A lei sobre gestação de substituição aprovada pelos deputados na passada sexta-feira não inclui um dos motivos pelo qual foi chumbada pelo Tribunal Constitucional (TC) a 24 de abril de 2018. Os juízes discordaram da "limitação da possibilidade" da gestante se poder arrepender "a partir do início dos processos terapêuticos".Defenderam que o arrependimento fosse possível até a criança nascer, o que, na versão proposta pelo BE poderia ir até aos 20 dias, data limite para ser registado. Esta proposta não passou, foi aprovada a lei que não prevê essa possibilidade..O resultado é a gestação de substituição (vulgarmente conhecida pela expressão barrigas de aluguer) continuar a ser impossível em Portugal, apesar de na Internet estar à distância de um clique. E há casais que acabam por recorrer a essas empresas, até porque o tempo conta quando se trata de gerar um filho com o próprio material genético.."Voltávamos a passar por tudo só para receber este presente"."Somos o primeiro escritório de advogados de acompanhamento íntegro em temas de gestação de substituição", anuncia a Gestlife. Trabalham com gestantes da Grécia, Ucrânia, Rússia, EUA e Geórgia, oferecendo vários tipos de tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA)..Entre a informação prestada, anunciam as vantagens e desvantagens de cada país. Na Grécia há poucas mulheres a disponibilizarem-se para gerar o filho de outros. Nos Estados Unidos é bastante mais caro, entre 90 mil e 180mil. A Geórgia tem poucas representações diplomáticas estrangeiras..Acabam por aconselhar o recurso à Rússia, que "tem 20 anos de experiência na gestação de substituição para cidadãos estrangeiros" e por metade do preço dos EUA, entre 62 mil e 80 mil, e a Ucrânia, onde apresentam um "pacote fechado", ou seja, os orçamentos apresentados são geralmente os valores finais, entre 50 mil e 60 mil..Já a Sucessful-Parents trabalha só na Ucrânia, disponibilizando a informação em português do Brasil. Inclui testemunhos dos clientes, entre os quais um casal português. "Hoje dizemos que se fosse preciso voltar a passar por tudo isto passávamos, só para recebermos este maravilhoso presente." Com a legenda: "Um casal de Portugal, provavelmente um dos mais perseverantes que conhecemos"..Há, ainda, a empresa israelita Tammuz, que publicita 11 anos de experiência nesta área. Referem ajudar a ser pais "famílias de mais de 35 nacionalidades diferentes, entre as quais, israelitas, brasileiros, americanos, suecos, mexicanos, chineses, japoneses, australianos, polacos, peruanos, portugueses, britânicos, etc"..E os exemplos não se ficam por aqui, como uma agência sediada na Geórgia (newlife.georgia), basta procurar..Contactámos algumas dessas agências, só nos identificando como jornalista para a Gestlife, que não respondeu. Não o dissemos quando enviámos um email para a Sucessful-Parents, que respondeu às nossas dúvidas sobre a legalidade do serviço. "Ninguém pode ir à Ucrânia para a maternidade de sub-rogação [maternidade de substituição]. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já emitiu várias pareceres, tornando impossível aos países da União Europeia rejeitar os bebés nascidos de mães de aluguer nos países onde esta prática é legal"..MP investiga, não explica o quê.A Procuradoria-geral da República está a investigar a atividades destas empresas em Portugal. "O inquérito é dirigido pelo Ministério Público do DIAP de Lisboa, encontra-se em investigação e está sujeito a segredo de justiça", informou a PGR ao DN. Não explica o que está a ser investigado e quantas empresas investigam..Mas, sendo a gestação de substituição uma prática legal nos países onde operam e o contacto feito online, os portugueses que recorreram a esses serviços podem ser criminalizados?."Cada país é soberano em regular a gestação de substituição e, sendo o recurso a um contrato e ao pagamento de uma remuneração proibido em Portugal, o país tem que proibir os seus