Presidente recupera "pacto para a justiça"
Sem crispação e num ambiente de troca de cumprimentos e saudações. Foi assim que decorreu, esta quinta-feira, a habitual cerimónia de abertura do ano judicial, na qual Marcelo Rebelo de Sousa interveio pela primeira vez como Presidente da República. E nesta qualidade, recuperou a ideia do "pacto para a justiça", mas com a participação de todos, desde os partidos políticos aos operadores judiciários.
No discurso proferido no salão nobre o Supremo Tribunal de Justiça, para chegar ao "pacto", Marcelo Rebelo de Sousa partiu de uma interrogação: "Como é possível converter a justiça numa prioridade política?", questionou, recordando que, desde a revolução do 25 de abril, não houve mudanças profundas no sector com consensos alargados. Recordando o "pacto para a justiça" de 2006 entre PS e PSD, sobretudo vocacionado para as leis penais, Marcelo Rebelo de Sousa considerou ser necessária uma "mudança cultural na sociedade", de forma a colocar a justiça como prioridade política, já que este sector acaba por influenciar o desenvolvimento de outros, como a Economia.
Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que um "pacto de justiça" supõe "um denominador mínimo nos parceiros sociais, antes de chegar aos partidos políticos".
"Ou são aqueles que diariamente contribuem para que a justiça não seja uma ideia vã a encontrarem-se e a entenderem-se, mesmo se por parcelas, assim dando um contributo para a consciencialização social, ou então é mais difícil esperar que sejam os partidos políticos a encetarem esse caminho", considerou o chefe de Estado.
Mas, se o próprio Presidente estava à espera de um "rosário de queixas", refira-se que, este ano, estas foram poucas. Deixando para fim a área penal - que dá mais visibilidade ao Ministério Público - a Procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, preferiu concentrar a atenção dos ouvintes na "justiça de menores": A proximidade das populações à justiça de família e menores ficaria assegurada pela criação e instalação de novos tribunais de competência especializada, nas comarcas em que tal se justificasse, pela dimensão do território e dificuldades de acesso e pelo volume processual", defendeu a magistrada.
Em seguida desfiou os habituais números: "Em 2016, a taxa de resolução processual foi de 111%. O Ministério Público terminou 111% dos processos entrados, tendo melhorado face aos 106% do mesmo período do ano passado", disse Joana Marques Vidal, acrescentando que o número de inquéritos com indícios de crime aumentou de 21 para 27%, tendo prosseguido o exercício da ação penal, quer por acusação, quer por suspensão provisória do processo.
Isto, salientou, apesar da "atual escassez de magistrados do Ministério Público, implicando um maior esforço por parte dos que se mantêm em exercício, determinou um ambiente de desmotivação suscetível de poder prejudicar os resultados positivos que, pesar de tudo, foram alcançados no ano transato".
Por sua vez, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, também recorreu aos números para mostrar que nem tudo está tão mal ou, nas suas palavras, para contrariar "o sentimento e percepções externas sobre a Justiça": as pendência baixaram 12%; o tempo de duração média de um processo cível foi de 17 meses; na área penal foi de 10 meses e meio, etc.
O presidente do Supremo aproveitou a ocasião para criticar o papel dos tribunais internacionais, sobretudo os europeus, cujas decisões, por exemplo, em matéria de liberdade de expressão têm contrariado os acórdãos dos tribunais portugueses.
Já a ministra da Justiça necessário "legislar menos, mas legislar melhor", com "mais ponderação da necessidade, melhor articulação e mais clareza". Francisca Van Dunem disse que a "arquitetura institucional do sistema se mostra estabilizada" pelo que "não é tempo para sobressaltos".
A bastonária da Ordem dos Advogados alertou para o problema das custas judiciais, na sua opinião são desproporcionais aos rendimentos das famílias" e "constituem um obstáculo intransponível ao acesso à Justiça".
"Hoje, com uma classe média esmagada por impostos, violentada por cortes e reduções de salários e pensões, não é possível continuarmos indiferentes ao empobrecimento desses cidadãos, exigindo o pagamento de taxas e de custas manifestamente insuportáveis para os seus orçamentos", disse Elina Fraga