Putin garante que Moscovo não deseja uma nova Guerra Fria
O presidente Vladimir Putin garantiu ontem não ser objetivo da Rússia envolver-se numa "nova Guerra Fria" com o Ocidente. Putin, que falava no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, afirmou-se seguro de que "ninguém quer uma situação dessas. Nós, certamente que não a desejamos", disse durante um painel de perguntas e respostas do Fórum, designado como o "Davos russo", que hoje termina.
As declarações do presidente surgem num momento em que, além da imagem negativa para o seu país resultante do escândalo do doping no atletismo e do comportamento agressivo dos apoiantes da seleção de futebol no Europeu de França, Moscovo está envolvido em numerosas situações de tensão e conflito. Situações quase todas comentadas por um Putin conciliador e ciente de que não será possível obter ganho de causa em todas as frentes. Desde logo naquela que opõe a Rússia e a NATO, em especial desde a anexação da Crimeia e da intervenção no Leste da Ucrânia, à crise na Síria.
Insistindo na habitual linha de argumentos do Kremlin, Putin pôs especial ênfase em "consequências" não especificadas se a NATO persistir no que classificou como "política unilateral contra a Rússia". Mas não deixou de apelar a uma concertação nas questões militares para prevenir uma escalada remanescente da era da Guerra Fria.
A cimeira da NATO, em julho na Polónia, irá confirmar uma decisão já tomada de deslocar cerca de quatro mil efetivos, numa base rotativa, para os três Estados do Báltico e para a Polónia, a pedido destes. Em paralelo, decorreram recentemente diferentes exercícios militares na região para testar a rapidez de resposta da Aliança em caso de agressão a um dos seus Estados membros na região.
Concedendo que os EUA "são uma grande potência, possivelmente a única superpotência na atualidade" e que "o mundo necessita de um país assim", o líder russo sublinhou que "o que não precisamos é que os EUA estejam sempre a interferir nas nossas questões e a dizerem como temos de viver".
Não deixando de transparecer qualquer preferência por Donald Trump ou Hillary Clinton, em resposta a uma pergunta sobre as presidenciais de novembro nos EUA, Putin declarou-se pronto a trabalhar "com quem for eleito". Em seguida, recordou que tivera uma "relação próxima" com Bill Clinton e considerou positivo que Trump tenha afirmado que queria restaurar as relações bilaterais. "Que mal há nisso?", interrogou-se sob aplausos da assistência.
Uma outra relação que Putin pretende recuperar é a que a Rússia mantém com a União Europeia (UE) e que foi afetada pela anexação da Crimeia e a intervenção no Leste da Ucrânia. Em resposta, a UE, principal parceiro comercial da Rússia, aplicou sanções contra este país. Ontem, o bloco europeu anunciou o prolongamento até junho de 2017 das interdições respeitantes às relações comerciais com a Crimeia, esperando-se que, na próxima semana, sejam prolongadas por mais seis meses as sanções diretamente aplicadas à Rússia. Neste ponto, Putin afirmou "não haver ressentimentos" e estar pronto a "ir ao encontro dos nossos parceiros europeus", desde que estes mostrem alguma flexibilidade.
Sobre a Ucrânia, Putin acusou os países ocidentais de terem "apoiado um golpe de Estado" naquele país, que assustou os falantes russos no Leste e na Crimeia. Isto numa tentativa de justificar a anexação e apoio militar aos secessionistas pró-russos, mas, num registo mais conciliador, afirmou que aqueles que se opunham ao então presidente Viktor Ianukovich "teriam provavelmente chegado ao poder por meios democráticos".
Invocando o argumento democrático e "novas eleições" na Síria, Putin pediu à oposição a Bashar al-Assad que participe nas negociações de paz. Estas estão suspensas devido à intransigência de Damasco em abordar a questão da saída do poder do presidente. Os EUA consideraram recentemente que uma solução para o conflito é indissociável da renúncia daquele.
Putin não deixou de abordar o principal desafio interno da Rússia, que resulta de uma conjuntura económica recessiva e sob pressão das sanções europeias e dos EUA e da queda do preço do petróleo. Garantiu que, "a curto prazo, será retomado o crescimento", indicando uma taxa de, "pelo menos, 4% ao ano". O grande desafio é mudar o modelo de desenvolvimento assente no setor do petróleo e do gás natural ou, pelo menos, multiplicar os setores que possam funcionar como motores do crescimento da economia.
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