Como surgiu esta oportunidade de ser cônsul-geral de Portugal em São Francisco? Este ano estava de saída de Bruxelas e surgiu a hipótese de ser colocado em São Francisco no movimento diplomático..Regressar era uma ideia que tinha, depois do trabalho nas Nações Unidas? Adorei Nova Iorque. Bruxelas foi onde mais aprendi, mas Nova Iorque foi onde me formei como diplomata, mais me diverti e me senti peixe na água. As Nações Unidas são uma volta ao mundo num quarteirão, e nas ruas de Nova Iorque há um nível de energia que quase parece um aeroporto. Toda a gente está com um objetivo e até os turistas têm pressa. Há a sensação de que a qualquer momento está para acontecer alguma coisa e uma pessoa quer fazer parte daquela serendipity. Já tinha vivido em Washington, D.C., onde estudei na Johns Hopkins e trabalhei no Banco Mundial. Gosto muito deste país, por isso, apesar de nesta carreira não dar para fazer planos muito definidos, tinha a expectativa de haver uma terceira vez, e desde a adolescência que tinha o sonho de viver na Califórnia, que para mim é o segundo melhor sítio do mundo, a seguir a Portugal. Ser cônsul-geral em São Francisco, além da realização pessoal, é sobretudo um desafio profissional muito estimulante. Conjuga a gestão de uma enorme jurisdição consular com um potencial económico singular. É na Bay Area e em Sillicon Valley que se escreve o futuro económico e tecnológico, e a Califórnia e a costa oeste ainda vão muito além disso..O que traz da experiência internacional que teve ao longo da carreira? Entusiasmo. Em mais de 20 anos tive o privilégio de trabalhar e aprender com ótimos chefes, como os embaixadores António Monteiro, Moraes Cabral e Nuno Brito. E a sorte de integrar equipas em desafios marcantes, como o mandato no Conselho de Segurança das Nações Unidas, a campanha de António Guterres a secretário-geral das Nações Unidas, e a recente presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Se sintetizasse numa expressão o que aprendi seria a importância da relação humana. Procurarei dar continuidade ao trabalho dos meus antecessores desenvolvendo o mais possível uma relação de proximidade com a comunidade. É para os servir que está cá o consulado. Foi com este propósito que visitei as áreas de maior concentração de portugueses, de São José a San Diego, e do vale central a Artesia, no primeiro mês. Por mais que uma pessoa leia e se prepare, nada como o contacto direto e ouvir in loco as pessoas para perceber a realidade..Como estão a resolver os problemas que se agravaram na pandemia, com a comunidade luso-americana a queixar-se de não conseguir contactar o consulado nem fazer marcações? A pandemia teve um impacto generalizado na sociedade e o consulado não foi exceção. A minha chegada coincidiu com a melhoria de condições da pandemia e isso permitiu que logo nos primeiros dias tomássemos uma série de medidas para aumentar a capacidade de resposta, incluindo a duplicação do número de marcações diárias, um mecanismo de reconfirmação de marcações para evitar faltas de comparência, e o aumento das visitas consulares, em que funcionários do consulado vão a cidades com grande concentração de portugueses, como São José, Turlock, Tulare, Artesia/Los Angeles e San Diego, e aí os atendem, evitando que as pessoas tenham que se deslocar a São Francisco. Procuramos também resolver o maior número possível de questões por telefone e com o envio de documentos pelo correio, para concentrar as marcações naquilo que é imprescindível. Com estas medidas, reforçámos muito a capacidade de resposta do consulado, como é notório nos números e nos ecos que recebemos da comunidade. Tenho uma equipa excecional. São cinco funcionários e dois estagiários que dão o seu melhor e servem um universo que se estima serem 350 mil portugueses na Califórnia, além do interesse crescente dos californianos em Portugal, que também tem reflexo no volume de trabalho. Fazemos o melhor que podemos com os recursos que temos..Com um consulado que representa Portugal em 13 estados, que outras medidas podem aproximar os serviços consulares da comunidade? É uma jurisdição muito vasta que exige alguma ginástica, e também procuramos usar as redes sociais para ultrapassar a distância. Embora a Califórnia seja o grande foco do nosso trabalho, pretendo visitar os outros 12 estados e conhecer pessoalmente a presença portuguesa em cada um e explorar oportunidades que possam existir para Portugal. No próximo semestre teremos a primeira visita consular ao Arizona e ao Havai, onde temos uma vasta comunidade lusodescendente e um legado cultural impressionante. Em termos económicos, os estados de Oregon e Washington são cada vez mais relevantes e merecem a nossa atenção..Sente que pode haver um estreitar das relações entre Portugal e a Califórnia? Está a acontecer. Não há dia em que um californiano não me diga que visitou há pouco ou quer visitar em breve Portugal, está a pensar investir ou até ir viver para o nosso país. No plano institucional, colaborámos com a Fundação da Califórnia para o Ambiente e Energia na organização de uma visita de legisladores estaduais a Portugal, focada nas energias renováveis e na saúde pública. O voo direto da TAP Lisboa-São Francisco encurtou a distância e está a fazer a diferença. Portugal e a Califórnia têm imenso em comum. A qualidade de vida, a paisagem, o clima, o mar, a agricultura, o multiculturalismo, e cada vez mais a vanguarda tecnológica, como demonstra a Web Summit em Lisboa. Tudo isto torna Portugal muito atrativo para os californianos, com a vantagem de ter um custo de vida mais acessível e potencial por explorar. Como escreveu o Jonathan Littman, "The new California dream is in Portugal". Temos que aproveitar isto para elevar a dimensão económica e cultural de Portugal. Para isso, apresentamos Portugal como a "Costa Oeste da Europa" e, numa alusão à semelhança da ponte de São Francisco com a de Lisboa, procuramos que o consulado seja cada vez mais a ponte entre as costas oeste dos Estados Unidos e da Europa..Em que áreas há maior potencial para essa aproximação? Da biotecnologia ao vinho, passando pelo surf, há uma vastidão de áreas. A distância é uma realidade a ter em conta, mas, repito, o voo direto da TAP encurtou-a. A Califórnia por si só é a 5.ª economia mundial. É aqui que reside grande fatia do capital de risco no mundo e é aqui que se escreve o futuro. Participei há semanas num webinar sobre oportunidades na Califórnia organizado pela AICEP, que aqui está a fazer um excelente trabalho através da Teresa Fernandes, com quem trabalho de forma integrada, e fiquei muito satisfeito com o número e a diversidade de empresários portugueses interessados neste mercado. Como disse na altura, este não é um mercado fácil em que se ponha o pé na água para sentir a temperatura. Exige aposta bem estruturada e consciência de risco. Mas o enorme poder de compra que aqui existe e a tendência para a Califórnia definir padrões que depois o resto do mundo segue significa que ter sucesso aqui eleva uma empresa a outro patamar..Antes da pandemia, falou-se numa rota LA-Lisboa. Mais voos entre Califórnia e Portugal podem ser decisivos para o estreitamento que refere? Sem dúvida. O voo São Francisco-Lisboa demonstra-o. Mesmo apesar da condicionante da pandemia no último ano e meio, foi fundamental para pôr Portugal no mapa dos californianos. Muitos dizem-me que tinham ouvido falar muito bem de Portugal mas só com o voo direto é que foram ou consideram ir a Portugal. Não é demais dizer, ligações diretas entre Portugal e a Califórnia são mais valias estratégicas para efetivar o potencial que a relação com a Califórnia pode ter para Portugal. Com os voos vêm pessoas, oportunidades, ideias, negócios. Vai muito além do turismo, que em si mesmo é importantíssimo. E os californianos são turistas com um perfil muito interessante para Portugal. Seria ótimo termos um voo direto Los Angeles-Lisboa e as indicações que recebo de californianos é que suscitaria muita procura..Como caracteriza a comunidade luso-americana da Califórnia? Empreendedora. Está muito bem integrada, tem relevância cultural, económica e política, como evidenciam os congressistas lusodescendentes eleitos pela Califórnia, Jim Costa, Devin Nunes e David Valadão. E conjuga essa integração com forte sentido de comunidade e um empenho notável na valorização das tradições culturais. A comunidade portuguesa é a face mais visível de Portugal nesta costa, mas talvez não tenha a notoriedade devida. Na Califórnia e em Portugal muitas pessoas não têm noção da dimensão da presença portuguesa aqui. Resultado de vagas sucessivas de migração, sobretudo dos Açores, mas também da Madeira e de Portugal continental, estima-se que aqui vivam 350 mil portugueses e mais de um milhão de lusodescendentes. Números impressionantes para um país de 10 milhões. A promoção do reconhecimento desta realidade é uma incumbência, que assumimos com orgulho..Qual é a perceção que a comunidade tem do Portugal moderno? Da mesma forma que Portugal evolui, também a comunidade portuguesa aqui não é estática. Muitas pessoas mantêm um apego notável às tradições e isso é louvável. Participar em festas como a da Nossa Senhora de Fátima em Thornton e testemunhar aquela "portugalidade" do outro lado do mundo é um orgulho. Há que conjugar o tradicional e o contemporâneo para irmos ao encontro das gerações mais novas e nutrir a sua ligação a Portugal. É importante que conheçam as tradições dos seus pais e avós, e também que tenham noção do Portugal inovador e competitivo, que vai de Cristiano Ronaldo e Patrícia Mamona a Joana Vasconcelos e Bordalo II, ou da cortiça à biotecnologia..No entanto, há receio de que a força das tradições esteja a enfraquecer nas novas gerações. O que pode ser feito para contrariar essa tendência? Pode parecer um paradoxo, mas é o sucesso da integração da comunidade portuguesa na sociedade de acolhimento que leva a que surjam esses desafios. Mesmo estando bem integrada, tenho sentido que a geração mais nova da comunidade, sentindo-se americana, tem interesse e curiosidade em aprofundar a singularidade que advém da identidade portuguesa. Há que complementar as tradições que lhes são transmitidas com o conhecimento do Portugal contemporâneo com o qual tenham empatia. Ou seja, combinar a ligação genética e afetiva com aspetos de Portugal e feitos de portugueses tangíveis para os jovens de hoje. Por exemplo, devemos valorizar Neemias Queta como primeiro português na NBA, nos Stockton Kings, ou Mariana van Zeller que está baseada em Los Angeles e faz a série Trafficked para a National Geographic. As heritage nights que promovemos com os Giants, Earthquakes ou os Golden State Warriors também mobilizam os mais novos. E coisas tão diversas como a onda da Nazaré ou a Web Summit mostram às gerações mais novas como Portugal é cool e trendy..O ensino da língua portuguesa também é um pilar da ligação à origem. Como podem apoiá-lo? Sem dúvida. A língua é fundamental e para Portugal é estratégica. Reuni recentemente com o superintendente estadual da Califórnia para a Educação, o equivalente a ministro estadual da educação, com o objetivo de promover o ensino da língua portuguesa em mais escolas públicas. Foi muito recetivo e vamos trabalhar para irmos além das 14 escolas públicas e 13 comunitárias que têm português no programa. Identificámos as escolas mais propícias e vamos abordar os distritos escolares, em colaboração com as comunidades portuguesas locais. Já o fizemos em Artesia, por exemplo. Há um interesse renovado dos lusodescendentes em aprender português, mas não só. Cada vez mais os californianos reconhecem a mais-valia do multilinguismo, e cresce aqui o interesse no português como idioma global..E o consulado vai colaborar mais com as organizações da comunidade? Estamos a trabalhar de perto com a PALCUS e a CPAC, e em estreita articulação com a FLAD, que é uma instituição muito importante em diversos aspetos da relação com os EUA. A promoção da língua portuguesa será uma área por excelência dessa colaboração. Outra área importante é o apoio a portugueses e lusodescendentes carenciados, por isso estamos em contacto com organizações como a POSSO, a VALER e a Bom Samaritano, que fazem um trabalho muito meritório. No plano cultural temos muitos projetos, começando pelos concertos da Cuca Roseta e do Júlio Resende em São José, na Igreja Portuguesa das Cinco Chagas, e em Sausalito, no Hall Português, a 10 e 11 de dezembro. Também iremos organizar com o American Jewish Committee uma homenagem a Aristides Sousa Mendes, que foi cônsul-geral em São Francisco há 100 anos. Para aproveitar a excelência das universidades na Califórnia, temos em curso com Berkeley um programa de conferências em colaboração com a nossa representação permanente junto da União Europeia. E estamos a preparar iniciativas tendo em vista a Conferência dos Oceanos das Nações Unidas, que se realizará em Lisboa no fim de junho. Aliás, organizámos uma ação de limpeza em Baker Beach, em que mobilizámos os consulados europeus em São Francisco, para dar um contributo enquanto decorria em Glasgow a COP26. Enfim, isto foram sete semanas, há imenso para fazer nos quatro anos que tenho pela frente, e estou entusiasmado com a perspetiva..dnot@dn.pt