A entrada na Altice Arena, o ponto principal da Web Summit, não foi pera doce para os visitantes do evento de tecnologia e empreendedorismo. Tanto que a prometida agenda da cerimónia de inauguração da edição deste ano foi alvo de constantes alterações. Ainda as primeiras startups subiam ao palco e já eram ouvidas as promessas de "dez mil pessoas lá fora, à espera de entrar". Paddy Cosgrave, cofundador e CEO da Web Summit, acabaria por explicar tudo ao público, destacando a importância das forças da autoridade portuguesas. "Há duas horas e meia tomaram a decisão de manter as mochilas fora do recinto. Quero agradecer às forças policiais, eles estão a revistar as pessoas para vossa segurança e vamos agradecer.".Paddy estava apenas a aquecer o público para um momento há muito anunciado: a presença de Edward Snowden, mesmo que à distância, numa teleconferência a partir da Rússia. "Os dados não são inofensivos, não são abstratos quando se fala de pessoas. Não são os dados que estão a ser explorados, são as pessoas", garantiu Edward Snowden, a voz que denuncia o esquema de vigilância de larga escala desenvolvido pela CIA e pela NSA..Numa conversa com James Ball, do Bureau of Investigative Journalism, Snowden recordou os motivos que o levaram a denunciar ao mundo as autoridades do próprio país, em 2013. "Estavam a vigiar as pessoas já num sentido de prospeção, era aquilo a que chamei a vigilância permanente. Faziam isto de qualquer forma, mesmo que as pessoas não tivessem feito nada, e ninguém com poder fazia alguma coisa porque podia ser proveitoso", recordou o delator, que está em asilo político na Rússia..Sobre o presente e o momento que o mundo tecnológico atravessa, com as chamadas big tech pressionadas tanto por reguladores como por consumidores, Snowden foi claro: "O modelo de negócio é o abuso", diz Snowden sobre empresas como Google, Amazon ou Facebook. Além disso, o ex-analista de sistemas da CIA e da NSA deixou o recado: "Como é que se policia o uso desse poder quando ele é usado contra o público?".Sendo uma conferência em território europeu, Snowden, que é crítico das práticas de privacidade e recolha de dados ao longo dos últimos seis anos, foi questionado sobre a sua opinião sobre o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD). "É o RGPD a solução certa?", perguntou o jornalista. "Não, acho que a questão está logo no nome: não deve haver uma proteção de dados mas sim medidas contra a recolha de dados." Ainda assim, reconhece que a legislação europeia sobre a privacidade e a proteção de dados é "um princípio.".5G, "a nova eletricidade".Esperava-se que Guo Ping, chairman da Huawei, aproveitasse o palco da Web Summit para falar da crise comercial entre a China e os EUA, muito ligada à segurança das redes móveis 5G. Só que o responsável da tecnológica chinesa evitou o assunto, referindo apenas que quem se juntar à tecnologia 5G da Huawei "vai ficar a ganhar"..O presidente rotativo da Huawei destacou as ambições da empresa, o líder global em 5G, disse, acrescentando que a implantação das novas redes comerciais está a acontecer "mais rápido do que o esperado", dando o exemplo do primeiro milhão de utilizadores 5G em apenas 60 dias na Coreia do Sul. Neste momento, já serão 40 operadores em dez países que comercializam o 5G, mas até ao final do ano o líder da marca espera que sejam 60.."O 5G constitui uma oportunidade única para toda a comunidade mundial. Estamos a criar uma nova era de rapidez e a humanidade entra, assim, numa era ao mesmo nível do que se viu no início da eletricidade." A comparação com a eletricidade e a sua importância "para todas as indústrias" foi feita várias vezes. Guo Ping explicou mesmo que essa tecnologia "vai aumentar a rapidez e reduzir a latência a níveis nunca vistos" e vai trazer "inúmeras oportunidades para empresas e startups"..A "piscar" o olho a programadores de aplicações e software, Guo Ping recordou a iniciativa de programadores da Huawei, com um investimento que rondará os 1,5 mil milhões