Portuguesas fazem descoberta em chimpanzés

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Quantas pedras utiliza um chimpanzé para partir nozes? Não, esta não é uma pergunta de algibeira, e um grupo de investigadoras portuguesas acaba de fazer uma descoberta que permite dar uma resposta surpreendente à questão: há chimpanzés na região de Bossou, na Guiné-Conakry, que utilizam quatro pedras para fazer o seu quebra-nozes. Um recorde que faz desta a ferramenta de pedra mais complexa usada por estes primatas até hoje observada.

A descoberta, que tem implicações na forma como estes primatas podem dar novas pistas sobre os primeiros hominídeos utilizadores de ferramentas, há cerca de 2,6 milhões de anos, foi publicada online pelas investigadoras Susana Carvalho, Cláudia Sousa e Eugénia Cunha no Journal of Human Evolution e sairá no próximo número impresso da mesma publicação.

Os quatro elementos de pedra - até agora só tinham sido observados chimpanzés utilizando quebra-nozes com três componentes - incluem um martelo, uma bigorna e dois calços, de acordo com Susana Carvalho, que fez a observação durante o trabalho de campo entre Janeiro e Maio de 2006.

"Estive no local certo à hora certa", contou a jovem investigadora ao DN, notando que a observação do uso desta ferramenta mais complexa, não sendo ainda sistemática, "demonstra que os chimpanzés são capazes de complexificar o seu comportamento e as suas tecnologias e de, perante um problema, encontrar uma solução".

Bigorna, martelo e calços

O nut-cracking, ou partir nozes, em chimpanzés (de nome científico Pan Troglodytes) é estudado há muito naquela zona da Guiné e também noutros pontos de África. Isso permitiu verificar algo curioso: é só em Bossou que estes primatas utilizam por sistema pedras móveis como quebra-nozes. Ou seja, as pedras que fazem de bigorna não são afloramentos rochosos fixos, e essa particularidade permite a hipótese de desenvolvimento e complexificação da tecnologia a qualquer momento, nestes animais.

Foi isso que levou Susana Carvalho a Bossou, para tentar apanhar esse momento em directo, e a sorte acabou por estar do seu lado.

As novidades do trabalho das investigadoras portuguesas não ficam no entanto por aqui. As observações no terreno mostram também que estes chimpanzés escolhem, utilizam e reutilizam as mesmas pedras durante longos períodos, enquanto elas se mostram eficientes, e só as abandonam quando elas já não servem.

Além disso, cada pedra é escolhida por estes primatas para uma função específica - bigorna, martelo ou calço (para estabilizar a bigorna) - consoante o seu formato e a sua dimensão. E o mais interessante é que os animais transportam consigo as pedras nas duas deslocações.

Isto indica "que poderá existir um sentimento de posse de certos indivíduos por certas ferramentas e que os chimpanzés terão a capacidade de perceber a qualidade e eficiência das ferramentas, reutilizando e transportando as que funcionam mais eficientemente", adianta Susana Carvalho.

Arqueóloga de formação e fascinada pelo estudo dos primatas não-humanos, Susana Carvalho fez o mestrado em Evolução Humana e foi aí que decidiu cruzar as duas áreas, ao estudar o uso de ferramentas pelos chimpanzés. Bossou, pelas particularidades de utilização das pedras por parte dos chimpanzés locais, revelou-se o sítio certo para o trabalho.

Para esta investigadora, que está agora a fazer o doutoramento na Universidade de Cambridge nesta mesma área, no Reino Unido, esta abordagem acabou por dar os frutos certos.

"O nosso estudo veio confirmar que as semelhanças entre as indústrias de percussão nos chimpanzés e nos primeiros hominídeos são muitas e cada vez mais", explicou Susana Carvalho ao DN, sublinhando que "esta é a conclusão mais importante e genérica" deste estudo.

Dado que os chimpanzés são os nossos parentes mais próximos, e "sabendo que partilhámos um ancestral comum, é legítimo pressupor que alguns dos comportamentos que observamos hoje em habitat natural nesta espécie de primatas possam de alguma forma corresponder ao que poderia ocorrer em algumas populações dos primeiros hominídeos utilizadores de ferramentas há 2,6 milhões de anos". |

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