PS aprova Lei do Tabaco "excessiva", "proibitiva" e "desproporcional"

Deputados da maioria absoluta aprovam sozinhos o diploma. Oposição deixa críticas e até dentro da própria bancada socialista há quem não concorde com a proposta.
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O objetivo é claro: promover a saúde e desincentivar o consumo de tabaco; e, além disso, é apertado o cerco à sua venda e ao consumo em certos espaços. E, devido a estas alterações, a chamada Lei do Tabaco está longe de ser consensual e até gerou polémica quando foi inicialmente anunciada. Esta quinta-feira, vai a plenário (é o primeiro ponto da ordem de trabalhos), onde será discutida pela primeira vez. Isto já depois de o Governo ter feito algumas alterações ao documento inicial.

Inicialmente divulgada em maio, a proposta do Governo trata-se da transposição de uma diretiva europeia. Entre outras medidas, o Executivo propõe que os cigarros eletrónicos sejam equiparados ao tabaco normal, alargando também a proibição de fumar ao ar livre em alguns espaços.

Ainda assim, as críticas são duras. Pelo PSD, Miguel Santos considera que a proposta mostra que o Governo - e em particular o ministro - é "malandro e preguiçoso". Sendo a proposta do Governo a transposição de uma diretiva europeia, Miguel Santos acusa o Executivo de ir mais longe: "Vai muito além da transposição. Há, por exemplo, uma questão que não foi acautelada sobre os impactos que isto vai ter na indústria tabaqueira local nos Açores e na Madeira." Isto, diz o deputado social-democrata, acaba por "mascarar" outro problema: a dificuldade no acesso aos cuidados de saúde. "Os locais onde eram feitas as consultas de acompanhamento familiar reduziram. As iniciativas de sensibilização contra o tabaco passaram de aproximadamente 100 mil para 15 mil. Podemos proibir, mas o que vai fazer deixar de fumar são estas ações, não as proibições."

Também à Direita, o Chega, pela voz de Pedro Frazão, é igualmente crítico. "É uma lei excessiva", começa por dizer o deputado. Assumindo prezar "muito a liberdade das pessoas", o deputado considera que "é uma questão de poderem fumar uma substância lícita - neste caso, o tabaco. Não se pode aceitar esta visão sanitária do Estado". O deputado recorda ainda que "este Governo tem uma visão contraditória", visto que "luta para descriminalizar as drogas sintéticas e defende a descriminalização da canábis".

Já Inês Sousa Real, porta-voz e deputada do PAN, revela que o partido se vai abster na votação de hoje. A posição, explica, deve-se sobretudo porque o PAN avançou "com a apresentação de um pacote de medidas sobre este matéria". A intenção é que, na especialidade, o partido avance com "uma discussão que visa não só clarificar alguns conceitos ou introduzir algum equilíbrio em alguns aspetos da proposta do Governo" onde, entende o PAN, há "alguma desproporcionalidade". Mas deixa também críticas: "A nível ambiental, a proposta do Governo é totalmente omissa."

À Esquerda, fonte do Bloco de Esquerda avança ao DN que o partido votará contra a proposta do Governo. No entender dos bloquistas, há dois problemas: "Embarca um discurso altamente proibicionista, chegando ao ponto de impedir de se fumar mesmo em locais ao ar livre que não tenham mais ninguém. Isto tem pouco sentido e pouco faz para reduzir a prevalência do tabaco." E, por outro lado, "não há uma única proposta sobre comparticipação de medicamentos para deixar de fumar ou aumentar a oferta de consultas de cessação tabágica. Ou seja, não há nada na área da prevenção e da ajuda a quem, por sua vontade, quer deixar de fumar."

Mas as críticas não soam só nas bancadas da Oposição. No próprio PS há deputados que, aquando da divulgação do texto original, se manifestaram contra. Ao DN, Isabel Moreira refere que "mantém a posição" inicialmente manifestada. Mas diz ter esperanças para a discussão na especialidade (ao contrário do que acontece com PSD e Chega), onde diz estar expectante para que o seu partido "faça valer a Constituição, a proporcionalidade e a boa política de redução de riscos".

