Em 2012, volvidos dez anos de idealismo inebriante que alastrou pela política ocidental nas décadas de 1990 e 2000, o mundo era irreconhecível. Nesse ano, Xi Jinping conquista a chefia do partido e do Estado. Determinada a retomar o seu papel central na política mundial, a China de Xi assume-se como uma potência confiante e disponível para utilizar o seu recém-adquirido poderio económico e militar. Um sinal desta nova assertividade ocorre em maio de 2014, quando Xi declara que "cabe ao povo da Ásia dirigir os assuntos da Ásia, resolver os problemas da Ásia e defender a segurança da Ásia"..Interpretada por alguns como uma "Doutrina Monroe Chinesa" destinada a excluir os Estados Unidos de uma futura arquitetura de segurança regional que Beijing antecipa dominar, a afirmação era, no mínimo, inequívoca quanto à intenção de o novo líder desempenhar o papel predominante naquela região..A sua premissa de que o "povo da Ásia" dirige os assuntos regionais atribui uma opinião uniforme ao "povo da Ásia". Não era uma declaração surpreendente na medida em que a China tende a diluir a distinção entre "interesses asiáticos" e os seus interesses paroquiais; usualmente considerando-os como sinónimos. Todavia, o Japão, a Coreia do Sul e outros estados vizinhos (para não mencionar Taiwan) não fazem essa equivalência. Recusam acolher uma ordem regional dominada pela República Popular da China [RPC] que os deixaria vulneráveis à hegemonia de Beijing. Igualmente evidente, os Estados Unidos não se mostram minimamente disponíveis para ser afastados do palco asiático, onde consideram possuir interesses vitais. Vislumbram-se, pois, num horizonte não muito distante, confrontos entre a China e os EUA e os seus respetivos aliados regionais..Desde que ascendeu ao topo da política chinesa, Xi Jinping tem feito inúmeras referências à "comunidade de destino comum para a humanidade" (...),também traduzido como "comunidade de futuro comum para a humanidade"..A visão de Xi engloba temas privilegiados pela política externa chinesa desde 1954, quando Zhou Enlai delineia os "Cinco Princípios da Coexistência Pacífica". Mas o conceito "comunidade de destino comum para a humanidade" não se resume a princípios de política externa ou a uma doutrina de grande estratégia nacional. Deve ser entendido como um paradigma alternativo das relações internacionais e, como tal, o desenho para uma arquitetura internacional pós-liberal. Dito de forma diferente, sob Xi Jinping, a RPC definitivamente emergiu como uma potência revisionista que desafia a ordem liberal construída no pós-1945. Essa tentativa de rever o statu quo encontra-se hoje mais adiantada na vizinhança imediata da República Popular, ou seja, nos mares do sul da China e do leste da China. Embora o propósito revisionista sínico tenda a ser subestimado no Ocidente, onde as estratégias de engajamento continuam a dominar a política externa de vários governos, o projeto disruptivo de Xi é uma consequência lógica da "terceira revolução" chinesa..DestaquedestaqueDesde que ascendeu ao topo da política chinesa, Xi Jinping tem feito inúmeras referências à "comunidade de destino comum para a humanidade" (...),também traduzido como "comunidade de futuro comum para a humanidade"..O conceito de "destino comum" assume um lugar de destaque no discurso da política externa da RPC antes da subida de Xi à chefia do PCC [Partido Comunista da China]. Utilizada por Hu Jintao em 2007 para descrever as relações entre a República Popular e Taiwan, a expressão "comunidade de destino comum" restringia-se ao "destino comum" ostensivamente partilhado pela nação chinesa residente nos dois lados do estreito..Hu Jintao, em 2005, aproveita a ocasião de um discurso nas Nações Unidas para pedir um "mundo harmonioso" baseado em "relações amistosas e cooperação com todos os países com base nos Cinco Princípios da Coexistência Pacífica, temas que Xi mais tarde recupera". A visão de Xi não representa, pois, qualquer descontinuidade com a política externa traçada pela RPC