"Querida Mary. Ao lhe endereçar este humilde álbum, contendo algumas das "flores selvagens", recolhidas na famosa muralha romana ou nas suas proximidades, considerei que uma breve narrativa da expedição que acompanhou esta colheita se revestiria de interesse para si". O acervo online do Jardim Botânico Real de Edimburgo, Escócia, permite-nos visitar as palavras aqui reproduzidas, oriundas do século XIX e lavradas por John Sadler, entusiasta da ciência botânica. A 7 de agosto de 1858, John endereçou à sua estimada Mary, um exemplar do guia Flores Selvagens da Muralha Romana, adicionando-lhe uma dedicatória: "Para Miss Mary Drummond com o amor do autor". O homem, mais tarde nomeado curador do já referido jardim real, enriqueceu as páginas do álbum com 34 espécies de plantas com flor, musgos e plantas pteridófitas, comumente conhecidas como fetos. Todos os exemplares, secos e prensados no âmago das páginas do guia, resultavam da coleta empreendida por John numa caminhada de dois dias ao longo da Muralha de Adriano, testemunho da presença romana do século II d.C. em território britânico..O tempo tratou de acrescentar valor emocional e científico ao volume com dedicatória à jovem a quem John pediu em casamento, contraindo matrimónio em 1861. O livro é também expressão de uma época que varreu a Inglaterra Vitoriana com uma febre botânica singular. Entre 1850 e 1890, os campos ingleses viram-se invadidos por colhedores de fetos, insaciáveis na vontade de acrescentar novos exemplares às suas coleções domésticas. Adultos, crianças, homens, mulheres, pessoas de diferentes condições sociais, botânicos amadores e profissionais, renderam-se à obsessão que ganhou nome, a Pteridomania, na escrita de Charles Kingsley, historiador, romancista e amigo do naturalista Charles Darwin..Ao publicar em 1855 o livro Glauco, ou as Maravilhas da Costa, Kingsley aludia no título à divindade marinha da Mitologia Grega (Glauco) e oferecia à leitura um dos primeiros livros de ciência para a infância. Na obra, o futuro capelão da Rainha Vitória e tutor do Príncipe de Gales, mais tarde Eduardo VII, cunhou o termo Pteridomania. Juntou-se um nome à obsessão inglesa por fetos, prática a que não foi alheia a paixão de um médico, amador da botânica e da entomologia. Nathaniel Bagshaw Ward tinha particular afeição por borboletas e todos os estádios da sua metamorfose. Em 1829, ao estudar o desenvolvimento de uma crisálida no interior de uma caixa de vidro selada, Ward percebeu que a humidade dentro do recipiente favorecia o crescimento de vegetação. Nathaniel inventou o antecessor do moderno terrário, pequena estufa onde se recria o ambiente favorável à manutenção de plantas..A invenção da Caixa Wardiana, numa alusão ao nome do seu criador, carregou infinitas possibilidades de reprodução doméstica de diferentes ecossistemas. Trouxe também a oportunidade de exportar plantas, desde as colónias inglesas em regiões tropicais, ao invés das sementes ou rebentos como até então acontecia. Ocorria a revolução na mobilidade marítima de plantas comercialmente rentáveis como o chá e a borracha..Nathaniel Bagshaw fez-se divulgador da sua Caixa Wardiana, exultando os avanços científicos e comerciais do invento. Em 1842, o médico publicou o livro Sobre o Crescimento de Plantas em Caixas Vitrificadas, com as inerentes vantagens de as manter ao abrigo da atmosfera poluída de Londres, asfixiada no fumo da combustão de carvão. A invenção de Ward encontrou campo para proliferar numa sociedade que já plantava fetos em jardins, viveiros, canteiros, organizava expedições de recolha e tinha encontrado nas espécies nativas e exóticas de pteridófitas, motivo para um comércio em crescimento. Desde os campos abriram-se rotas comerciais de fetos, num comércio que culminava em negociantes nas cidades inglesas. Às perto de 70 espécies nativas do Reino Unido, juntou-se um portefólio com as denominadas "monstruosidades", híbridos criados por horticultores a partir de fetos selvagens..Ao abrigo das páginas dos livros "floresciam" herbários domésticos, as artes decorativas apresentavam motivos de fetos em cerâmica, vidro, metal, madeira, papel e porcelana. A Exposição Mundial de 1862, realizada em Londres, guardou considerável área para a mostra de fetos. Longe da grande cidade, nos campos revirados por coletores ávidos, a diversidade botânica do Reino Unido murchava. A procura crescente levou ao declínio de espécies. O até então comum Killarney fern foi dado como extinto na Escócia ainda no século XIX (redescoberto no século XX)..Razia que preocupava Nona Bellairs, autora de guias de viagem, de obras de botânica, romancista e defensora dos operários fabris dos têxteis. No livro Resistentes Fetos: Como os Colhi e Cultivei, de 1861, Nona alerta para a colheita descontrolada e pede leis que defendam o património vegetal britânico. "Pobres fetos. Tal como os lobos no passado, têm a sua cabeça a prémio. Tal como os lobos, em breve desaparecerão por completo"..Um apelo lançado três anos após a dedicatória apaixonada de John Sadler a Mary. Mulher de saúde frágil, morreu seis anos após o casamento com o botânico escocês. John voltaria a casar em 1873..Em 1877, no auge da Pteridomania vitoriana, o pintor inglês Charles Sillem Lidderdale fixou para a posteridade, num quadro a óleo sobre tela, a expressão melancólica de uma jovem. Aos 46 anos, o pintor que dedicou a sua obra artística à recriação de motivos campestres com jovens mulheres, detinha-se n' A Colhedora de Fetos. A anónima protagonista da pintura era o primeiro elo de uma cadeia que terminava em grandes comerciantes instalados em cidades como Londres, junto da crescente população urbana. Charles Sillem Lidderdale, cujo espólio inclui dezenas de obras, faleceu em 1895. Anos antes, os problemas de visão levaram-no a abandonar a pintura.