Portugal: um país de corredores mas sem sucesso na corrida

Presidente da Federação, Jorge Vieira, estima que haja em Portugal um milhão de <em>runners</em>, mas considera que não existe relação direta entre quantidade e qualidade
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Terminados os Campeonatos do Mundo de atletismo, em Londres, o saldo português traduziu-se em duas medalhas: uma de ouro, conquistada por Inês Henriques nos 50 quilómetros marcha, e uma de bronze, alcançada por Nelson Évora no triplo salto. Mais uma vez, as disciplinas de corrida ficaram sem contribuir para o medalheiro de um país que cada vez tem mais praticantes de corrida. Várias estimativas apontam para a existência de um milhão de corredores informais, os chamados runners.

Há quem diga que a qualidade tem origem na quantidade, mas esse chavão não se aplica neste caso, pelo menos diretamente. "A relação entre a base e o topo da pirâmide funciona numa direção: de cima para baixo. São os bons resultados dos nossos atletas que têm contribuído para o aumento da quantidade. De baixo para cima, a relação não existe", afirmou ao DN o presidente da Federação Portuguesa de Atletismo (FPA), Jorge Vieira. O dirigente explica que "o movimento do running manifesta-se em idades mais avançadas e o que é necessário é captar jovens, identificar talentos e dar-lhes um processo de treino especializado, virado para o alto rendimento". "O running é a base social da modalidade, e isso pode vir a ser importante, pois podem estar mais sensíveis para tornarem os filhos praticantes. Mas para talentos se transformarem em campeões são necessárias dinâmicas muito próprias", considerou.

Jorge Vieira afasta assim a possibilidade de um runner se tornar um atleta de topo, que lute por títulos nacionais. "Não conheço nenhum caso de excelência. Mas o que vejo são runners com 30 ou 40 anos que podem ter sido talentos não detetados. O running é um fenómeno que se verifica em pessoas com 30 anos ou mais, e essas são as idades em que um atleta termina a corrida de excelência", acrescentou, rejeitando a ideia de uma moda passageira. "É algo que já está a acontecer há alguns anos, não é recente. A corrida tem uma tradição grande em Portugal, desde o ouro de Carlos Lopes na maratona dos Jogos Olímpicos de 1984 (Los Angeles) e o de Rosa Mota quatro anos depois, em Seul. Não há dúvidas de que nos últimos anos houve um acréscimo de pessoas a correr. Dizem que é da crise, por ser uma modalidade acessível e que já vem a acontecer noutros países. É um movimento que tem vindo a crescer ao longo das décadas, não é uma moda", vincou o líder federativo, ao nosso jornal.

Quinze mil federados

Jorge Vieira considera que o running é um fenómeno que tem "acontecido de forma muito espontânea", ainda que frisando o papel dos promotores privados nesta prática desportiva. "A FPA quer estar neste processo. Todas as provas têm de ser homologadas por nós, mas estamos a preparar mecanismos para integrar esse processo, para o coordenar e assegurar que há qualidade nos eventos, para não se vender gato por lebre", algo que poderia "comprometer este movimento".

A FPA tem "mais de quinze mil atletas federados e 500 clubes inscritos", mas o que o líder federativo gostava era que o estimado milhão de praticantes de running se filiassem, até porque a entidade não está virada apenas para a alta competição. "É um mito que só nos preocupemos com os profissionais. É errado. Homens, mulheres, crianças, pessoas com deficiência... se filiarmos todas estas pessoas, provamos que somos a modalidade que tem mais praticantes", afirmou.

Centenas no Correr Lisboa

Como diz Jorge Vieira, o running é a base social do atletismo, e por isso tem motivado a criação de muitos grupos de corrida pelo país, grande parte de origem espontânea. Pela capital, o Correr Lisboa é um dos mais frequentados. "O Correr Lisboa nasceu para ser uma aplicação para telemóvel, chamada Encontrar Um Amigo para Correr, em abril de 2013. A partir daí, os treinos tornaram-se regulares. Hoje, é uma comunidade, que funciona como uma empresa, com quatro a cinco treinos semanais - no Parque Eduardo VII (segundas-feiras), Cidade Universitária (terças), Pista Prof. Moniz Pereira e Odivelas (quartas) e Parque das Nações (quintas) -, treinadores e pessoas que se juntam", contou ao DN o líder do projeto, Bruno Claro.

"O nosso primeiro treino foi em junho de 2013, teve 30 pessoas, e decidiu-se continuar. O número tem crescido ao longo dos anos, o que é de salientar porque há grupos que têm vindo a desaparecer e o Correr Lisboa tem crescido", afirmou o responsável, revelando que o movimento "envolve custos", mas que conta com o apoio de "vários patrocinadores" e das câmaras municipais de Lisboa e Odivelas.

Embora a comunidade envolva pessoas "dos 8 aos 80" anos, a média de idades ronda os "30 a 40", com homens e mulheres representados em número semelhante. "Grande parte das pessoas começaram a correr no Correr Lisboa. Há muitos iniciantes, a dar os primeiros passos. O target depende dos sítios: na Cidade Universitária aparecem muitos jovens e nos outros locais predominam as famílias", revelou Bruno Claro, que partilha da opinião do presidente da FPA no que concerne ao contributo do running para o atletismo de alta competição: "O running é pôr as pessoas a mexer e acredito que promover a corrida pode ajudar pessoas a sair de casa e a influenciar os filhos."

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