no passado recente. Reafirma, a bom rigor, a intenção de romper com os princípios essenciais da ordem internacional liberal denunciada consistentemente por Beijing ao longo das décadas, incluindo o "hegemonismo das superpotências" e as alianças de segurança criadas e mantidas pelos Estados Unidos na Ásia depois de 1945. Com isto não se pretende dizer que a postura de Xi seja exatamente a mesma da dos seus antecessores, pois Xi inova num aspeto essencial: pretende "realinhar a governança global em pelo menos cinco dimensões principais: política, desenvolvimento (incluindo economia, sociedade e tecnologia), segurança, cultura e meio ambiente"..Ao contrário dos seus antecessores, Xi não se limita a repetir as advertências tradicionais dos dirigentes chineses; articula uma visão global, uma alternativa global, à atual ordem liberal. Embora dissimulada através de um discurso orwelliano de sentido duplo e, aparentemente, benigno, a "comunidade de destino comum para a humanidade" constitui, na realidade, um desafio global para os Estados Unidos e os seus aliados, tanto asiáticos como não asiáticos..Dias depois de fazer uma inesperada defesa da globalização e do livre comércio em Davos, Xi articula a nova abordagem revisionista das relações internacionais num discurso proferido a 18 de janeiro de 2017 nas Nações Unidas, em Genebra..Afirmando a existência de uma "harmonia de interesses" entre a China e as demais nações, defende o estabelecimento de uma "ordem internacional justa e equitativa" enraizada na "igualdade soberana"..Pretende-se que o princípio operacional subjacente à interação entre unidades de igualdade soberana seja a "consulta" porque, "enquanto mantivemos a comunicação e nos tratávamos com sinceridade, a Armadilha de Tucídides pode ser evitada"..Este mecanismo de "consulta", por sua vez, estrutura as "parcerias internacionais" baseadas no "diálogo, no não confronto" e na rejeição das alianças..Declarava que, em contraste com o comportamento das grandes potências do passado e do presente, "a China é o primeiro país a fazer da construção de parcerias um princípio que guia as relações entre estados"..DestaquedestaqueAo substituir as atuais alianças pelas chamadas parcerias win-win, a China procura pôr termo ao "domínio de um ou vários países", um eufemismo para descrever alianças institucionalizadas por tratados..Beijing vê-se, portanto, como o centro de uma vasta rede global de parcerias abrangendo várias áreas de atuação. Porque as regras que governam esse novo sistema devem ser moldadas em conformidade com o princípio da igualdade entre estados soberanos, os países em desenvolvimento passam a ter uma voz ativa nas questões internacionais. Articulada esta visão de "igualdade soberana", Xi, de forma dissimulada, conclui que "a China nunca buscará hegemonia, expansão ou esferas de influência"..Ao substituir as atuais alianças pelas chamadas parcerias win-win, a China procura pôr termo ao "domínio de um ou vários países", um eufemismo para descrever alianças institucionalizadas por tratados..Em acentuado contraste com as alianças americanas de tratado, as parcerias chinesas ostensivamente permitem fomentar a cooperação independentemente de diferenças ideológicas, culturais e políticas. A título exemplificativo, a China mantém "parcerias estratégicas abrangentes" com a Austrália, o Irão, a União Europeia e uma panóplia de países e organizações, independentemente de afinidades ideológicas ou culturais. Na ausência de compromissos especificados por tratado, as parcerias são flexíveis e objeto de upgrade (ou downgrade) consoante o interesse nacional da China e o comportamento dos parceiros. Por exemplo, em 2019, no exato momento em que a União Europeia rotula a China de "rival sistémica", Portugal transforma a sua "parceria estratégica" num "diálogo estratégico"..A preferência chinesa por negociações bilaterais com os países da União Europeia permite semear a divisão e impedir a articulação de políticas comuns em toda a Europa. A flexibilidade