O partido conservador eurocético Lei e Justiça e os seus aliados na coligação Direita Unida surgem como os grandes favoritos nas eleições legislativas deste domingo na Polónia e a única dúvida, a avaliar pelas sondagens, é se vão conseguir reeditar a maioria absoluta dos 460 deputados que conseguiram no escrutínio de 2015. Trinta milhões de eleitores são chamados a ir às urnas..A formação liderada pelo ex-primeiro-ministro Jaroslaw Kaczynski, de 70 anos, tem sido fortemente criticada na União Europeia. A Comissão abriu, em 2017, um procedimento contra a Polónia, à luz do artigo 7.º, por violação das regras do Estado de direito e dos valores da UE, mas dado o apoio que o governo do Lei e Justiça (PiS) recolhe entre outros Estados membros, nomeadamente os do chamado grupo de Visegrado, o efeito foi quase nulo..Isso mesmo reconheceu, em maio deste ano, o vice-presidente da Comissão, Jyrki Katainen, citado pela Reuters. "A atual situação não é boa porque nós temos o procedimento contra a Polónia à luz do artigo 7.º, mas, infelizmente, nada aconteceu. Tivemos um diálogo e uma última proposta [no sentido de haver emendas legais na Polónia] que não foi articulada, de todo, com a Comissão. A consulta não funcionou - e suscitou outros problemas noutros Estados membros", disse o finlandês..Por causa da luta pelo respeito do Estado de direito e dos valores europeus na UE, os polacos e os seus aliados do grupo de Visegrado, com a Hungria de Viktor Orbán à cabeça, vetaram o nome do holandês Frans Timmermans para novo presidente da Comissão Europeia. Timmermans, vice-presidente da Comissão, da família socialista, é um dos mais acérrimos críticos dos regimes populistas, protecionistas e nacionalistas, assim como do Brexit. Após a partida de Jean-Claude Juncker, em novembro, Timmermans continuará na Comissão de Ursula von der Leyen, como vice-presidente executivo responsável pelo Green Deal..Nesta quinta-feira, a quatro dias das eleições na Polónia, a Comissão informou que "decidiu instaurar uma ação contra a Polónia no Tribunal de Justiça da UE, requerendo a tramitação acelerada, em virtude do novo regime polaco aplicável aos juízes"..Além de criticado na UE, o governo do PiS é também criticado dentro de portas, por alguns setores. No final de setembro, três ex-presidentes polacos, Lech Wałęsa, Aleksander Kwaśniewski e Bronisław Komorowski, apelaram a uma união da oposição para impedir que o PiS, além do Parlamento, consiga também eleger a maioria dos cem lugares de senador a jogo no domingo. "As eleições do dia 13 de outubro não são normais e vão decidir se a Polónia retém a democracia e o Estado de direito ou se deriva para uma ditadura autoritária. É crucial uma maioria no Senado", escreveram, referindo-se ao poder desta câmara: na Polónia tem o poder de emendar legislação e o direito de iniciativa legislativa..Apesar de todas as críticas, as sondagens, como a IBRiS/RFM, realizada nos dias 4 e 5, dão ao PiS e à Direita Unida 45,1% das intenções de voto, enquanto o principal partido da oposição, a Plataforma Cívica (PO) e a sua Coligação de Cidadãos, surge com 24,6%. Em 2015, o PiS de Kaczynski teve 37,6% dos votos, a PO conseguiu 24%. Então qual é o mistério que justifica que, contra todas as críticas, os polacos continuem a apoiar os conservadores eurocéticos de Kaczynski?.A confiança dos eleitores no que toca às questões socioeconómicas.O governo do PiS, que apesar de ter outras figuras no cargo de primeiro-ministro é orientado por Kaczynski, aumentou as recolhas de IVA e bem como a despesa com o Estado social. E, apesar disso, planeia um Orçamento do Estado para 2020 com as contas equilibradas. Algo de que as agências de rating desconfiam. Mas aos conservadores polacos pouco lhes importa..A despesa com as famílias polacas subiu de 1,78% do