapso financeiro pós-soviético, que levou a uma queda acentuada de nascimentos.
A Rússia conta atualmente com cerca de 147 milhões de habitantes.