é, de facto, uma fonte de tremenda alavancagem. Dito de forma mais simples, a preferência de Beijing por parcerias consubstancia uma abordagem de "dividir e reinar" com o intuito de obter vantagem máxima. Esta rejeição de alianças institucionalizadas traduz a refutação chinesa da ordem pós-1945. No essencial, Xi descarta "qualquer contribuição dos Estados Unidos e dos seus aliados para manter a paz e aumentar a prosperidade global desde a Segunda Guerra Mundial. Em vez disso, atribui o êxito às Nações Unidas e à comunidade global. Como consequência, defende a resolução de crises por via do diálogo entre as partes diretamente envolvidas ou pela mediação das Nações Unidas, cujo Conselho de Segurança deve desempenhar o papel central na conservação da paz mundial"..Se forem entendidas como uma afirmação de propósito diplomático, as palavras de Xi não oferecem reparo. Todavia, nem todas as crises são suscetíveis de ser resolvidas pelo mecanismo do diálogo. E também é uma evidência que, desde a sua criação, o Conselho de Segurança demonstrou escassa vocação para manter a paz, frequentemente devido a vetos ou ameaças de veto da RPC. Com efeito, ao enfatizar a legitimidade do Conselho de Segurança para resolver conflitos, Xi procura minar as alianças dos EUA, vistas por Beijing como um impedimento estrutural à sua ascensão. A longo prazo, a "comunidade de destino comum para a humanidade" implica um futuro em que as alianças dos Estados Unidos findam e os estados democráticos são forçados a lidar com a China bilateralmente. As fórmulas da cooperação "sem compromisso" e as "grandes potências devem tratar os pequenos países como iguais" são mantras, meros dispositivos retóricos que não correspondem à práxis chinesa. A ênfase colocada no princípio da igualdade entre os estados também não é congruente com as reivindicações feitas pela China no passado, alegando que a dimensão e o poderio do país lhe conferem uma voz coincidente com o seu poder. Caracterizadas por Beijing como instituições da Guerra Fria inadequadas às exigências das relações internacionais contemporâneas, as alianças colocam um desafio a outro nível..Como destaca Liza Tobin, "a oposição de Beijing às alianças de segurança dos EUA também se deve ao potencial coercivo representado pelas coligações de democracias"..Alianças baseadas em valores comuns são um problema espinhoso para a China, porque o regime comunista não pode fomentar alianças assentes nos valores políticos do PCC. Em contraste, as alianças lideradas pelos Estados Unidos no Indo-Pacífico estão, pelo menos em parte, enraizadas em valores democráticos comuns. Beijing pode, no entanto, apelar a um "modelo de desenvolvimento chinês" enfatizando o crescimento, mas omisso em relação aos valores políticos. Por outras palavras, as parcerias não obrigam à adesão aos valores de Beijing, mas pressupõem que o modelo de desenvolvimento chinês seja passível de imitação. Todavia, se o sucesso do modelo resulta dos métodos de "liderança sábia" e "consultiva" do PCC, a linha de demarcação entre o êxito do modelo e os valores que o sustentam torna-se difícil de estabelecer. Os líderes chineses advogam a democracia "consultiva" não apenas nas relações entre estados; também a defendem dentro dos estados, argumentando que se trata de um modelo superior à democracia ocidental. Esse "leninismo consultivo", no dizer de Steven Tsang, evidencia "um foco obsessivo em permanecer no poder; reforma contínua da governança, projetada para antecipar as reivindicações públicas em prol da democratização; esforços sustentados para aumentar a capacidade do partido para obter, responder e direcionar mudanças na opinião pública; pragmatismo na gestão económico-financeira; e a promoção do nacionalismo no lugar do comunismo"..Embora o PCC detenha o monopólio do poder, o partido "consulta" os chamados "grupos não filiados" e outras "entidades representativas" no âmbito da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês. A "democracia" harmoniosa da China