"Pusemos o Barracuda a 3800 metros e disparámos o torpedo"

Entrevista ao capitão-de-mar-e-guerra Brites Nunes, militar da Marinha que disparou o primeiro torpedo de um submarino português
Publicado a
Atualizado a

O que é que o levou a escolher a carreira militar?

As influências mais marcantes foram o viver num local em que o mar fazia parte integrante do meu quotidiano, o meu pai era patrão da embarcação da Alfândega encarregue da fiscalização aduaneira na Ria Formosa, tinha amigos que já frequentavam a Escola Naval, observava com fascínio os navios patrulha com a missão de fiscalização nas águas algarvias e que atracavam no cais de Olhão, ambicionava poder viajar, visitar diversos portos, conhecer vários países.

Preferir a Marinha foi então uma escolha natural...

A minha educação sempre tinha realçado o primado do sentido das responsabilidades e do respeito pelo próximo, que me pareciam coincidentes com o que me iam transmitindo sobre a vivência na Marinha. Neste contexto, integrar a Marinha representava para mim uma postura responsável, provavelmente adornada pelo normal idealismo da juventude.

Quando é que entrou?

Em 1965. Após concluir o curso de Marinha na Escola Naval, no final do 3.º trimeste de 1969, fui promovido a guarda-marinha em janeiro de 1970. Especializei-me em operações de "rocega [deteção e destruição] de minas", área em que a Marinha era considerada como das mais proficientes na NATO. Depois especializei-me em armas anti-submarinas e cumpri uma comissão de serviço em Cabo Verde em 1974/75. Regressado a Portugal deixei-me aliciar pela arma mais recente na Marinha, os submarinos, por constituirem uma arma recentemente renovada, de elevada concepção técnica e sendo um factor de muito elevado interesse militar táctico e sustentável potencial estratégico. Em 1980 fui nomeado comandante do Albacora e, em 1981, do Barracuda. A seguir fui director da Escola de Submarinos e depois chefe do Estado-Maior da Esquadrilha de Submarinos até 1987. Em 1997 regressei para Comandante da Esquadrilha.

É verdade que foi o primeiro comandante de um submarino português a disparar um torpedo de combate contra um alvo?

É verdade e o ocorrido teve lugar em 15 de dezembro de 1982. O alvo foi o navio mercante Bandim, um butaneiro em trânsito para a Madeira que sofreu uma grave avaria com alagamento da casa das máquinas e foi abandonado pela tripulação a cerca de 120 milhas náuticas a oeste de Sines. Meio submerso e com mais de uma quilotonelada de gás butano e propano a bordo, constituía um grave perigo para a navegação. Posicionámos o Barracuda a 3800 metros de distância e disparámos o torpedo... levou mais de quatro minutos a 30 metros de profundidade e provocou duas explosões consecutivas, levantando água e fumo a uns 50 metros de altura.

Que outras experiências profissionais foram mais marcantes?

É sempre difícil escolher ou prioritizar experiências ou factos marcantes ao longo de uma carreira naval de mais de 45 anos... o ataque simulado ao porta-aviões norte-americano "Dwight Eisenhower" (em 1983), por demonstrar uma vez mais a operacionalidade dos submarinos portugueses e das suas guarnições; a primeira passagem do Estreito de Gibraltar em imersão por um submarino português (em 1984), pelo risco que a operação envolve devido à complexidade da sua preparação e planeamento... é necessário entrar em consideração com cerca de uma dezena e meia de fatores de cálculo para definir a profundidade mais adequada ao trânsito do submarino em imersão, porque a corrente superior é sempre no sentido Atlântico/Mediterrâneo enquanto a corrente inferior é sempre no sentido contrário.

Que diferença encontra entre ser militar e civil?

Ao longo da minha carreira tive a oportunidade de trabalhar com pessoal civil, maioritariamente no desempenho das funções como capitão de porto dos portos de Portimão e Lagos, em que foi fundamental manter um relacionamento vertical, profícuo e respeitoso com todos, passando pela honrosa classe piscatória, pela multiplicidade dos desportistas náuticos, do pessoal da navegação mercante, autarcas, pelas diversas instituições e particulares com responsabilidades complementares em relação ao mar ou interesses legais ligados ao mar.

Como vê o papel atual das Forças Armadas em Portugal?

Cada vez mais os conceitos de segurança e defesa se interpenetram e complementam, implicando a necessidade de libertar as Forças Armadas da exclusividade de responderem a ameaças externas e passando a envolvê-las como intervenientes e cooperantes nos aspetos da segurança, que tem cada vez mais contornos de ameaça global. Num país com poucos recursos, julgo ser fundamental utilizar todos os meios disponíveis para garantir a segurança e a defesa, como aliás se vem observando em países de muito maior capacidade económica e financeira.

Com poderes próprios ou subordinadas às autoridades policiais, como ocorre nesses países?

As Forças Armadas deveriam atuar sob as ordens de um comando superior, com poder de tutela e de coordenação sobre a totalidade das forças envolvidas (quer de segurança quer de defesa). Numa operação em conjunto, cada força deveria atuar em função das ordens próprias.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt