Vagas de calor, seca, desertificação, incêndios florestais, perda de biodiversidade, destruição de ecossistemas, aumento do nível do mar, menos comida, menos água, propagação de doenças, migrações em massa, conflitos e guerras, acidificação dos oceanos, aumento da atividade vulcânica, tsunamis. Estas são apenas algumas das principais consequências do aquecimento global, que começam a ser visíveis em todo o globo. A última cimeira da ONU sobre o clima (COP 25) terminou com um apelo: um aumento da ambição dos compromissos.Um estudo apresentado por uma equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, além de alertar para a ocorrência de mais desastres naturais, como ciclones e furacões, diagnosticou que Portugal é um dos países mais vulneráveis à subida do nível médio do mar. Segundo a aplicação "Cartografia de risco costeiro associado à subida do nível do mar como consequência das alterações climáticas", criada pela mesma equipa, sob coordenação de Carlos Antunes, 146 mil pessoas que vivem na faixa de risco em 11 concelhos e distritos de Portugal continental podem ficar numa situação vulnerável já em 2050, perante uma subida média de um metro no nível do mar. E nas projeções para 2100, o número sobe para 225 mil, tendo em conta a vulnerabilidade física costeira, cruzada com um cenário extremo de maré cheia, coincidente com um período de marés vivas equinociais e uma intempérie violenta. O trabalho define uma metodologia para avaliar o risco das zonas costeiras e de águas interiores de elevada vulnerabilidade à subida do nível do mar perante um cenário de alterações climáticas, para os períodos temporais de 2025, 2050 e 2100. De acordo com as projeções até 2050, Setúbal, Faro e Aveiro são as zonas de maior risco. Com o ambiente a dominar a agenda, para vários especialistas na área há um denominador comum: embora Portugal já tenha anunciado estratégias de ação e medidas de transição e eficiência energética para as próximas décadas, ainda nada de concreto foi feito. Para Óscar Cerveira Ferreira, o especialista em ciências do mar, Portugal sofre há já algumas décadas um forte avanço do mar em grande parte da zona costeira, mas não por ação direta das alterações climáticas. Segundo o professor da Universidade do Algarve, tal deve-se, sobretudo, à falta de sedimentos resultante da sua deposição no leito dos rios e nas barragens, como consequência das mesmas e da regularização do caudal fluvial.."As alterações climáticas irão sentir-se principalmente através da subida do nível do mar, que terá com consequências diretas e indiretas um agravamento da erosão costeira, um aumento das áreas potencialmente inundáveis e a ocorrência, mais frequente, de inundações costeiras." De uma forma geral, avalia, "a nossa preparação é ainda deficitária. Existem - ou começam a existir - planos de adaptação, mas não estão ainda implementados ou estão a sê-lo de forma muito reduzida", prossegue. De acordo com o especialista, na zona costeira "temos como exemplo de adaptação algumas remoções locais de ocupação em zonas lagunares ou dunares, e realimentações que minimizam o efeito de erosão e de galgamento. No entanto, dado o agravamento do problema, será necessário fazer muito mais", preconiza.Óscar Cerveira Ferreira salienta que toda a zona costeira será afetada pela subida do nível do mar, mas que as zonas estuarinas e lagunares serão, porventura, as que mais sentirão os efeitos, na sequência de uma eventual redução da zona de sapal, aumento das zonas de inundação, alteração da circulação e da hidrodinâmica. Nas zonas arenosas, acrescenta, haverá tendência de agravamento da erosão e, nas costas baixas ou com ocupação demasiado perto do mar, iremos assistir a um aumento das ocasiões que o mar galga a terra. Os locais mais vulneráveis, concretiza, são os estuários do Tejo e do Sado, bem como a ria Formosa e a ria de Aveiro, "até porque são zonas com ocupação ribeirinha muito elevada". Perspetiva-se que na zona costeira exposta "poderemos ter um agravamento da tendência de erosão, já sentida atualmente a sul de Espinho, a sul de Aveiro, na Costa de Caparica, a este de Quarteira e em vários outros locais", adianta.O investigador lamenta que a maioria das medidas estejam a ser tomadas na perspetiva de atuação imediata (face a um problema, como por exemplo uma tempestade) e com curta duração ou numa perspetiva máxima de cinco a 10 anos (como a realimentação de praias). "Para se implementar a adaptação a alterações climáticas a visão tem de mudar", manifesta veemente..O especialista defende que