é apresentada como superior e mais eficiente do que o modelo burguês ocidental que articula, e procura resolver, conflitos de interesse por meio da concorrência eleitoral, onde os interesses se organizam em partidos políticos. Ao desvalorizar a "democracia burguesa", o governo chinês visa deslegitimar a competição eleitoral e, por extensão, minar a influência global de Washington e dos seus aliados democráticos. Para alargar a sua influência, Beijing recorre cada vez mais a instrumentos de soft power. A afirmação cultural no exterior, sobretudo por meio do Instituto Confúcio, passou a ser um componente essencial do rejuvenescimento nacional. Convém salientar que, na ótica de Xi, a "cultura" é sinónimo de "cultura socialista" e "valores socialistas fundamentais", sendo estes uma condição prévia para alcançar um "grande país socialista moderno" até meados do século XXI..DestaquedestaquePercebe-se que a preocupação de Xi em enfatizar a convivência civilizacional seja evitar o fenómeno do "choque das civilizações" huntingtoniano que serviria para delimitar as fronteiras da influência chinesa. .Ao mesmo tempo, a "comunidade de destino comum para a humanidade" convive com a diversidade. Recorrendo a uma fórmula padrão, Xi, no discurso de Genebra, afirma que "não existe civilização superior ou inferior, as civilizações diferem apenas em identidade e localização. A diversidade das civilizações não deve ser uma fonte de conflito global; pelo contrário, deveria ser um motor para impulsionar o avanço das civilizações humanas. Qualquer civilização, com o seu apelo distinto e raiz próprias, constitui um tesouro humano. Diversas civilizações devem apoiar-se para alcançar um progresso comum. Deveríamos fazer das trocas entre civilizações uma fonte de inspiração para o avanço da sociedade humana e um vínculo que mantém o mundo em paz"..Percebe-se que a preocupação de Xi em enfatizar a convivência civilizacional seja evitar o fenómeno do "choque das civilizações" huntingtoniano que serviria para delimitar as fronteiras da influência chinesa. Curiosamente, a noção da igualdade cultural é minada não apenas pelas políticas concretas de assimilação e colonização cultural prosseguidas pelo PCC no Tibete e em Xinjiang, mas também pela afirmação de Xi de que, "ao longo de vários milénios, a paz está no sangue de nós, chineses, e parte do nosso ADN"..Ao sugerir que, em contraste com outros países, a "essência" da identidade chinesa é a paz, Xi abraça um tipo de essencialismo cultural, atribuindo características opostas a outras nações, que aparentemente têm a guerra programada no seu ADN. Previsivelmente, questões ambientais e de sustentabilidade permitem que Beijing mobilize a opinião pública internacional em seu favor. Embora a práxis ambiental do governo chinês não coincida com a sua retórica, a sua adesão, ainda que relutante ao Acordo de Paris e à Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável surtiu ganhos junto da opinião pública ocidental..Durante o XVIII Congresso do PCC, realizado em 2012, Hu Jintao eleva o "progresso ecológico" a um componente estrutural dos planos de desenvolvimento do país, traçando metas para reduzir a poluição e os danos ambientais causados pela industrialização do país..Por sua vez, o XIX Congresso Nacional do PCC consolida essa orientação por meio da "China Bela", apresentada como uma meta de rejuvenescimento nacional para 2035..Embora as iniciativas políticas não se traduzam necessariamente em mudanças práticas, o ambiente continuará a ser uma prioridade do PCC por duas razões. Primeira, a rápida modernização da China provocou uma devastação ambiental incalculável que precisa de ser gerida. Segunda, a aposta estratégica chinesa em tecnologias associadas à "energia limpa", geradora de padrões internacionais, deixa o país posicionado para se tornar líder da economia verde. Para a RPC, o ambientalismo serve para promover os interesses comerciais em todo o mundo, ao mesmo tempo que se apresenta como um estado empenhado em