PIB em 2015 para 4% do PIB agora. "O nosso objetivo é construir uma versão polaca do Estado social. Temos de continuar a aumentar os salários e os rendimentos da sociedade", disse o líder do PiS, num comício na cidade de Lublin, junto à fronteira com a Ucrânia e a Bielorrússia..Uma das medidas mais populares foi a do pagamento de 500 zlotys (127 euros) por mês por cada filho. Antes das eleições europeias de maio, o governo deu 1100 zlotys a cada pensionista, pagamento que não está incluído no Orçamento do Estado para 2020 mas que o PiS garante que irá estar coberto, segundo a Reuters..O executivo do Lei e Justiça tem estado também a aumentar o salário mínimo: 1750 zlotys em 2015, 2600 em 2020 e 4000 em 2023. O governo polaco, ao contrário do da Hungria, pretende que o país já não seja visto como destino de mão-de-obra barata, que os grandes grupos económicos podem vir explorar da forma que bem entenderem. No sentido de redistribuir melhor a riqueza, o PiS quer que quem ganha mais desconte mais para a Segurança Social..Na senda do America First de Donald Trump, Kaczysnki também privilegia o protecionismo, defendendo que a maioria do capital das empresas estratégicas deve estar nas mãos de polacos. Entre os investimentos previstos, criticados por ambientalistas, estão um aeroporto no centro da Polónia, um canal pelo cordão do Vístula, bem como uma central a carvão em Ostroleka, no nordeste da Polónia, até 2023. O governo, refere a Reuters, põe e dispõe no que toca a presidentes dos conselhos de administração das empresas públicas e já substituiu vários em várias ocasiões.."A nossa economia é a que está a crescer mais depressa na UE e o nosso governo toma conta das famílias jovens", disse Piotr, um professor de Biologia polaco, de 35 anos, a Otmar Lahodynsky, presidente da Associação Europeia de Jornalistas, num artigo que este publicou no semanário em inglês New Europe..A cruzada da moral e dos bons costumes em nome das famílias.O PiS lidera uma cruzada pela moral e pelos bons costumes e apresenta-se como o partido que defende a família tradicional, a identidade nacional polaca, os valores cristãos e a cultura. Isso, argumenta, estabiliza a ordem social e promove o bem comum que, segundo ele, está ameaçado por uma grande ofensiva do diabo. "No início", refere o professor universitário Aleks Szczerbiak, num artigo que foi replicado no site da London School of Economics, "isso era visível na forte oposição do partido ao programa de recolocação de migrantes da UE, nas eleições de 2015, com o Lei e Justiça a argumentar que os migrantes muçulmanos do Médio Oriente e do Norte de África eram difíceis de assimilar e ameaçavam a segurança da Polónia. Mais recentemente, o partido opôs-se ao que chama ideologia LGBT, um movimento alegadamente agressivo, com uma agenda política baseada em ideias vindas do estrangeiro e patrocinada pela extrema-esquerda inimiga da civilização ocidental"..Quando chegou ao poder, recorda a Reuters, uma das primeiras coisas que o partido de Kaczynski fez foi cortar o financiamento público para os programas de fertilização in vitro. Isso, entre outras coisas, explica o apoio da Igreja Católica ao partido. PiS e Igreja aliaram-se na demonização do aborto e dos direitos da comunidade LGBT. O arcebispo de Cracóvia alertou mesmo os eleitores, em agosto, para a "praga do arco-íris" que ameaça a sociedade polaca. "Desde o Papa João Paulo II [que era polaco], a Igreja polaca sempre trabalhou na unidade dos polacos, mas a homossexualidade e o casamento gay devem ser condenados como coisas incompatíveis com a revelação", declarou Marek Jedraszewski, numa altura em que a Igreja está seriamente desacreditada por uma série de escândalos de pedofilia e abusos sexuais envolvendo padres.."Nas zonas do interior da Polónia", refere