É mais um compasso de espera num dos mais longos processos legislativos em curso na Assembleia da República. O PS pediu ontem o adiamento da votação na especialidade (artigo a artigo) do texto que despenaliza a morte medicamente assistida - provocando, com esse pedido, o adiamento da votação final global do diploma em cerca de um mês, dado que o Parlamento se vai dedicar agora, exclusivamente, à discussão do Orçamento do Estado (OE) para 2023. Um processo que terminará a 25 de novembro..A ter sido votado ontem, o diploma poderia subir já hoje a plenário, depois da votação na generalidade do OE2023. Mas foi precisamente esta agenda que o PS quis travar. Segundo fonte da direção da bancada ao DN, os socialistas pretendem fazer uma "análise minuciosa" do texto, o que não seria possível se este fosse já a votação: "O texto carece de uma análise minuciosa, não há tempo para a fazer"..De acordo com a mesma fonte, depois do que aconteceu com o último diploma - que usava expressões diferentes sobre as condições em que será possível requerer a eutanásia, no que foi o principal argumento para o veto do Presidente da República - a direção do grupo parlamentar quer garantir que não há espaço para qualquer dúvida sobre a redação. Este próximo mês (o texto deverá ser votado na primeira sessão plenária com votações após o encerramento do debate orçamental) servirá, por isso, para passar a pente fino as soluções preconizadas no texto (um diploma único, resultante dos quatro diplomas iniciais, do PS, BE, IL e PAN)..Por outras palavras, o PS quer garantir que não dá a Marcelo Rebelo de Sousa novos argumentos para não promulgar o diploma, como aconteceu em novembro do ano passado, quando o Presidente da República chumbou o texto alegando que continha novas normas face à primeira versão (revista depois do chumbo do Tribunal Constitucional), que lhe suscitaram "inesperadas perplexidades". Em causa o facto de o texto apontar, alternadamente, "doença fatal", "incurável" e/ou "grave" como condição para requerer a morte medicamente assistida, o que levou o chefe de Estado a pedir uma clarificação sobre os exatos termos em que a eutanásia ou o suicídio assistido serão permitidos. Lapsos de redação que foram reconhecidos pelos socialistas, e que causaram irritação na bancada, por terem deixado a via aberta ao veto de Marcelo - que é contra a eutanásia, embora já tenha garantido que a sua convicção pessoal não interferirá na decisão do Presidente da República..É este tipo de cenário que o PS quer evitar que se repita, abrindo caminho ao fim deste processo, que já atravessou duas legislaturas e entrou agora na terceira. Com maioria absoluta no parlamento, os socialistas deram sinal disso mesmo aquando da votação na generalidade dos diplomas que agora deram origem ao texto de substituição comum. "É tempo de concluir este processo", disse do púlpito do hemiciclo o deputado socialista Alexandre Quintanilha..Uma vez reenviado para Belém, e dado que o texto foi alterado, o Presidente da República mantém intocados todos os poderes presidenciais: pode enviar novamente o diploma para o Tribunal Constitucional, vetar ou promulgar. Mas, na circunstância de optar novamente por um veto político, os deputados terão a faculdade de votar a reconfirmação do diploma, sem mais alterações, o que obrigará então o Presidente a promulgar..Certo é que, a ser aprovado, como é previsível, o diploma seguirá para Belém em finais de novembro/inícios de dezembro, sem as mudanças defendidas pelo chefe de Estado: os partidos optaram pelo conceito de doença "grave e incurável" como condição para requerer a morte medicamente assistida, retirando do articulado a expressão "doença fatal". E ignoraram o argumento do Presidente da República de que o alcance da lei foi alargado na segunda versão do texto para abranger casos que não sejam de doença fatal, uma tese que todos os partidos proponentes rejeitam..Se os textos aprovados na generalidade a 9 de junho último (o mais votado, do PS, recolheu então 128 votos a favor, cinco abstenções e 88 votos contra) incluíam apenas uma alteração cirúrgica para ultrapassar o veto de Marcelo Rebelo de Sousa, durante os trabalhos em sede de especialidade foram feitas algumas alterações de substância em relação aos textos iniciais, com o texto de substituição a estabelecer um prazo mínimo de dois meses desde o momento do pedido até à conclusão do processo, e um prazo máximo de 40 dias úteis para que seja tomada uma posição relativamente ao pedido (55 dias se houver lugar a avaliação psiquiátrica). Outra alteração prende-se com a obrigatoriedade de acompanhamento psicológico do requerente da morte medicamente assistida, a não ser que o próprio expressamente o rejeite..26 de Abril de 2016 O movimento cívico Direito a Morrer com Dignidade entrega, na Assembleia da República, uma petição com 8400 assinaturas em defesa da despenalização da morte medicamente assistida. Este documento deu origem à primeira ronda de audições, no Parlamento, sobre esta matéria..29 de maio de 2018 A eutanásia vai pela primeira vez a votos, através de projetos de lei apresentados por PS, BE, PAN e PEV. Todos acabam chumbados, mas o projeto do PS é rejeitado por apenas cinco votos. PS e BE prometem voltar a pegar no tema..20 de fevereiro de 2020 A despenalização da morte medicamente assistida é aprovada na generalidade, pela primeira vez. O projeto de lei do PS - novamente o mais votado entre os cinco apresentados - recolhe 128 votos favoráveis, 84 contra e doze abstenções. Os textos ficam quase um ano em trabalho na especialidade, voltando a subir a plenário para votação final em janeiro de 2021, sob a forma de uma proposta única subscrita pelos cinco partidos proponentes. O diploma é aprovado com 136 votos a favor, 78 contra e 4 abstenções..15 de março de 2020 Considerando que o texto usa "conceitos excessivamente indeterminados", Marcelo Rebelo de Sousa envia o diploma para o Tribunal Constitucional. Uma maioria de sete juízes contra cinco declara o texto inconstitucional, questionando nomeadamente o conceito de "lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico" - uma formulação que "não permite (...) delimitar com o indispensável rigor as situações em que pode ser aplicado"..5 de novembro de 2021 Precisados os conceitos visados pelo Tribunal Constitucional, o texto alterado volta a ser aprovado, com 138 votos a favor, 84 contra e cinco abstenções..29 de novembro de 2021 Marcelo veta politicamente o diploma invocando confusão e incongruência entre os conceitos de doença grave, incurável e fatal..susete.francisco@dn.pt