de dólares, ao longo dos próximos anos. Ping adiantou ainda que as apps e software criados com base na rede móvel 5G "são aqueles que vão gerar o verdadeiro valor da tecnologia", naquele que define como um mercado que vale biliões de dólares americanos" e onde "os maiores vencedores serão os parceiros da Huawei"..Lisboa, uma cidade tolerante.O presidente da Câmara de Lisboa começou a sua intervenção a elogiar a cidade, dizendo que é "aberta e vibrante para a tecnologia" e que um dos melhores exemplos disso é a permanência da Web Summit em Lisboa desde 2016. Fernando Medina deixou claro que a cidade fez "um caminho de transformação e é uma cidade aberta à transformação", além de ser "uma cidade comprometida com as questões ambientais", tendo apostado nomeadamente na diminuição das emissões de gases com efeito de estufa..O ministro da Economia, por sua vez, recordou que no mundo da tecnologia a evolução da área é bastante veloz e que o que era novo há dez anos já não o é hoje. A nível tecnológico, "as coisas acontecem muito rápido. E o que sabemos para daqui a dez anos [é que as mudanças] vão ser ainda mais rápidas", o que acaba por "criar alguns problemas" e, à medida que os novos desafios surgem, vão ter de ser encontradas soluções..A Web Summit, que vai ficar em Lisboa até 2028, vai ser o palco onde a discussão sobre os desafios e as soluções vai ocorrer. "A Web Summit, nos próximos dez anos, vai ser onde vão acontecer as conversas" sobre a nova realidade.."No século XVI, Lisboa era capital da globalização", recordou o ministro, para lembrar que durante estes últimos cinco séculos a capital portuguesa sempre foi uma cidade "aberta, que permite que diferentes pessoas se conheçam. Nos próximos dez anos, as discussões sobre a transição digital vão ocorrer cá. Vamos dar as boas-vindas [a todos os que queiram debater] como demos durante os últimos 500 anos"..A primeira milionária portuguesa?."Estarei a falar com as primeiras multimilionárias self-made?", perguntava a moderadora Filomena Cautela. Se Michelle Zatlyn, da Cloudflare, preferiu responder de forma cautelosa, a CEO da DefinedCrowd esteve à altura da provocação: "Não uma multimilionária, mas uma mulher milionária em Portugal.".Daniela e Michelle foram as duas primeiras mulheres a subir ao palco da Web Summit, para uma conversa sobre o panorama tecnológico português, pautada por conselhos aos empreendedores presentes. Além disso, a conversa serviu também para enumerar as razões da escolha de Portugal para a localização de escritórios das duas empresas - contrariando as preferências iniciais..Por um lado, Lisboa não estava no topo da lista dos norte-americanos da Cloudflare para um novo escritório na Europa. Só que a capital portuguesa saltou para a linha da frente da empresa que disponibiliza uma rede de distribuição de conteúdo e serviços de segurança na internet. A responsável da Cloudflare recordou a passagem por Lisboa de John Graham-Cumming, o CTO da empresa. "Ele veio a Lisboa antes de tomar a decisão final e falou com algumas startups. Ele ficou tão impressionado com a diversidade das startups. Nota-se muito a diferença em comparação com Londres e São Francisco", notou Michelle Zatlyn..A DefinedCrowd, startup liderada pela "doutora Braga", começou em Seattle, nos Estados Unidos, mas mudou o centro de engenharia para Lisboa. Daniela mudou a base do negócio dos Estados Unidos para Portugal por causa do "talento português, da qualidade das universidades, do apoio do governo e da Startup Lisboa. Estamos a ajudar algumas das 500 maiores empresas do mundo - como a Amazon - a partir de Portugal"..Numa conversa apenas com mulheres, a quase paridade de género nos escritórios da DefinedCrowd foi um dos temas: "Normalmente, sou a única engenheira na sala. Mas a igualdade acontece naturalmente nos nossos escritórios, 42% dos nossos trabalhadores são mulheres e não fiz nada propositadamente para isso", assinalou Daniela Braga..Acompanhe todos os desenvolvimentos da Web Summit no Dinheiro Vivo