Portugal no futuro: Um programa cautelar

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O Expresso de há semanas titulava "Goldman Sachs aposta em Portugal", na sequência de uma entrevista concedida por um partner português, mais um, sublinhando este que "há oportunidades muito interessantes em Portugal". Ora sabendo que este tipo de entidades se comportam como verdadeiros "assassinos económicos", como nos ensina a história recente, nomeadamente em relação a swaps e PPP, esta referência não pode deixar de constituir um alerta importante; tudo indica que Portugal vai deixar o Programa de Resgate a partir de maio e que há muita gente interessada em que o País o faça sem se proteger com o chamado "Programa Cautelar".

De 2014 até 2020, Portugal vai ter um programa de ajudas comunitárias que no seu total rondam os 25 mil milhões de euros para reforçar a competitividade das empresas e requalificar o emprego. Adicionalmente, o Governo, depois de um muito demorado estudo, elegeu um conjunto de Obras Públicas, rondando os cinco mil milhões de euros, a levar a cabo no mesmo período de tempo. As ajudas comunitárias terão um impacto decisivo na vida das empresas, propiciando o aparecimento de outras com melhores capacidades competitivas, mas não serão suficientes para dotar a economia de condições para crescer ao ritmo que precisamos, nomeadamente crescer a valores superiores a 3%. Por outro lado, o programa de infraestruturas de menos de um milhar de milhões de euros por ano é também insuficiente para transformar o País e tirar partido das potencialidades que a sua posição geográfica e o mar lhe conferem. O Governo apesenta uma intenção de política que, para além de quantitativamente insuficiente, vem com um atraso de dois anos; toda a gente sabia que uma travagem tão brusca no setor da construção levaria a uma derrapagem brutal na economia e à inevitável hecatombe no emprego, o que recomendava um programa de emergência ancorado estrategicamente nos programas de investimento europeus existentes. Neste particular, é exemplo a Espanha, que já construiu cerca de 4000 km de rede ferroviária em bitola europeia, enquanto Portugal só agora manifesta intenção de começar umas centenas de quilómetros.

Portugal é diferente da Grécia, mas também o é da Irlanda; falamos de países periféricos com economias muito diferenciadas nas vantagens e nas fraquezas competitivas. O País perdeu uma fração muito significativa da sua população ativa e, ainda que reforce a sua capacidade exportadora, não tem capacidade para crescer e enfrentar com sucesso o serviço da dívida nacional.

Portugal precisa de repensar o seu papel no quadro europeu, não pode deixar de considerar um conjunto de políticas que aprofundem a integração ibérica, nomeadamente ao nível dos transportes. O País enferma ainda hoje de políticas de desenvolvimento restritas; os nossos portos servem para receber e exportar mercadorias nacionais em vez de constituírem placas logísticas de âmbito internacional e transformarem-se em portos europeus. Portugal e Espanha, com o aprofundamento das relações comerciais entre a Europa e a América e com a nova ligação do Pacífico ao Atlântico, deixam de ser países periféricos para passarem a ser países centrais e onde, em particular, a frente atlântica portuguesa pode assumir papel de maior relevo, potenciado pelas duas redes transeuropeias, a atlântica e a mediterrânica.

O Programa Cautelar terá inevitavelmente de existir, pois a necessidade de um novo resgate estará sempre presente no nosso dia-a-dia, e deverá ser acompanhado de medidas que permitam reestruturar a dívida, nomeadamente assegurando prazos dilatados para a sua maturidade e juros que não podem exceder o nível de juros correntes na União Europeia. A redução de valores de taxa de juros de cerca de 5% para menos de 3%, valor corrente antes da crise, permite poupanças anuais no serviço da dívida da ordem de cinco mil milhões de euros, as quais são essenciais para pôr de pé um plano de infraestruturas portuárias e ferroviárias que transforme Portugal numa placa logística estratégica para a Europa.

Com a recente emissão de dívida pública foi possível dilatar prazos e criar margem para o respetivo serviço, mas ao assumir juros que são quase o dobro dos da dívida substituída ou a substituir, o impacto na economia acaba por ser correspondente ao de uma dívida também em dobro. O Governo tem sido submisso com as instâncias internacionais, pois se o País conduziu políticas económicas erradas no passado recente, também é certo que os grandes beneficiados do endividamento português não têm tido com Portugal, apesar dos extremos sacrifícios entretanto suportados, a mesma atitude que têm tido com a Grécia, como parece evidente com a disponibilidade que, apesar do que já foi feito em relação à redução da dívida, tem o ministro das Finanças alemão para encarar uma nova ajuda no valor de 20 mil milhões de euros a esta economia, o que autoriza o nosso país a reivindicar para si um programa complementar de ajuda eficaz.

Portugal no Futuro é o tema principal das minhas reflexões e a minha angústia; o sucesso das exportações não atingirá a grandeza que a recuperação do País exige por falta de ambição e de capacidade dos nossos decisores políticos. Se outras razões não houvesse para a necessidade de Portugal se precaver em maio com um Programa Cautelar, bastaria apenas pensar que metade das atuais exportações se dirige para países com grande risco político e económico. Acresce que para o nível de endividamento que temos, só com crescimentos da ordem de 3% e taxas de juro inferiores a 3% será possível, em vinte anos, recuperar as Finanças Públicas.

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