Putin rejeita carta nuclear mas exército usa central de Zaporizhzhia como escudo

A maior central nuclear da Europa tornou-se num ponto estratégico para Moscovo impedir o avanço ucraniano na região de Kherson.
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A Rússia foi criticada pelos três membros ocidentais do Conselho de Segurança das Nações Unidas pela sua retórica "irresponsável e perigosa" sobre a hipótese de usar armas nucleares.

À declaração emitida no início da conferência de revisão do tratado de não-proliferação de armas nucleares, em Nova Iorque, o líder russo Vladimir Putin respondeu ao afirmar que o seu país se mantém fiel à "letra e ao espírito" do tratado que entrou em vigor em 1970 e que não há vencedores numa guerra nuclear. O mesmo presidente - e comandante supremo das forças armadas russas - pode não ter nos seus planos a utilização de armas nucleares, mas está a usar o nuclear como uma arma, ou mais precisamente, como um escudo, ao colocar baterias de artilharia e outro material de guerra entre os reatores da maior central nuclear da Europa, em Zaporizhzhia.

"Não pode haver vencedores numa guerra nuclear e esta nunca deve ser desencadeada", disse o presidente russo ao dirigir-se à conferência da ONU, reafirmando o compromisso com o tratado assinado pelos cinco países do Conselho de Segurança entre 191 Estados, mas do qual outros países com armas nucleares como Israel, Coreia do Norte, Paquistão e Índia não são parte.

DestaquedestaqueO ex-presidente russo Medvedev tem sido a figura mais grada do regime a propalar a hipótese do conflito nuclear. Agora Putin declarou que uma guerra nuclear "nunca deve ser desencadeada".

Numa declaração conjunta, os Estados Unidos, França e Reino Unido reafirmaram que o Irão "nunca poderá desenvolver uma arma nuclear" e instaram Pyongyang a parar com os testes nucleares. Mas a maior preocupação que demonstraram foi para com Moscovo. "Na sequência da guerra de agressão não provocada e ilegal da Rússia contra a Ucrânia, exortamos a Rússia a cessar a sua retórica e comportamento nuclear irresponsável e perigoso, e a manter os seus compromissos internacionais", lê-se na declaração.

"As armas nucleares, enquanto existirem, devem servir objetivos defensivos, impedir a agressão, e prevenir a guerra. Condenamos aqueles que utilizariam ou ameaçariam utilizar armas nucleares para coação militar, intimidação, e chantagem", afirmam.

Comentadores televisivos e outros atores da máquina de propaganda russa têm defendido a utilização de armas nucleares na operação. O ex-presidente Dmitri Medvedev tem sido a figura mais grada do regime de Putin a propalar a hipótese de um conflito total. A mais recente foi como argumento para a impossibilidade de levar os dirigentes russos a responder pelos crimes de guerra. "A ideia de punir um país que tem um enorme potencial nuclear é absurda em si", afirmou.

Em paralelo, o presidente dos Estados Unidos apelou para a Rússia e a China demonstrarem empenho em limitar as armas nucleares. "A Rússia deveria demonstrar que está pronta para voltar a trabalhar com os EUA no controlo das armas nucleares" tendo como meta um novo pacto bilateral de redução de armas nucleares que substitua o Novo START, quando este expirar em 2026, disse Joe Biden.

A acusação é de meados de julho, quando o presidente da agência nuclear ucraniana Petro Kotin disse que a Rússia estava a usar a central nuclear de Zaporizhzhia, ocupada no início de março, como base para bombardeamentos, em especial para a cidade da outra margem do rio Dnipro, Nikopol.

Reportagens recentes no El País e no The New York Times confirmam uma situação perigosa e que deixa os ucranianos numa posição delicada. O exército tem como objetivo recuperar Kherson - a maior cidade a cair para as mãos russas desde o início da invasão - e a sua região, mas para tal acontecer Kiev tem de obter mais armamento e munições, como tem pedido de forma diária aos aliados, e cortar o acesso logístico dos russos entre o leste e o sul. Com a chegada de sistemas de lançamento múltiplo, como os HIMARS norte-americanos, os ucranianos começaram a destruir paióis e outros alvos russos na região, além de pontes e linhas férreas.

A resposta de Moscovo foi reforçar a central nuclear com sistemas de lançamento GRAD, entre outras peças de artilharia, entre os reatores nucleares, e a partir daí lançar ataques. "Somos como prisioneiros condenados que devem simplesmente ficar parados e ser abatidos. Eles disparam contra nós, e não há nada que possamos fazer", lamentou-se ao NYT Halyna Hrashchenkova, uma habitante de Nikopol cuja casa foi atingida pela artilharia russa. Para Kiev, de momento, a solução passa por ações de sabotagem e guerrilha urbana, com explosões a atingirem uma cozinha de campanha, veículos e um hotel.

O outro problema para os militares ucranianos é não terem poder de fogo nem meios humanos para retomar Kherson. "Para um contra-ataque com as garantias mínimas, precisaríamos de três vezes mais munições e três vezes mais soldados, mas para correr realmente bem teríamos de multiplicar os nossos recursos por cinco vezes", estima ao El País o sargento-mor Serhii Golup. Para já, a Ucrânia recebeu mais quatro HIMARS e um sistema análogo alemão, MARS II, enquanto Washington anunciou o envio de mais 550 milhões de dólares de ajuda militar em munições.

Anatoli Chubais, de 67 anos, que se demitiu do cargo de enviado de Vladimir Putin para o desenvolvimento sustentável ao eclodir a "operação militar especial", foi internado em Olbia, na Sardenha, depois de um "distúrbio neurológico". Tendo em conta os sintomas (braços e pernas dormentes) e o historial do Kremlin, o quarto onde Chubais estava hospedado foi inspecionado por peritos com fatos de proteção.

A estrela televisiva Ksenia Sobchak (cujo pai, ex-chefe de Putin na autarquia de São Petersburgo, morreu em circunstâncias misteriosas) disse ter falado com a mulher de Chubais, e que o casal acredita que o economista não foi envenenado, está fora de perigo e que contraiu a síndroma Guillain-Barré. Vice-primeiro-ministro no tempo de Ieltsin, Chubais foi responsável pelas privatizações que criaram os oligarcas. Mais tarde terá levado Putin de São Petersburgo para Moscovo e manteve-se seu aliado. Mas com a invasão da Ucrânia Chubais demitiu-se e foi viver para Itália.

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