nacionais de recorrer a estas empresas, só que, na prática, torna-se pouco exequível", diz a advogada Paula Martinho da Silva, especialista em bioética, atualmente membro do Comité Internacional de Bioética da Unesco..A dificuldade está no facto de um português que recorre ao estrangeiro omitir em que circunstâncias foi pai ou mãe. O exemplo mais mediático é o de Cristiano Ronaldo, em que apenas se conhece a mãe da filha mais nova. E, tal como em Portugal, a gestação de substituição não está regulamentada em Espanha..O juiz Eurico Reis, que se demitiu do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) na sequência do chumbo do TC, explica que o direito português não se aplica a nível internacional. O "grande problema" é quando esses pais vão registar a criança e têm que mentir, sujeitando-se às consequências legais..Em geral, os casais que recorrem à gestação de substituição no estrangeiro fazem-no com o seu material biológico (óvulos e esperma). Depois, a criança é registada num consulado português, assumindo-se o homem como o progenitor e, para vir para Portugal, a gestante passa uma declaração a autorizar a viagem do bebé com o pai. Posteriormente, em território nacional, a companheira (ou companheiro) adota a criança. As empresas não explicam como fazem no caso de duas mulheres ou uma mulher recorrer à gestação de substituição..Eurico Reis indigna-se com a situação, criticando o TC pelo chumbo. "As pessoas querem continuar a ter os seus filhos biológicos e acabam, por vezes, por entrar em esquemas complicados. Houve casos em que foram ao estrangeiro [Geórgia, por exemplo] e, depois, não conseguiam trazer a crianças para Portugal, sujeitando-se a pagar subornos para a trazer"..Além da dificuldade em registar a criança - embora o juiz diga que "seja relativamente fácil fazê-lo num consulado português " -, questiona-se as situações em que as mulheres aceitam engravidar em nome de outras pessoas: "Muitas vezes, essas gestantes não estão a agir de forma voluntaria, estão a ser constrangidas, e não são elas que beneficiam da maior parte do dinheiro gasto nesses processos"..As empresas, na generalidade, não falam em valores e muito menos discriminam quanto é que as gestantes recebem. No entanto, a Gestife indica que uma mulher nos EUA pode ficar com 35 mil a 45 mil euros, sendo esta uma das razões pelas quais o processo é tão caro nesse país (pode atingir os 180 mil euros)..Eurico Reis sublinha que a gestação de substituição é constitucional, que o TC aprovou este método, o que falta é a regulamentação. "O que há a fazer é permitir que as pessoas exerçam esse direito, o que não está a acontecer". Recorda que, quando estava no CNPMA, havia 100 casais que pensavam recorrer a uma barriga de outra mulher. "São pelo menos 100 crianças que não nasceram e Portugal precisa de crianças".As francesas geradas nos EUA.Paula Martinho da Silva recorda dois casais residentes em França, onde não é permitida a gestação de substituição, que recorreram a uma agência nos Estados Unidos. Os Mennesson, que tiveram gémeos (Valentina e Fiorella) em 2000 e os Labassee, cuja filha, Juliette nasceu no mesmo país, em 2001..Fizeram-no usando material genético de ambos os membros do casal e, nos EUA, obtém-se uma licença judicial em nome dos pais comitentes (quem contrata a gestação), o que é uma grande vantagem..Os serviços de notariado franceses recusaram o registo das crianças por tal prática ser proibida em França e os pais apresentaram queixa no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem sede na cidade francesa de Estrasburgo. Deram razão aos pais..O Tribunal Europeu considerou que a recusa em registar as crianças vai contra a Convenção dos Direitos do Homem "proibir que se estabeleça uma ligação entre um pai e os seus filhos biológicos nascidos de uma gestação por outra pessoa no estrangeiro". Isto porque viola o artigo 8. º: "O direito ao respeito pela vida privada e familiar".