a implementação de planos deve ser pensada numa evolução à escala das décadas. Por exemplo, com locais de migração livre das margens dos estuários e lagunares, ou a possibilidade de migração para o interior de formações de dunas. Essas medidas podem incluir o reaproveitamento de áreas atualmente não ocupadas, ou cuja ocupação já cessou - como zonas agrícolas ou salinas - para futura ocupação pelas margens estuarinas. E prossegue: "Podem também incluir formas mais 'moldáveis' de ocupação da zona costeira, em acordo com a sazonalidade da mesma, permitindo a sua evolução no inverno - sem ter ocupação permanente - e o seu uso no verão." Definir uma política de hold the line (manutenção da linha de costa atual) será difícil e extremamente caro, "e o nada fazer, atuando apenas quando necessário, sairá ainda mais caro", enfatiza, defendendo a implementação de uma nova perspetiva de gestão, com planos de adaptação às alterações climáticas, com escala de intervenção de décadas, para minimizar riscos (para bens e pessoas) e custos. Do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, o investigador José Carlos Ferreira, dz que "é urgente fazer uma reflexão por forma a encontrar um modelo de ocupação territorial de base ecológica adaptado ao risco e promover uma gestão mais sustentável e integrada para a zona costeira portuguesa". No inverno, estação que se tem apresentado cada vez mais rigorosa e intensa, está na ordem do dia a capacidade de adaptação às alterações climáticas, por forma a tornar as comunidades costeiras mais resilientes a perigos, vulnerabilidades e riscos de origem marinha.".O relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas, divulgado recentemente, alerta seriamente para o aumento do nível médio do mar que afetará as populações costeiras e causará perda de biodiversidade marinha e costeira. Os territórios mais afetados serão o litoral insular e continental português, dos mais urbanizados e ocupados da Europa. Face a esta realidade, preconiza, é urgente, sobretudo para as comunidades que vivem em áreas costeiras mais baixas, avaliar a vulnerabilidade e o risco de origem oceânica e a sua integração em modelos de ordenamento e planeamento ambiental. Territórios baixos e arenosos, como a Costa de Caparica, a ria Formosa, a ria de Aveiro, a praia do Furadouro, entre outras, e os arquipélagos dos Açores e da Madeira estão muito vulneráveis aos impactos negativos das alterações climáticas. José Carlos Ferreira partilha da opinião de Óscar Cerveira Ferreira. Segundo o professor, num quadro de alterações climáticas, a intensificação dos fenómenos, nomeadamente os episódios de tempestade, que provocam intensa erosão e galgamento oceânico, tem-se registado em maior número e intensidade, pondo em risco pessoas e bens..O que fazer na Costa de Caparica? .O especialista em gestão do risco em áreas costeiras e ordenamento de base ecológica recomenda, com especial enfoque nas comunidades costeiras, que se proceda à avaliação da vulnerabilidade e do risco de origem oceânica e a sua integração em modelos de ordenamento e planeamento ambiental. Aconselha ainda que se implementem com urgência as medidas aprovadas no Programa da Orla Costeira, nomeadamente: a) uma avaliação dos diversos problemas que afetam os territórios densamente ocupados e os principais desafios para uma gestão costeira integrada sustentável; b) um modelo de avaliação da perigosidade, vulnerabilidade e risco ao galgamento e consequente inundação, integrando um conjunto de fatores que permitiram explicar a organização territorial e a evolução da linha de costa a várias escalas temporais e espaciais. Este modelo é essencial para compreender o passado, perceber a configuração atual e perspetivar as tendências de evolução futura; c) uma abordagem estratégica de adaptação (relocalização, acomodação e proteção) fundamentada nos princípios subjacentes às metodologias que definem as estruturas ecológicas, as infraestruturas verdes e os corredores verdes; d) uma proposta de análise dos custos e benefícios associados a diferentes opções integradas de adaptação, nomeadamente as estratégias de defesa/proteção, acomodação e relocalização, considerando cenários de perigosidade elevada e muito elevada.Os invernos mais rigorosos, como o de 2014, com a ocorrência de tempestades muito ativas, colocaram em evidência as fragilidades da zona costeira, particularmente no concelho de Almada, entre a Cova do Vapor e a Fonte da Telha; uma costa baixa e arenosa muito vulnerável aos fenómenos associados às alterações