Proteger as gerações presentes e futuras
Penso que hoje será alargadamente reconhecido que, de uma maneira geral, os indicadores de saúde em Portugal comparam muitíssimo bem com os dos países desenvolvidos e que tal foi possível não só através da melhoria dos indicadores sociais e económicos, mas também da eficácia do funcionamento do sistema de saúde.
A grande excepção encontra-se na esperança de vida saudável a partir dos 65 anos, que, no nosso país, é de apenas cerca de seis anos, enquanto nos países nórdicos está próxima dos 16.
Tal facto traduz-se num enorme peso e sofrimento com a doença para as populações e para os agregados atingidos e num enorme custo para a sociedade, seja com as consequências da incapacidade resultante seja com o custo do tratamento da doença.
Por essa razão, hoje deve constituir prioridade para os sistemas de saúde o investimento na promoção da saúde e na prevenção da doença com o objectivo de obter ganhos em saúde decorrentes da adopção de estilos de vida saudável que possam prevenir a ocorrência de doença evitável.
Também, hoje em dia, envelhecimento começa a merecer um ângulo de análise diferente para os economistas, no sentido de passarem a preocupar-se, no que respeita à sustentabilidade dos sistemas de saúde, não com o envelhecimento demográfico em si - que deve ser visto como uma riqueza - mas antes com o envelhecimento com doença.
Neste contexto, será de valorizar, sem sombra de dúvida, a evidência científica que identifica os agentes causadores de doença evitável e de morte prematura.
Entre eles, surge de forma destacada o consumo de tabaco, cuja associação com a doença cardiovascular, com o cancro (primeira e segunda causas de morte em Portugal, respectivamente), bem como com a doença pulmonar obstrutiva crónica (terceira causa de morte na Europa), e com outras patologias altamente incapacitantes e causadoras de sofrimento está amplamente demonstrada.
Se nos ativermos apenas a esta última, as causas da sua ocorrência distribuem-se entre 90% devido ao tabaco e 10% a doenças profissionais.
A Organização Mundial da Saúde tem desenvolvido nos últimos anos todo um conjunto de acções no sentido de prevenir a adesão aos hábitos tabágicos, quer através de instrumentos de direito internacional quer através da emissão de documentos orientadores de política de saúde neste domínio.
Por essa razão, as autoridades de saúde em Portugal têm agido de acordo com essa orientações ajustando-as às nossas especificidades determinadas de acordo com as conclusões de investigação realizada com base em inquéritos populacionais.
É bem conhecida a actuação desenvolvida pelas empresas que têm fortes interesses comerciais no consumo de tabaco que, abundantemente, usam as técnicas de marketing mais sofisticadas no sentido de promover a adição de comportamentos que fidelizem clientes.
Por isso os poderes públicos, se quiserem inverter ou contrariar tal situação, terão de tentar reger-se por parâmetros com a mesma eficácia, que consigam chegar à racionalidade e aos sentimentos das pessoas, sob pena de saírem vencidos na promoção do bem comum.
Mesmo que isso signifique usar caminhos que percorrem, mas não criam, estereótipos de género, porque o objectivo não é o de os aprofundar e manter mas o de saber que, existindo e devendo ser corrigidos noutros planos, são um veículo adequado para promover a adesão a uma mensagem de saúde pública com inequívoco interesse individual e colectivo.
Estando cientificamente demonstrado que a adição ao consumo de tabaco começa maioritariamente na adolescência e que, quando começa nessa faixa etária, é mais difícil de tratar, a campanha que visa prevenir essa adição tem de ser eficaz em fazer ver aos mais jovens como os maus hábitos podem encurtar uma vida ainda tão necessária no plano afectivo e tão cheia de potencial.
Se assim não fosse, estaria o Estado enfraquecido perante gigantes que têm como único objectivo o lucro económico, mesmo que isso passe por prejudicar gravemente a saúde individual e colectiva.
Muito importante até seria que as organizações que em Portugal lutam há tanto tempo pela igualdade de género e pela dignificação do estatuto da mulher ajudassem a compreender porque é que em Portugal - ao contrário do que se passa nos países mais desenvolvidos da Europa - o grupo das mulheres mais qualificadas é aquele que mais dificuldade tem em deixar de fumar. Porque isso provavelmente significa que têm de se afirmar, no contexto laboral, adoptando comportamentos conotados com a masculinidade. E, se for assim, é indispensável desenvolver políticas que contrariem essa realidade e a saúde também estará nesse combate.
A saúde tem estado na linha da frente, e quer continuar a estar, no combate às consequências negativas para a saúde dos estereótipos de género. Além de injustos e inaceitáveis, têm nexo de causalidade demonstrado com doença física, mental e morte nas mulheres. Por isso existem linhas de acção política específica nesse domínio que será sempre necessário melhorar, aprofundar e desenvolver. E esse é um combate de todos nós!
Presidente da Comissão de Revisão da Lei de Bases da Saúde