no seu artigo Lahodynsky, jornalista especializado em assuntos europeus, o PiS conseguiu, com sucesso, travar o êxodo rural. Até a oposição o admite. De acordo com o deputado do Plataforma Cívica Marek Krzakala, várias esquadras de polícia nas zonas rurais, que tinham estado fechadas entre 2007 e 2015, foram reabertas..O assassínio do presidente da Câmara de Gdansk, Pawel Adamowicz, em janeiro deste ano, chocou a Europa e causou lamento na Polónia. Mas, pelo que indica o contexto atual, não entre toda a Polónia. Sobre isso e sobre o estado do seu país escreveu, nesse mesmo mês, no jornal americano The New York Times, a agora laureada com o Nobel da Literatura de 2018, Olga Tokarczuk: "O senhor Adamowicz, um conservador moderno e um funcionário local excelente, representa tudo o que o Lei e Justiça não é. Apesar de ser um tradicionalista, opôs-se ao paroquialismo com abertura de mente e coração. Também tinha uma sensibilidade social e uma coragem raras. Ele, juntamente com outros presidentes de câmara, foi contra as políticas do governo nacional, convidando imigrantes para a sua cidade e prometeu-lhes apoio, trabalho e casa. O seu assassínio representa um ataque à visão liberal e progressista da Polónia.".Imune a escândalos e acusações de violações do Estado de direito.Conforme explica Aleks Szczerbiak, professor de Política Contemporânea e Estudos Políticos da Universidade de Sussex, "os abusos de poder de políticos e militantes do PiS para benefício próprio não parecem afetar o governo. O Lei e Justiça foi capaz de neutralizar rapidamente os efeitos de escândalos, demitindo, se necessário, os envolvidos. Exemplo disso foi a demissão forçada, em julho, de Marek Kuchciński do cargo de porta-voz parlamentar do PiS, na sequência de alegações de que tinha usado aviões oficiais para realizar viagens privadas"..O governo do PiS tem recusado, taxativamente, as acusações de que viola do Estado de direito e mina a democracia. "Muitos polacos aceitam o argumento do governo de que as suas ações são necessárias para restaurar o pluralismo e o equilíbrio nas instituições, as quais, alegam, estão dominadas por elites corruptas da era pós-comunista (...) Um elemento importante é da redistribuição do prestígio, pois muitos polacos que se sentiam cidadãos de segunda classe reganharam um sentido de dignidade e sentem que o governo está a tentar restaurar a justiça e a ordem moral", ressalva Szczerbiak, no artigo que foi replicado no site da prestigiada London School of Economics..Em defesa de uma educação mais patriótica, o PiS mudou a estrutura dos currículos escolares, por forma que estes incluam mais sobre a história e a literatura nacional polaca. O governo quer ainda construir uma rede de museus que inclua, por exemplo, o Museu da História Polaca, para promover uma visão polaca, sobre o que aconteceu dentro e fora do país..No campo dos media, o regime de Kaczynski é acusado de controlar os media, como a televisão pública TVP. O programa do partido, refere a Reuters, contempla mesmo a ideia de criar uma organização profissional destinada a supervisionar os níveis de ética dos profissionais dos media, sendo acusado, desde logo, de tentativa de limitar a liberdade de expressão.."A televisão estatal apenas transmite propaganda do governo e da Igreja [Católica], incitando ao ódio contra gays e lésbicas. Durante décadas, a Igreja encobriu abusos", nota Otmar Lahodynsky, presidente da Associação Europeia de Jornalistas, no artigo que publicou no New Europe. "Nos media estatais os políticos da oposição raramente aparecem ou são retratados de forma negativa. O alvo favorito dos media controlados pelo Estado é o ex-primeiro-ministro e presidente do Conselho Europeu cessante, Donald Tusk. Quando Tusk esteve a fazer um discurso na Universidade de Varsóvia, no