Questionado pelo DN, o grupo parlamentar do PCP refere que "é fundamental reduzir a exposição ao fumo do tabaco", até pelos "malefícios cientificamente comprovados". No entanto, consideram os comunistas, "é necessário ir muito mais longe e investir na prevenção e no reforço da resposta do Serviço Nacional de Saúde para quem procura ajuda para deixar de fumar". "Estes pressupostos estarão presentes na intervenção" do partido sobre o tema, conclui o PCP. O DN contactou a IL e o Livre, mas não obteve respostas.

Apesar das críticas, os cuidados de saúde para quem quer deixar de fumar são uma realidade e, prometeu Manuel Pizarro, "o Governo vai anunciar uma agenda muito ambiciosa de medidas para ajudar os que quiserem deixar de fumar".

Em declarações feitas na passada segunda-feira durante uma visita ao Instituto Português de Oncologia (IPO), o ministro da Saúde assumiu ainda a intenção de "tentar conseguir que haja medicamentos suscetíveis de comparticipação" para quem quiser deixar de fumar. Há também a intenção de "aumentar os locais de consultas" de cessação tabágica.

Por fim, concluiu o ministro, apesar de se ter verificado uma redução do número de fumadores desde que a atual lei entrou em vigor - em 2007 -, "há ainda 17% de portugueses que continuam a fumar". "Nada é mais importante do que combater o tabaco" para prevenir doenças oncológicas, considerou Pizarro.

Certo é, para já, que, por entre críticas, o Governo terá a proposta aprovada, uma vez que o PS tem maioria absoluta, não precisando de mais ninguém para a viabilização.

O que está em causa?
Com a proposta, o Governo pretende transpor para a lei nacional uma diretiva da Comissão Europeia, datada de 2022, que fala em isenções aplicáveis aos produtos de tabaco aquecido. Caso seja aprovada, é a quarta alteração à Lei n.º 37/2007.

Em causa está a aprovação de regras e medidas que protejam os cidadãos de exposição involuntária ao fumo do tabaco, bem como meios para a redução da procura relacionadas com a dependência de produtos tabágicos e a cessação do seu consumo.

A proposta inicialmente divulgada foi aprovada em Conselho de Ministros a 11 de maio. A intenção, assumia então o Governo, era "ir mais longe" nas restrições à venda e limitar o consumo, que o Executivo dizia ser um "seríssimo problema de saúde pública".


Que alterações foram feitas desde o texto inicial?
A proposta de Lei inicialmente divulgada tinha ainda mais restrições, nomeadamente em relação à venda de tabaco. Nessa versão, os postos de combustível deixavam de poder ser um local de venda.

Mas, entretanto, o Governo recuou nessa decisão. Segundo o ministro da Saúde, em muitas localidades, tornar-se-ia difícil arranjar alternativas. "Se fosse levada por diante a ideia de proibir a venda nas bombas de gasolina, havia muitas localidades onde o sítio para comprar tabaco ficava demasiado longe", referiu, acrescentando: "Isto é um processo de diálogo social, o que nós desejaríamos era limitar ao máximo, mas mantemos o diálogo."


Quais as datas estipuladas na nova lei?
Já em outubro vai deixar de ser permitido vender tabaco aquecido com aromatizantes. Entram também em vigor as alterações aos locais em que se pode fumar.

Em janeiro de 2025, entrarão em vigor as alterações à proibição de venda de tabaco.

E, até 2030, todos os estabelecimentos que têm espaços reservados a fumador podem mantê-los, permitindo assim recuperar o investimento feito.

Caso a proposta seja aprovada pela Assembleia da República (como tudo indica), deixará de ser possível - de imediato - vender tabaco diretamente ou através de máquinas de venda automática em alguns locais. Por exemplo. em restaurantes, bares, salas de espetáculos (e recintos), casinos, bingos, salas de jogos, feiras ou, ainda, exposições. Ou seja: a proibição da venda de tabaco estende-se à maioria dos locais onde é proibido fumar, redefinindo, também, os espaços onde é permitida a instalação de máquinas de venda automática.


