As famílias portuguesas gastaram, até setembro, 7981 milhões de euros nas compras no supermercado, o que representa um aumento de 7,7% face a igual período de 2021. No total, foram 567 milhões de euros a mais, com especial destaque para o crescimento de 10% nos artigos de mercearia, de 9% nos laticínios, 5% nos congelados e 14% nas bebidas não alcoólicas. Significativo é o crescimento das marcas da distribuição, que já valem quase 40%, o que significa que, em cada 10 artigos comprados, quatro são das chamadas "marcas brancas". Na alimentação esta quota aproxima-se já dos 50%..Para a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuição, os 7,7% de crescimento acumulado das vendas desde o início do ano são "enganadores", na medida em que "toda a cadeia de distribuição está contaminada pela inflação e pelo aumento dos fatores de produção". Garante Gonçalo Lobo Xavier, diretor-geral da APED, que se assiste já a "decréscimos assinaláveis" no consumo de bens de primeira necessidade de preço mais elevado, como o peixe ou a carne de vaca, que registam perdas de 10 a 15%, e a procura pelas promoções é crescente, ultrapassando já uma quota de 50%. "Há sinais claros de uma retração, com o consumidor a procurar artigos mais baratos e a saltar de cadeia em cadeia em buscar das promoções", frisa..As perspetivas não são as melhores. "O retalho alimentar é um negócio de volume e as margens médias continuam na ordem dos 2 a 3%, mas em alguns produtos há já margens próximas de 1% ou até 0% porque o crescimento dos custos é de tal ordem grande que, para não os passarem na totalidade ao consumidor, os retalhistas vão esmagando as suas margens", sublinha Gonçalo Lobo Xavier, para quem o crescimento da inflação em Portugal é inferior ao de outros países "precisamente por este esmagamento de margens"..No entanto, alerta, se a pressão sobre os custos se mantiver há um "risco grande" da escalada de preços se acentuar. "O consumidor quer ter os produtos na prateleira ao preço mais baixos e não tem a noção destas variáveis macroeconómicas. Mas é importante que perceba que se se mantiver esta pressão na cadeia de valor vamos ter tempos mais complicados ainda nos próximos meses porque a situação está a tornar-se insustentável", assegura. Outubro, novembro e dezembro são meses "muito importantes" para o setor. "Estamos a preparar-nos para um Natal de retração, mas estamos a procurar adaptar-nos para podermos, no retalho alimentar, ter uma recuperação de vendas, que não foram brilhantes este ano e este é um período extremamente importante. Esperemos que as ajudas do governo também tragam algum alento às pessoas e permitam que o último trimestre seja um bocadinho mais positivo do que os anteriores", sublinha Gonçalo Lobo Xavier..Importante a ter em conta é que os dados da Nielsen mostram que as vendas totais dos bens de grande consumo estavam em linha, ou mesmo abaixo, do período homólogo no arranque do ano, tendo disparado após a invasão da Ucrânia. Passaram de um aumento de 3,8% em março, para 10,4% em maio e 14,1% em agosto. Em setembro, o crescimento foi de 13,2%. "Já se começa a sentir o crescimento dos preços, mas que é, apesar de tudo, muito menor do que seria se as pessoas estivessem hoje a comprar exatamente o mesmo que compravam há um ano", refere o diretor-geral da Centromarca..Além de fazerem escolhas mais centradas no preço, a própria rotina dos consumidores está a mudar, indo mais vezes às compras, mas trazendo menos artigos, o que faz com que os hipermercados comecem a "perder um bocadinho de gás" e os supermercados mais pequenos a ganharem quota. Uma reação "natural", diz Pedro Pimentel, já que, se é para comprar poucas coisas, de modo a ter "menos tentações no ato de compra", o consumidor prefere a loja de proximidade..Mas é o crescimento de quase três pontos percentuais na quota de mercado das marcas de retalhistas, que estão a crescer ao triplo do ritmo das marcas de fabricantes (22,9% versus 7,8% em setembro), que mais preocupa a Centromarca. "O racional mais imediato é que, com menos dinheiro, as pessoas procuram produtos mais baratos e a verdade é que as "marcas brancas" o são, mas há também um efeito de prescrição claríssimo até da Deco e outras entidades dizendo que a atitude inteligente é comprar marca de distribuição, bem como o impacto crescente da concorrência entre cadeias que se tem vindo a fazer também muito através destas marcas", diz Pedro Pimentel..O cenário para as marcas de fabricantes é de "perda completa", já que nem o contexto económico nem a guerra entre cadeias ajuda. Mas, a prazo, são as próprias cadeias de retalho que poderão também a vir a sofrer com isso, alerta o responsável. "Era bom que as cadeias que percebem que as marcas de fabricantes são importantes no seu sortido também se afirmassem por essa diferenciação, de modo a que as marcas possam ser parte da solução e não do problema", refere Pedro Pimentel. Lembra que "o modelo de negócios das cadeias ditas mais convencionais se baseia no mix das marcas de fabricante, que geram uma rentabilidade muitíssimo maior para o retalhista do que as marcas próprias"..Ilídia Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo