Putin quer segurar maioria na Duma mas mostra nervosimo

Numa espécie de ensaio geral para as presidenciais de 2018, os russos escolhem hoje os 450 deputados do seu Parlamento. A insatisfação com a situação económica deverá custar uma maioria mais curta ao partido do presidente, que se esforçou para passar uma imagem de transparência e legitimidade deste ato eleitoral
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O que levou à antecipação destas eleições?

Inicialmente marcadas para dezembro, as autoridades decidiram antecipar estas eleições parlamentares para hoje, mais perto do verão. Esta mudança de data contribui para que o interesse dos russos esteja abaixo de anteriores idas às urnas, pois estão mais preocupados com as férias, com a preparação do novo ano escolar dos filhos e na apanha de fruta e vegetais, no caso dos agricultores. Para a oposição, esta antecipação das eleições serve para garantir que o eleitorado urbano, tradicionalmente mais crítico do regime, tenha menos disponibilidade para se mobilizar. Às eleições parlamentares de 2011 seguiram-se protestos por toda a Rússia contra o governo, denunciando um favorecimento da Rússia Unida, o partido de Putin, e gritando slogans como "Rússia sem Putin".

Existem mudanças em relação às eleições de 2011?

A administração de Vladimir Putin quer passar a imagem de que as eleições parlamentares de hoje serão as mais transparentes de sempre. Para isso nomeou uma nova diretora para a Comissão Central Eleitoral, Ella Pamfilova, conhecida pelo seu trabalho na área dos direitos humanos, e permitiu a presença de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O Kremlin recuperou também um antigo sistema de votação, visto como mais equitativo, no qual os russos escolherão metade dos 450 deputados da Duma votando diretamente no candidato que querem eleger, a outra metade será escolhida através das listas dos partidos. Uma outra mudança na lei eleitoral permitiu a participação de um maior número de partidos do que em 2011, incluindo vários críticos do regime. O presidente denunciou ontem o que descreveu como "tentativas de manipular" a opinião pública para as eleições de hoje.

A população da Crimeia vai votar?

A Ucrânia anunciou na semana passada o boicote às eleições de hoje no seu território, as primeiras desde a anexação por Moscovo da península da Crimeia - onde existem cerca de 1,8 milhões de votantes - em março de 2014. Um anúncio que surge depois de Kiev ter apelado à comunidade internacional para que não reconheça os resultados eleitorais da Crimeia. "O presidente [Petro Poroshenko] encarregou o ministro dos Negócios Estrangeiros de avisar Moscovo sobre a impossibilidade da realização das eleições russas em território da Ucrânia", escreveu no Twitter o porta-voz da presidência, Sviatoslav Tsegolko. A Rússia, por seu turno, disse recentemente que não iria ter em conta a posição oficial da Ucrânia, já que "a Crimeia é território russo", afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov.

Qual é a posição da comunidade internacional?

Os Estados Unidos, através do Departamento de Estado, considerou na sexta-feira "ilegítimas" a realização das eleições parlamentares russas na Crimeia. E garantiram que não irão reconhecer os resultados, pois trata-se de uma região "ocupada pela Rússia". Uma atitude partilhada pela União Europeia. "Tudo o que está relacionado com as eleições da Rússia para a Duma e a votação na Crimeia é condenado pela União Europeia, que não reconhece a anexação ilegal da Crimeia e Sebástopol", declarou recentemente a porta-voz comunitária Maja Kocijancic. Também a OSCE, que terá observadores nestas eleições, garantiu esta semana que não irá mencionar os resultados da Crimeia no seu relatório.

Qual é o discurso da oposição?

O líder da oposição russa Mikhail Kasyanov disse recentemente que estas eleições estão a ser manipuladas contra o seu partido e que terão de obter três vezes mais votos do que os necessários por lei para conseguir conquistar algum dos 450 lugares do Parlamento. A atual crise económica que a Rússia atravessa muito provavelmente dará uma vitória confortável, mas mais curta, ao partido de Putin, o que dá alguma esperança ao Partido Liberdade do Povo (PARNAS).

Se conseguir entrar na Duma, Kasyanov, que foi primeiro-ministro de Putin entre 2000 e 2004 antes de se tornar um contestatário, garante que a sua primeira tarefa será tentar destituir o presidente. "Vemos que estão a ser preparadas falsificações em massa", declarou Kasyanov, de 58 anos. Sugestão negada pelo Kremlin, que defende que Putin e a Rússia Unida são genuinamente populares.

Como se tem comportado o Kremlin?

O partido do regime, Rússia Unida, procura nas eleições de hoje renovar a sua maioria absoluta na Duma, embora as sondagens apontem para as mais baixas intenções de voto da sua história. O presidente russo, Vladimir Putin, tem insistido nos últimos meses na importância destas eleições, e na sua legitimidade, vistas como um ensaio para as presidenciais de 2018. A crise económica poderá contribuir para uma margem de vitória mais reduzida da Rússia Unida e o Kremlin tem mostrado, nos últimos tempos, sinais de nervosismo. O maior deles foi o adiamento, em agosto, da venda de uma participação da petrolífera estatal Bashneft, dando tempo à Rosneft, também estatal, para angariar dinheiro e fazer uma oferta. A venda, que o governo estima que possa render metade dos 10 mil milhões de dólares em que a Bashneft está avaliada, faz parte de um plano de privatizações desenhado para tapar buracos orçamentais criados pela descida do preço do petróleo e as sanções impostas pelo Ocidente por causa da Ucrânia. "Uma das razões para esta decisão foi evitar que vários grupos influentes se atirassem uns aos outros antes das eleições", declarou à Reuters fonte de uma das empresas privadas interessadas na Bashneft. Mas existem outros sinais de nervosismo vindos do Kremlin. Em julho, levaram a cabo uma remodelação dos líderes regionais das áreas onde o nível de insatisfação estava acima da média e, no início de agosto, Putin afastou Sergei Ivanov, um aliado de longa data, do cargo de chefe de gabinete do Kremlin.

Que outros partidos estão na Duma?

Os outros três partidos com representação parlamentar - Comunistas, Uma Rússia Justa e o Partido Liberal Democrata da Rússia (PLDR) - são formalmente designados de oposição. Mas quando é necessário aprovar legislação importante o partido de Putin e Medvedev sabe que pode contar com o seu apoio. Os críticos do Kremlin dizem que estes três partidos são pró-Putin e que apenas existem para criar a ilusão de que a Rússia é uma democracia multipartidária. Acusações rejeitadas pelos seus líderes.

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