Portugueses fazem mais exercício com aulas na internet e na TV. Mas o online não paga ordenados
Já lá vai um tempo desde que Sara Brito, de 40 anos, tinha começado a idealizar uma página online através da qual daria aulas de Zumba ou de Pilates - as suas modalidades de fitness prediletas - em vídeo. Mas a ideia foi ficando pelo caminho. Só quando ouviu pela primeira vez que o estado de emergência seria decretado é que a personal trainer (PT), à semelhança de muitos colegas com os quais partilha a profissão, trocou as salas de treino do ginásio pelas aulas em direto nas redes sociais. Não só por necessidade, mas principalmente por obrigação: com o decreto que parou grande parte dos estabelecimentos públicos e privados em Portugal, os ginásios incluídos, estes profissionais ficaram sem emprego. E apesar do "número crescente" de adeptos da atividade física, em tempos de isolamento, "é importante lembrar que a internet não paga ordenados", alerta Sara.
"Estamos mais parados do que nunca", isso é certo, diz. E, "num momento em que a saúde está cima de tudo", é hora de olhar para os "benefícios fisiológicos e emocionais do exercício físico e procurar fazê-lo". Não por acaso, lembra, a Organização Mundial da Saúde recomenda 30 minutos diários de atividade física. E a população, de forma geral, parece estar a responder ao desafio.
Na opinião de Sara Brito, "o online veio mostrar-nos outra realidade, que pode ser uma vantagem para aquelas pessoas que tinham muito pouco tempo, que não podiam levantar-se mais cedo ou demorar mais a chegar a casa para ir ao ginásio". Acontece "sobretudo com as pessoas que gostam de atividade física", mas não só. "Tive várias pessoas a comentar comigo que estavam há imenso tempo para se inscrever nos ginásios e agora começaram a fazer exercício através dos meus vídeos", relata.
Ainda sem um calendário de aulas definido, "porque tudo isto aconteceu muito rapidamente", Sara tem procurado nesta fase uma oportunidade de "dar aulas com que [se] identifique mais", "tudo o que tenha que ver com dança (como Zumba) e Pilates". Ainda é tudo uma experiência nova, mas a personal trainer já sabe qual o horário de mais afluência (19.00/19.30, mesmo ao fim de semana), que lhe servirá de base para o calendário de aulas que está finalmente a preparar. Quase todos os dias, partilha o anúncio de uma aula a uma determinada hora, esperando depois ter público na hora de exercitar, em direto pela sua conta de Instagram. Ainda que não saiba "exatamente se todos os que estão a ver o direto estão a fazer os exercícios", garante ter "sempre à volta de 200 pessoas nas aulas". Um máximo histórico de audiência para as suas aulas, impossível de alcançar numa sala de ginásio.
Mas quem sai a ganhar são "só os clientes", acrescenta. "Só é bom para eles. São os mais privilegiados no meio disto tudo, porque passam a ter-nos à distância de um clique. Já nós próprios temos de passar a trabalhar de outra forma. O online vai passar a ser o nosso trabalho. Até agora, já tem sido uma batalha", desabafa.
Nos tradicionais ginásios, desde que se viram obrigados a fechar, como medida preventiva contra o covid-19, "o impacto tem sido enorme". "Apesar de os clubes de fitness estarem todos a fazer a entrega de serviços no online e a tentar continuar estar em contacto com os seus clientes, há muitos que desistem de pagar a mensalidade", diz o presidente da Associação de Empresas de Ginásios e Academias de Portugal (AGAP). A maioria, esclarece José Carlos Reis, "está a cobrar uma taxa de manutenção de mensalidade", que "na maior parte dos casos é de 50%", e "a grande surpresa é que tem estado a ser muito bem aceite por muitos dos seus clientes".
A única opção das cadeias de ginásio e dos seus personal trainers foi renderem-se à internet. Até porque o regresso às salas de treino físicas pode ainda demorar. "Se fizermos a comparação com a China, onde os ginásios estão a começar a abrir agora, e nós nem chegámos ao nosso pico [da evolução da doença em Portugal], sabemos que ainda vai demorar bastante até que reabram. E temos de nos adaptar", desabafa a instrutora Sara Brito.