O que explica esta proposta de alteração à lei?
O Governo propôs estas alterações com base em alguns dados. Segundo o relatório do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo, da Direção-Geral da Saúde, divulgado a 31 de maio deste ano (o Dia Mundial sem Tabaco), só em 2019 morreram em Portugal 13.500 pessoas com doenças atribuíveis ao tabaco. A maior parte (10.814) eram homens; as restantes 2745 eram mulheres.

Além disso, segundo o Inquérito Nacional de Saúde de 2019, 17% da população residente com 15 ou mais anos era fumadora diária ou ocasional.

Os dados do programa da DGS estimavam um total de 1,3 milhões de fumadores diários e 248 mil ocasionais.


O que muda?
Além das alterações à venda, há também mudanças no consumo.

O tabaco aquecido e os cigarros eletrónicos passam a ser equiparados ao tabaco convencional em relação aos odores, sabores e avisos para a saúde.

A proibição de fumar passa a ser alargada também ao ar livre dentro do perímetro de locais de acesso ao público ou de uso coletivo, como hospitais ou escolas. E passa a ser proibido, também, criar novos espaços reservados a fumadores nos recintos onde, atualmente, já é proibido fumar. O diploma prevê ainda a proibição de fumar nas áreas ao ar livre de estabelecimentos de qualquer nível de ensino, centros de formação e recintos desportivos e em serviços e locais onde se prestem cuidados de saúde, dado serem "frequentados por crianças, pessoas em situação de formação, pessoas em práticas desportivas ou pessoas doentes, particularmente vulneráveis à exposição ao fumo ambiental". Fica também vedado o consumo em praias marítimas, fluviais e lacustres [lagos], bem como em determinados recintos como piscinas públicas e parques aquáticos.


Quais as exceções? E porquê?
Ainda assim, há exceções às apertadas regras de venda e consumo de tabaco. O Governo mantém as exceções que abrangem os serviços de psiquiatria, os centros de tratamento e reabilitação de pessoas com problemas de dependência e comportamentos aditivos e os estabelecimentos prisionais, alegando que os "utentes destes espaços e os reclusos poderão ter dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de cumprir restrições ao fumo de tabaco".

No caso das cadeias, podem mesmo ser criadas celas ou camaratas para reclusos fumadores, desde que satisfaçam vários requisitos previstos na lei.

Esta exceção permite, assim, fumar nas áreas ao ar livre, que têm de ser previamente definidas e sinalizadas, com condições para minimizar a exposição de terceiros a fumo ambiental e de modo que as emissões não afetem o ar das respetivas áreas fechadas.

A proposta de lei também permite a criação de salas de fumo em aeroportos, estações ferroviárias, estações rodoviárias de passageiros e nas gares marítimas e fluviais para passageiros em trânsito, dotadas de ventilação de acordo com as regras previstas.

Relativamente aos locais que tenham criado salas de fumo, e que passam a estar abrangidos pela proibição total de fumar, o diploma prevê um regime transitório até 1 de janeiro de 2030.


Porquê a polémica nas regiões autónomas?
O parlamento da Madeira defendeu a adaptação regional da lei do tabaco às especificidades das regiões autónomas, para evitar a discriminação regional e o desenvolvimento do comércio ilegítimo.
Num parecer da comissão de Saúde e Assuntos Sociais do parlamento madeirense enviado à Assembleia da República, e divulgado a 14 de junho, é referido que a aplicação da nova legislação às regiões autónomas poderia constituir "um fator acrescido de desigualdade e discriminação negativa entre as diferentes regiões do país" devido à "dificuldade de acesso a determinados bens e serviços".

Por outro lado, a Fábrica de Tabaco Micaelense (FTM) foi uma das entidades que enviou contributos aos Governo, uma carta que consta dos anexos à proposta de lei, por considerar o novo diploma "penalizador". O presidente da FTM, Mário Fortuna, alertou para o risco da extinção de empregos no setor da distribuição e considerou que a nova lei é uma proposta "anacrónica" que vai penalizar "muitas "pequenas empresas que têm parte do seu negócio alicerçado no funcionamento das máquinas de venda [sendo] muitos os empregos associados a este processo de comercialização".
A FTM emprega cerca de 100 pessoas nos Açores e na Madeira.

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