Toda a família em redor de um rádio. O relato de futebol ouvido no transístor. A informação do trânsito e às meias horas escutada no carro. Estes cenários, mais antigos ou contemporâneos, são-lhe familiares? Claro que sim. Na Noruega também eram. Mas já não são. Aquele país nórdico tornou-se o primeiro do mundo a acabar com a rádio FM. Agora, é tudo digital, embora a medida esteja longe de ser consensual..A Associação de Rádio Norueguesa assegura que o país "não está preparado para isto", e que "há milhões de noruegueses que só conseguem ouvir rádio FM nas suas casas". Opinião contrária tem o governo, que se diz "confortável" com a decisão e acredita que o país "está preparado para o futuro digital"..O desligamento analógico tornou inutilizáveis mais de 20 milhões de recetores analógicos instalados em cerca de 2,3 milhões de automóveis. Para converter esses aparelhos para a tecnologia DAB (Digital Audio Broadcasting), cada proprietário terá de desembolsar entre 100 e 200 euros. Apesar das críticas, o DAB não é absolutamente novo no Noruega. Desde 1995 que os dois sistemas, analógico e digital, coexistem pacificamente..E se Portugal acabasse com o FM? O que aconteceria? Para o presidente da Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR), "seria a ruína do setor". José Faustino acha que isso "não será possível nos próximos dez anos". "Se as rádios locais mal têm dinheiro para sobreviver, como é que conseguiriam investir o que é necessário para adquirir equipamentos digitais?", questiona..O diretor técnico da TSF partilha a visão negra do cenário: "Provavelmente "seria o fim da rádio". "Não temos condições para fazer uma transição dessas", explica ao DN Alberto Santos, que considera, contudo, que a migração do analógico para o digital na rádio não passa pelo DAB, que "está moribundo". "Aliás, essa experiência já se viveu em Portugal e com os resultados que se sabem.".A experiência começou em 1998 conduzida pela RDP, que montou uma rede de emissores DAB, que estreou durante a Expo"98. O sonho terminou em 2011. Confrontada com a necessidade de redução de custos, a administração da RTP, então liderada por Guilherme Costa, optou por desligar o sistema DAB invocando os elevados custos de manutenção e a pouca aceitação que o sistema teve junto dos portugueses.."Os portugueses têm medo do sucesso e da inovação, sobretudo quando ela é de grande escala", diz Francisco Mascarenhas, à época diretor técnico da RDP, para quem "em Portugal não existe uma cultura de risco", diz este engenheiro técnico, reformado da RDP desde 2009..Apesar da tentativa falhada, o antigo diretor técnico da RDP acredita que "é difícil encontrar uma alternativa ao DAB". O atual homólogo da TSF, contudo, aponta outro caminho. "O caminho é ouvir rádio na internet. Basta um telemóvel para emparelhar no carro, via Bluetooth, e eu sou capaz de ir a ouvir a mesma rádio local, e com qualidade digital, em todo o país", explica..Alberto Santos lembra que "a rádio é por definição o meio mais democrático de todos, porque tem o acesso mais fácil e disponível a todas as bolsas". Ora, insistir na tecnologia DAB, na opinião deste profissional, iria desvirtuar esta realidade, porque "seria necessário adaptar os atuais aparelhos de transmissão para a nova tecnologia"..O diretor técnico da TSF enfatiza, porém, a necessidade da "criação de um regime de exceção para as rádios nacionais no caso do tráfego de downloads". E exemplifica: "A Meo, por exemplo, vende os seus equipamentos já com o Meo Music, um serviço de música que pode estar 24 horas ligado que não gasta tráfego. Ora, se eu ouvir rádio no meu telemóvel, estou a consumir tráfego do meu plano de dados contratado. Num cenário de digitalização da rádio para a internet, os operadores tinham de disponibilizar um regime de exceção idêntico para as rádios nacionais. Só assim seria possível manter a rádio um meio democrático", reitera..Para o responsável pela área de radiodifusão da Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom), o que está a emperrar a migração da rádio para o digital em Portugal "é a ausência de perceção de ganhos reais, quer para os operadores quer para os ouvintes". "Nos dias de hoje, as pessoas ouvem rádio maioritariamente nos carros e a qualidade do FM é tida como boa. Tem de haver algo mais para que uma transmissão rádio digital seja entendida como fundamental", explica ao DN Miguel Henriques..O presidente da APR afina pelo mesmo diapasão. "Sejamos francos: para quem ouve rádio no dia--a-dia, a melhoria não é assim tão significativa", diz ao DN. José Faustino acrescenta que "não é só em Portugal que o DAB está morto. Também não evoluiu noutros países, só agora é que ressuscitou na Noruega". O dirigente da APR, associação que congrega cerca de 180 emissoras nacionais e locais, acredita que "se se fizer uma sondagem, nenhum português sabe o que é a tecnologia DAB"..O responsável da Anacom partilha da ideia. Miguel Henriques admite que a Anacom, enquanto entidade gestora do espaço radioelétrico, "tem várias redes de DAB planeadas". O problema, aponta, "é que essas redes não têm capacidade para albergar todas as rádios que emitem atualmente em FM". Por isso, defende, um dos caminhos possíveis para migrar a rádio para o digital seria fazer emitir as rádios nacionais e regionais em DAB e as rádios locais no sistema alternativo DRM + (Digital Rádio Mondiale). "Em qualquer dos casos, os rádios que vêm nos automóveis tinham de ter este tipo de recetores", algo que, sustenta, "não seria caro para a indústria automóvel".