PSP abre processo disciplinar a ex-sindicalista que criticou Ventura

Manuel Morais, agente do Corpo de Intervenção da PSP, criticou a presença do líder do Chega na última manifestação de polícias. "Senti nojo. Houve um assalto de André Ventura à manifestação", afirmou
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A Direção Nacional da PSP abriu um processo disciplinar contra Manuel Morais, ex-dirigente sindical e agente do Corpo de Intervenção, depois de este ter criticado a presença de André Ventura na manifestação de polícias, no passado dia 21 de novembro.

O líder do Chega, recorde-se, apoiado por um vasto grupo de manifestantes ligados ao Movimento Zero, foi o único a discursar no palco da organização, sem que os sindicatos que promoveram o protesto, a Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP) e Associação de Profissionais da Guarda, o tivessem conseguido impedir.

"Senti nojo. Houve um assalto de Ventura à manifestação, o que não é admiração para ninguém atento. Se este é o caminho, preocupa-me muito", afirmou cinco dias depois Manuel Morais ao Expresso. Manuel Morais não mostrou surpresa sobre o sucesso das ideias do Chega em alguns setores das forças de segurança. "Os polícias sentem-se empolgados com estas ideias, que vão passando." São elas "castigar mais quem comete um crime, culpar imigrantes, são as ideias que já todos conhecem", elencou, sublinhando que estava a falar "apenas na condição de cidadão atento e preocupado".

O problema é que, de acordo com o estatuto da PSP, "os polícias não podem fazer declarações que violem", entre outros, "a sua isenção ideológica e partidária" - como pode ter sido o caso, com este comentário.

Fonte oficial da PSP confirmou ao DN que "o Sr. Agente Principal Manuel Morais tem em curso um procedimento disciplinar, na fase de averiguações, por reporte de comportamento suscetível de violar a disciplina e deontologia dos profissionais da PSP".

Contactado pelo DN para comentar esta medida da PSP, Manuel Morais não quis fazer declarações.

Em julho deste ano, recorde-se, a PSP instaurou também um processo disciplinar a Jorge Rufino, presidente da Organização Sindical de Policias, por ter publicado no facebook um post de caráter xenófobo contra ciganos.

Defendido por Francisca Van Dunem

Manuel Morais viu-se envolvido numa acesa polémica, em maio deste ano, pelas suas posições de denúncia de racismo nas polícias. Dirigente sindical da ASPP há mais de 30 anos, onde era vice-presidente, acabou por ser expulso. O presidente, Paulo Rodrigues, cedeu à pressão de muitos sócios e, principalmente, por polícias que nas redes sociais e numa petição pública exigiam a demissão deste dirigente.

Manuel Morais, 53 anos, alertou, numa reportagem da SIC sobre policiamento nas zonas urbanas sensíveis, para a necessidade de "desconstruir" o preconceito racial "na sociedade em geral", assumindo que o racismo e a xenofobia existem também nas forças de segurança.

Cerca de um ano antes, numa entrevista ao DN em que também denunciara essas questões, foi também alvo de contestação interna, mas nessa altura a ASPP ainda o apoiou.

Em defesa de Manuel Morais, veio a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem: "Quando esse homem se pronunciou sobre essa questão, os seus companheiros sindicalistas consideraram quase um ato de alta traição e colocaram-no numa situação em que ele foi obrigado a colocar o lugar à disposição", apontou, defendendo que aquilo que Manuel Morais fez foi nada mais do que "abrir janelas para o futuro" e alertar para a necessidade de conhecer o fenómeno.

Para a governante, "problemas raciais são hoje transversais às sociedades em todos o mundo" e têm por base uma desigualdade histórica de séculos que "sedimentou e alimentou nas consciências individuais e nas coletivas a ideia de que poderia haver uma diferença entre seres humanos em função da sua raça", disse Francisca van Dunem no I Colóquio "Nós de Capacitação, Diversidade e Inclusão Social", em Lisboa.

Manuel Morais, que deixou o ativismo sindical, é atualmente um dos principais dinamizadores da Associação "100 Violência", que promove a prevenção e o combate aos "maus tratos físicos ou psíquicos de crianças, incluindo ofensas sexuais, castigos corporais, privações da liberdade ou o emprego em atividades perigosas, desumanas, excessivas ou proibidas" e a proteção dos "direitos das vitimas desses maus tratos". Promove ainda "a cooperação nacional e internacional contra esses maus tratos".

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