climáticas, como tempestades e temporais, erosão e a subida do nível médio do mar, que tem originado um recuo acentuado da linha de costa com avanço do mar, colocando em risco a cidade da Costa da Caparica. As consequências, sublinha, são bem visíveis com a recente destruição de paredões e habitações na Cova do Vapor e 2º Torrão, a erosão acentuada nas dunas da praia de São João e galgamentos na frente urbana da Costa da Caparica. Segundo José Carlos Ferreira, é sempre a mesma questão a cada inverno rigoroso: "O que fazer?" Num quadro em que as alterações climáticas são tidas como um dado adquirido, o investigador recomenda que se mantenha e reforce o processo de artificialização (paredões e esporões), continuar a alimentação de praias e dunas com areias por forma a manter ou ganhar território ao mar, a desocupação imediata das áreas de maior risco e programar a retirada da restante área com relocalização. Em última instância, deixar o mar avançar.A comunidade científica concorda. A estratégia de intervenção e as ações e investimentos em Portugal têm sido realizadas reativamente e não de forma planeada. Nos últimos anos têm sido feitas alimentações artificiais de praias, reparação e redimensionamento dos esporões ou reparação de paredões, mas sempre após um inverno rigoroso, com exceção ao último enchimento artificial das praias da Costa de Caparica, recentemente efetuado. José Carlos Ferreira relembra que a construção de defesas costeiras "pesadas", ou seja, paredões e esporões (pontões), deverá ser uma medida de emergência temporária, pois a sua manutenção é dispendiosa e tem consequências negativas para o sistema litoral, para a qualidade da paisagem e o equilíbrio sedimentar.Constata-se, adianta, que não tem existido uma política e uma cultura de prevenção e redução de risco. Exemplo da dificuldade em gerir um território tão complexo é o estado em que se encontram a Fonte da Telha e os parques de campismo desde São João até à praia da Saúde, no concelho de Almada. Destaca ainda a recente instalação, na primeira linha de praias, de várias casas pré-fabricadas no Clube de Campismo de Lisboa, em pleno Domínio Público Hídrico e numa área de risco e galgamento. Por fim, salientou a questão da governança para uma gestão territorial sustentável e eficiente. Para o especialista, a gestão do litoral numa área complexa e de elevada vulnerabilidade como a Costa de Caparica passa pela implementação de um sistema de gestão integrada em que as entidades locais têm cada vez mais responsabilidade na cogestão de um território tradicionalmente gerido pelo Estado, nas quais os cidadãos são chamados a participar ativamente."Caso não sejam tomadas medidas de gestão sustentável e ordenamento de base ecológica de acordo com a vulnerabilidade e o risco existentes, iremos ter uma cidade e um território natural cada vez mais em risco, com investimentos cada vez mais avultados para manter a linha de costa atual", conclui. João Manuel Alveirinho Dias, do Centro de Investigação Marinha e Ambiental, considera que, em geral, a erosão costeira em Portugal se deve maioritariamente a intervenções resultantes da ação humana nas bacias hidrográficas e não a alterações climáticas. Não obstante progressos feitos nos últimos anos relativamente à forma como se encara o problema, o professor da Universidade do Algarve é categórico: "o país ainda não está devidamente preparado para fazer face a esta problemática". Porém, salienta, pela positiva, que "este tipo de erosão costeira é reversível à escala humana." Por outro lado, a erosão costeira devido à elevação do nível médio do mar, que em termos gerais é minoritária (cerca de 15% a 20% da erosão costeira total), é mais preocupante, uma vez que, na sua opinião, não é reversível à escala humana. Para fazer face a este problema, preconiza, "seria necessário aliviar a pressão sobre as zonas costeiras e adotar medidas de mitigação ou de adaptação ao fenómeno", o que, destaca "não tem sido feito de forma coerente"..Que medidas adotar?.É consensual que uma solução deverá passar sempre por um aliviar da pressão sobre as zonas costeiras. Mas João Manuel Alveirinho Dias reconhece que o assunto é complexo. Por exemplo, "há indicações de que as alterações climáticas ampliarão a tendência de desertificação e, portanto, será necessário criar mais reservas estratégicas de água. Como estas se localizarão, obviamente, nas bacias hidrográficas, tal fará com que o abastecimento sedimentar ao litoral diminua ainda mais e, por consequência, a erosão costeira seja amplificada", remata.