Putin e Erdogan fazem as pazes e restabelecem laços económicos
Em três minutos, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, referiu-se ao homólogo russo três vezes como "o meu querido amigo" Vladimir Putin, agradecendo-lhe o apoio após a tentativa de golpe militar de 15 de julho. Com uma reunião em São Petersburgo, ficaram para trás nove meses de relações tensas entre ambos os países, com o anúncio da normalização dos laços comerciais e do retomar de projetos energéticos. A guerra na Síria, principal obstáculo entre Ancara e Moscovo, também esteve em cima da mesa. "Acredito que seja possível encontrar uma abordagem comum, nem que seja porque ambos queremos que a crise acabe", afirmou Putin.
"Passámos por um momento muito difícil na relação entre os nossos países, mas agora gostaríamos de o ultrapassar no interesse dos nossos povos", disse o presidente russo na conferência de imprensa conjunta, após a reunião com o homólogo turco. "Queremos reatar as nossas relações não apenas por razões pragmáticas, mas no interesse a longo prazo dos nossos países, e para promover boas relações de vizinhança", explicou.
Em novembro, a Turquia abateu um caça Su-24 russo junto à fronteira síria. A Rússia respondeu à perda do avião (e à morte de um dos pilotos) com sanções comerciais e suspensão de voos charter e de venda de pacotes de férias para a Turquia. Por esse efeito, nos primeiros seis meses do ano, segundo o jornal turco Daily Sabah, as exportações turcas para a Rússia caíram 60%, equivalente a 664 milhões. No turismo, a decisão do governo russo provocou perdas de 757 milhões no mesmo período.
Erdogan deu o primeiro passo ao pedir desculpa pelo abate do caça, mas foi a rápida resposta de Putin à tentativa de golpe na Turquia (no qual morreram 240 pessoas) que abriu caminho ao reatar das relações. O presidente russo lembrou que foi "um dos primeiros a telefonar a Erdogan" e reafirmou o apoio para "superar a crise política interna relacionada com o golpe". O líder turco disse que esse telefonema "foi muito importante psicologicamente".
A decisão de Erdogan viajar até à Rússia na primeira visita ao estrangeiro após a tentativa de golpe não é coincidência - numa altura em que mantém relações tensas com os aliados ocidentais. A purga empreendida por Ancara aos alegados envolvidos na tentativa de golpe - há mais de 16 mil detidos - e a exigência de que os EUA extraditem o suposto responsável, o clérigo Fethullah Gülen, está a complicar a relação entre os países com os dois maiores exércitos da NATO. Por seu lado, além de criticar a purga, a União Europeia condena os planos de Ancara para reinstaurar a pena de morte. A Turquia acusa os aliados de indiferença em relação ao golpe, com estes a temerem que possa cair na órbita de Moscovo. Isto apesar de ambos os países estarem em lados opostos da guerra na Síria.
"Os nossos pontos de vista sobre como resolver a situação da Síria não têm coincidido", disse Putin. "Mas acredito que seja possível encontrar uma abordagem comum, nem que seja porque ambos queremos que a crise acabe. Esta vai ser a base para encontrarmos uma solução comum", acrescentou o presidente russo, que apoia o líder sírio, Bashar al-Assad, enquanto Erdogan defende a sua saída. A crise voltou a ser discutida numa nova reunião.
Projetos desbloqueados
Após o encontro com Putin, Erdogan anunciou que Ancara vai descongelar o projeto conjunto de gasoduto TurkStream, que vai ser realizado "o mais depressa possível". Também irá avançar a construção, nas mãos dos russos, da primeira central nuclear turca. Por seu lado, Putin disse que o fluxo de turistas russos vai voltar à Turquia e que os embargos comerciais à importação de produtos agrícolas e outros bens turcos vão ser levantados.
"A visita, que ocorre no meio de uma situação muito complicada na Turquia, mostra que todos nós queremos relançar o diálogo e restaurar as relações pelo bem dos povos turco e russo", disse Putin a Erdogan antes do encontro num palácio em São Petersburgo. "Quero expressar a esperança de que, sob a sua liderança, o povo turco possa lidar com este problema [golpe] e que a ordem e legalidade constitucionais sejam restabelecidas", disse.