resolver problemas universais. A agenda revisionista de Xi obrigou-o a frisar, em inúmeras ocasiões, que "o desenvolvimento da China não representa uma ameaça para nenhum país (...). Não importa o quanto a China se desenvolva, nunca buscará hegemonia"..No entanto, apesar da ênfase colocada publicamente nos conceitos de "consulta", de relações win-win e "igualdade soberana", jamais descartou o uso da força militar. Apesar de Xi garantir que a RPC é um estado benigno em ascensão, o documento "A Defesa Nacional da China na Nova Era", tornado público em 2019, antevê uma ordem mundial multipolar acompanhada por um sistema "reformado" de governança global..Quer isto dizer que à medida que se expande para novas regiões do globo, a China pretende, incrementalmente, erguer uma nova arquitetura de segurança internacional. Debruçando-se sobre a segurança na Ásia-Pacífico, o documento afirma que os países da região estão "cada vez mais conscientes de que são membros de uma comunidade de destino compartilhado"..Em resposta à estratégia de segurança nacional de Washington, o documento chinês descreve a cooperação sino-russa como uma "parceria estratégica abrangente de coordenação para uma nova era", acrescentando que a relação entre os dois estados é essencial para "manter a estabilidade estratégica global"..A afirmação não é inteiramente inequívoca, mas sugere estar-se perante uma estratégia de equilíbrio que junta dois países contra os Estados Unidos. Partindo da constatação de que o êxito económico fora assegurado pelos seus antecessores, Xi afirma que a riqueza material obtida deve agora ser utilizada para tornar a China, novamente, grande. A inexorável marcha de Beijing para a conquista do statu de grande potência tem, como é sabido, estimulado intenso debate sobre a probabilidade da guerra entre grandes potências. Um contributo particularmente influente surgiu com o trabalho de Graham Allison sobre a "Armadilha de Tucídides", conceito delineado no seu livro Destined for War..Allison testou empiricamente a observação de Tucídides, encontrada na Guerra do Peloponeso, de que "foi a ascensão de Atenas e o pavor que instilou em Esparta que tornaram a guerra inevitável". A "Armadilha de Tucídides" sugere que a guerra é um desfecho provável quando uma potência em ascensão ameaça superar a potência dominante..Allison confirma que 12 das 16 transformações desta natureza ao longo dos últimos 500 anos resultaram em guerra. Porém ela fora evitada em quatro dessas ocasiões, três das quais ocorreram no século XX, sendo que a atual rivalidade sino-americana é o caso mais recente do fenómeno..Compreensivelmente, a Armadilha de Tucídides suscitou ampla discussão na China, facto abertamente reconhecido quando Xi Jinping faz referência ao debate durante a sua visita aos EUA em 2015. O presidente chinês afirmou que "não existe a chamada 'Armadilha de Tucídides' no mundo. Mas, se os principais países repetidamente fizerem erros de cálculo estratégicos, poderão criar essas armadilhas para si mesmos"..Para evitar a possibilidade de cair nessa autoinduzida armadilha, Xi propôs que as "relações de poder" sino-americanas fossem baseadas na cooperação mútua, no respeito e no diálogo. A bem dizer, os dados recolhidos por Allison sugerem que a guerra não é um resultado inevitável da competição pelo poder. Daí que aconselhe a hierarquização dos interesses vitais para se evitar a dispersão estratégica..Mais importante ainda, recomenda uma compreensão mais profunda da política interna da China e dos seus interesses nacionais; em resumo, uma abordagem mais subtil que contemple as ambições estratégicas chinesas..Aceitar a probabilidade de guerra não é sinónimo de admitir a inevitabilidade da guerra. No entanto, à luz das recentes posturas estratégicas americanas e chinesas, o perigo de um confronto militar não pode ser descartado. O comportamento dos dois estados baseia-se na maximização da segurança num sistema internacional crescentemente imprevisível. Neste quadro, o conceito do "dilema de segurança" é indispensável para esclarecer o problema. Dilemas de segurança surgem porque ações dos estados que buscam reforçar a sua segurança exacerbam a insegurança de outros, provocando, assim, uma espiral de insegurança..Como a segurança nacional é fundamentalmente determinada pelas capacidades do estado, o dilema da segurança não pode ser dissipado por intenções e profissões de boa-fé. É certo que o dilema de segurança pode ser atenuado por tratados, pelo direito internacional, por instituições Internacionais e por outros instrumentos de cooperação interestatal. Na medida em que moderam o dilema da segurança, esses instrumentos são valiosos. Ainda assim, porque os estados não renunciam ao seu direito inalienável à autodefesa quando todas as outras opções se esgotam, esses instrumentos cooperativos mitigam, mas não transcendem, o dilema da segurança. Este, na verdade, jamais será transcendido. Assim, em última análise, a sobrevivência do estado depende da força militar, a razão pela qual os estados se preparam para a guerra como a última ratio. A crescente assertividade chinesa no mar do sul da China e no mar do leste da China Oriental expressa a lógica política do dilema da segurança. Acontecimentos verificados nesses teatros são justificados por Beijing como uma forma de repor os "direitos históricos" e, portanto, inteiramente compatíveis com a retórica da harmonia, cooperação e relações win-win..Essas mesmas ações são evidentemente interpretadas de maneira diferente em Washington e nas capitais asiáticas. A postura da China nessas áreas alimenta suspeições de que o país esteja envolvido num processo de expansão territorial e na apropriação indevida dos recursos naturais reivindicados pelos estados vizinhos. As manobras da RPC, particularmente no mar do sul da China e nas águas em volta das ilhas Senkaku são, pois, vistas como ofensivas e, consequentemente, a decisão de os Estados Unidos se envolverem (ou não) nessas disputas abre ou fecha oportunidades para conter a assertividade chinesa. A menos que Washington atue decisivamente para dissuadir a República Popular, terá um incentivo para continuar a escalar as tensões e, desse modo, intimidar os seus vizinhos..DestaquedestaqueO interesse generalizado suscitado por um debate académico em torno da "inevitabilidade" da guerra entre grandes potências ilustra a extensão da mudança verificada na opinião ocidental quanto às consequências da ascensão da China..Os comportamentos de Beijing para com os países circundantes são, portanto, indissociáveis das escolhas americanas. Por outras palavras, o envolvimento regional americano configura um fator estrutural para restringir a ascensão da China. Não surpreende, pois, que a crescente tensão no mar do sul da China (e na Ásia em geral) seja, segundo os chineses, o resultado das estratégias de balanceamento americanas definidas com vista a prejudicar os interesses legítimos da RPC..O interesse generalizado suscitado por um debate académico em torno da "inevitabilidade" da guerra entre grandes potências ilustra a extensão da mudança verificada na opinião ocidental quanto às consequências da ascensão da China..Em grande medida, o endurecimento da opinião pública face à RPC - e o concomitante consenso emergente em Washington relativo a Beijing - antecipa o abandono da estratégia de engajamento definida no início dos anos 1990. Eis mais um reflexo da convicção de que os esforços para cooptar a República Popular na ordem internacional fracassaram e, como corolário, foi igualmente desacreditada a ideia de que a globalização desencadearia dinâmicas sociais que invariavelmente conduziriam à democratização do regime comunista..Líderes políticos e públicos ocidentais estão, gradualmente, a concluir que a RPC constitui uma ameaça real à ordem liberal internacional. Atendendo a estas mudanças de perspetiva, a abordagem política ocidental dos últimos 30 anos deixou de ser sustentável. Em suma, os dois países caminham inexoravelmente para o confronto.