Portugal 4.0
Há precisamente um mês, a Universidade de Coimbra tomava a difícil decisão de suspender toda a sua atividade letiva presencial, adaptando ao mesmo tempo o conjunto dos seus serviços a uma realidade até então impensável, tendo sido a primeira instituição de ensino superior, a par da Universidade de Lisboa, a tomar uma medida com tal dimensão e impacto - exemplo seguido, aliás, pela maioria das organizações de ensino e confirmado pelo próprio Presidente da República que decretou o estado de emergência poucos dias depois. Hoje, olhando para trás, não existem dúvidas em relação à tremenda importância daquele passo inédito na história do ensino em Portugal: primeiro, pelo seu impacto na saúde pública; segundo, por ter permitido uma revolução digital sem precedentes.
A face mais visível da transformação operada nas Instituições de Ensino Superior (IES) foi a aplicação generalizada do ensino a distância, permitindo aos estudantes terminarem o ano letivo. Contudo, o regime de teletrabalho foi largamente implementado, as reuniões presenciais foram substituídas por videoconferências, as bibliotecas transformaram-se em plataformas digitais acessíveis, os procedimentos foram desmaterializados. Uma enorme mobilização coletiva com o empenho e dedicação de estudantes, docentes e corpo técnico permitiu manter o pulsar do ensino, da investigação e da transferência de conhecimento para a sociedade, apesar das óbvias dificuldades que um ajustamento desta magnitude comporta.
Durante estes últimos anos discutimos intensamente como conseguiria a humanidade lidar com os dois maiores desafios das próximas décadas: a criação de uma sociedade digital e o combate às alterações climáticas. E no meio desse debate, as franjas mais desfavorecidas e com um menor nível de qualificações eram o centro da preocupação, uma vez que corriam o risco de serem marginalizadas. Esta crise colocou precisamente em evidência a dificuldade que estes grupos têm - e terão - em qualquer que seja a revolução nos mais diversos campos da nossa vida coletiva. Reforçou a importância do apoio social e do ensino universal, e demonstrou que ainda estamos longe de ter uma sociedade com igualdade de oportunidades. É certo que as academias mobilizaram-se desde logo para entregar meios informáticos aos estudantes que deles necessitassem, mas é claramente insuficiente quando continuamos a ter zonas do nosso país com carências no acesso às redes tecnológicas. Qualquer que seja a transição, há uma evidente necessidade infraestrutural e de financiamento direto às famílias a ter em conta para que ninguém seja deixado para trás.
Este é o primeiro e mais significativo ponto de destaque para um futuro digital: abrir cada vez mais o ensino a todos, capacitando as famílias com as ferramentas essenciais para esta evolução. No entanto, acredito que esta mudança é igualmente acompanhada de instituições completamente diferentes. A capacidade de adaptação das IES foi notável e temos de estar orgulhosos pelo que conseguimos fazer em tão curto espaço de tempo. Por isso mesmo, saliento como segunda conclusão para o nosso futuro a eficiência trazida pelo ensino a distância, afirmando-se enquanto ferramenta a ser usada em múltiplas atividades letivas. No entanto, a formação de estudantes e docentes para estes novos meios digitais é prioritária, assim como uma imperiosa revisão dos planos de estudos, nunca esquecendo que o contacto físico é insubstituível pela empatia e confraternização geradas.
Por fim, um terceiro resultado a realçar é a mudança de paradigma nos serviços públicos. Foi possível provar até agora que a produtividade em regime de teletrabalho pode ser uma realidade, ao mesmo tempo que conseguimos conter o gasto imenso de recursos materiais promovendo a sua substituição por processos digitais. Algumas reuniões que ocorriam presencialmente de forma regular em boa hora deram lugar ao uso das novas tecnologias, enquanto conferências científicas passaram a ser organizadas em plataformas informáticas evitando a tremenda poluição acarretada pelas viagens aéreas.
Estas respostas de um mês de experiência serão certamente os ingredientes fundamentais para enfrentar um cenário pós-COVID-19, que será indubitavelmente de recessão. À semelhança dos tempos de guerra, é nestas alturas que a inovação acelera e as reformas das instituições acontecem. E bem precisamos porque o planeta nunca mais será o mesmo.
Reitor da Universidade de Coimbra