Portugal sem-abrigo
Depois do golpe publicitário dos bilhetes de comboio até Macedo de Cavaleiros e das pernoitas nas pousadas para estancar a fuga de cérebros e o êxodo de jovens, o prestidigitador António Costa vende agora banha da cobra para resolver o problema da habitação. Com hordas de adultos com menos de 30 anos que, mesmo tendo emprego (e até emprego qualificado ou dois empregos ), não consegue comprar casa e mete no prego a sua autonomia , a natalidade e o futuro do país; com as hemorragias de despejos (aumentaram mais de 22% no primeiro semestre), do que o PM se lembra é de mais uma patranha. Ei-la: durante dois anos, um cliente de um banco com uma taxa de 5% poderá pagar prestações a uma taxa de 3,5%. Mas será o devedor a pagar depois o que agora lhe é aliviado nas prestações - tal montante será acumulado no valor em dívida. À taxa de 5%. Não mora aqui nenhum apoio. Apenas alívios momentâneos pagos com língua de palmo.
Ou seja, isto nem sequer é empurrar com a barriga. Isto é gerar dois problemas para fingir que se resolve um. Pior - as consequências desta medida serão igualmente desastrosas para a economia portuguesa. Daqui a dois anos, o devedor estará a deixar sangue, suor e lágrimas para pagar o que agora lhe foi "aliviado", atrasando a economia.
Tudo o resto é propaganda. Muitos "órgãos de comunicação social" designam esta balela de apoio do governo ou redução de juros. Ignorantes ou subornados?!
Mais: como é evidente, isto nem sequer abrange os mais desfavorecidos que, claro, não têm créditos à habitação. Mas também não beneficiam de habitação social.
Entretanto, os despejos vão ter procedimentos mais simples e mais rápidos, Lisboa continua a ser a cidade mais cara da Europa para arrendar casa, a precariedade, os salários unhas de fome e um dos parques de habitação pública mais curtos no contexto europeu (apenas 2% do total de alojamentos) vieram para ficar. Quem também não arreda pé são os especuladores que olham para as casas como meros activos financeiros.
É em nome deles que António Costa insiste na governação como simples gestão quotidiana e despótica. Mandatado e agente desses tais poderes fácticos, representante dessa micro-minoria e não da imensa maioria de gente comum, cospe executivos sem qualquer verve reformista, rasgo ou visão. Criar um ministério da Habitação foi só olho gordo, como agora se confirma. E se acham o despótico demais, reparem: o programa Mais Habitação vetado pelo Presidente da República por ser considerado, por este, como manifestamente insuficiente para responder à actual crise, foi discutido outra vez na Assembleia da República. Não esteve presente qualquer membro do Governo - nem sequer a ministra da Habitação - e as dezenas e dezenas de propostas que a oposição apresentou foram liminarmente chumbadas pela maioria absoluta. O dito projecto segue, assim, de novo para o PR, inalterado.
Ou seja, António Costa não quer nem nunca quis resolver o problema da habitação, embora esteja ao seu alcance fazê-lo. Os portugueses que ficam na rua, sem tecto, a ter que viver em parques de campismo ou em autocaravanas parqueadas perto das escolas dos filhos, em casa dos pais idosos, em apartamentos sobrelotados quase em regime de cama quente, são algo que não o preocupa.
Talvez até lhe agrade. Portugal sem-abrigo.
Psicóloga clínica. Escreve de acordo com a antiga ortografia