A primeira rede de ginásios a optar pelo encerramento das instalações, dias antes de declarado o estado de emergência nacional, foi a SC Fitness, detentora de marcas como Solinca, Pump e One. Além de comunicar "a decisão de suspender a cobrança das mensalidades devidas durante este período", os vários ginásios anunciaram também "a disponibilização de conteúdos em vídeo e artigos nas redes sociais dos ginásios Pump, Solinca e One, sendo alguns conteúdos também oferecidos nos websites". Todos os dias, contam com uma equipa de "mais de 200 profissionais" focados no desenvolvimento de aulas e outros desafios físicos. Os serviços de personal trainer também se mantêm ativos. Mas, especialmente para estes profissionais, o futuro é incerto.
A instrutora Sara Brito começou mesmo por garantir que o online servia os alunos a quem prestava serviço personalizado pago. Mas o esforço foi maior do que o esperado: estou a conseguir chegar a alguns e, mesmo assim, tive de adaptar os preços (baixar)", conta. De muitos outros, "nem sequer houve uma resposta", uma parte significativa optou mesmo por desistir do treino personalizado para passar a seguir apenas as suas aulas online e gratuitas. "Como está acessível a todos e sem pagar...", diz.
Feitas as contas, entre os 75 personal trainers que integram a sua cadeia de ginásios, "só houve uma colega que conseguiu passar 80% dos treinos para o online". E, para agravar os desafios que se impõem a esta classe trabalhadora, "a competição agora é muito maior", acrescenta Sara. Enquanto se procurava um instrutor perto da zona de residência, agora é possível escolher um qualquer de qualquer parte do país ou do mundo, visto estarem todos à distância de um pequeno clique. "As pessoas vão chegar até nós por se identificarem mais connosco do que com outros ou através do passa-a-palavra. Quem conseguir ter mais visibilidade nas redes, ganha." Já não são só os exercícios, é a comunicação online que conta.
O espaço, apesar de vasto, parece pouco para "tantos" que procuram ser bem-sucedidos. "Mesmo que eu quisesse passar a ter todas as minhas aulas pagas, para me sustentar, não me valeria de nada, porque [os clientes] podem encontrar aulas [da mesma modalidade] gratuitas num qualquer outro sítio", remata.
Não só de perdas se tem feito o caminho do tradicional negócio de ginásios. Alguns deles associaram-se ao primeiro ginásio online em Portugal, 100% virtual. Todos os meses, disponibiliza "250 novas aulas das mais variadas modalidades de fitness e uma série de outros conteúdos", acessíveis através de qualquer dispositivo, pode ler-se no comunicado enviado às redações.
O acesso ao conteúdo do site só será gratuito até ao dia 5 de abril. Após este período, "as aulas poderão ser adquiridas avulso, a partir de três euros por aula, ou em packs de seis ou 15 aulas". Contudo, o pagamento de todos os serviços disponibilizados pelo ginásio são integralmente gratuitos para "todos os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e auxiliares) que se encontrem ao serviços de todos os portugueses".
Também a empresa Decathlon decidiu criar uma plataforma através da qual reúne "profissionais do desporto e da saúde" para servir "as mais variadas modalidade de fitness em grupo" e de forma "totalmente gratuita". Para quem tiver acesso à Sport TV através da sua televisão, o canal também lançou uma rubrica de treinos em casa, com a orientação de um instrutor.
Há ainda autarquias que têm procurado manter os seus cidadãos ativos. É o caso de Alcácer do Sal, que a partir desta quinta-feira vai transmitir aulas de ginástica para miúdos e graúdos, através da sua página de Facebook. "Esta é uma forma segura e intuitiva de incentivar hábitos de vida saudáveis a todas as faixas etárias da população, mesmo tendo em conta a atual situação de isolamento que atravessamos", escreve a câmara municipal.