aniversário da Constituição polaca, em maio, tal nem foi mencionado na televisão estatal", nota o jornalista, realçando que, a seguir aos media, o alvo primordial do governo do Lei e Justiça tem sido o sistema judicial.."A televisão estatal, através da qual um número significativo de polacos veem as notícias, transmite de forma frequente boatos, numa linguagem agressiva e difamatória, sobre a oposição e sobre toda a gente que pensa de forma diferente do partido do governo. O presidente da câmara assassinado [em janeiro em Gdansk] foi aí apelidado de ladrão, alemão, mafioso. Além disso, a propaganda da televisão tem repudiado o sistema de justiça ao longo dos últimos três anos, dizendo que ele é prejudicial aos cidadãos, que tem de ser mudado, que os os juízes se acham acima da lei (...) A imprensa na Polónia parece um monstro, um Frankenstein que saiu fora do controlo e está online e transmutou-se num discurso de ódio que está presente em todo o lado", escreveu no The New York Times, a 21 de janeiro, a Nobel da Literatura Olga Tokarczuk.."O governo quer exercer poder sobre todo o sistema judicial", declarou Darius Mazur, da associação de juízes Themis, em declarações a Otmar Lahodynsky. Na Polónia, o governo do PiS fundiu os cargos de procurador-geral e ministro da Justiça, passando, dessa forma, a colocar as investigações criminais sob a alçada de um político. Se as alterações propostas pelo partido forem para a frente, as regras de levantamento de imunidade de deputados serão alteradas, passando a acusação de crimes - ou não - para as mãos do procurador-geral..Além disso, o regime de Kaczynski alterou a estrutura do Supremo Tribunal para que os juízes nomeados pelo governo decidam, entre outras coisas, sobre a validade de eleições. E deu ao Parlamento o poder de nomear os membros do Conselho Nacional de Justiça, o qual nomeia, por seu lado, os juízes. Entre as alterações propostas pelo PiS ao Código Penal, refere a Reuters, estão a possibilidade de pena perpétua sem direito a liberdade condicional, algo classificado como desumano pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem..A oposição que não consegue afirmar-se como alternativa credível.Uma semana antes das eleições na Polónia, a candidata a primeira-ministra da Plataforma Cívica (PO), Malgorzata Kidawa-Blonska, comparou o partido Lei e Justiça de Kaczynski com o Titanic. "Às pessoas a bordo do Titanic foi-lhes dito, até ao final, que a rota estava perfeita, a construção era estável e a embarcação era segura. Nós sabemos como a história terminou. O barco afundou-se, por causa de mentiras, ganância e presunção", escreveu no Twitter a também vice-presidente do Parlamento polaco (Sjem)..Mas apesar das críticas a Kaczysnki e ao seu partido, a PO não consegue que as sondagens lhe deem melhor resultado do que conseguiu em 2015. Aliás, dá-lhe o mesmo. "O maior grupo da oposição é a Coligação de Cidadãos (KO-PO), que consiste na Plataforma Cívica e em mais dois pequenos aliados seus. A aliança, contudo, está atrás do PiS nas sondagens. A líder da coligação, Malgorzata Kidawa-Blonska, viu a sua candidatura ser apresentada apenas seis semanas antes das eleições. Kidawa-Blonska prometeu mais fundos para o serviço nacional de saúde da Polónia caso o seu partido vença as eleições e prometeu não revogar o dinheiro prometido para as eleições pelo PiS. Ela é claramente pró-europeia e condenou os ataques do PiS à UE, muitos dos quais visam comparar o bloco europeu à tão odiada União Soviética", escreveu no New Europe o jornalista Otmar Lahodynsky.."A oposição carece de uma figura à volta da qual as pessoas se possam unir. O líder da Plataforma Cívica, Grzegorz Schetyna, é um operador político bastante eficaz nos bastidores, mas falta-lhe dinamismo e carisma, o que faz que seja, atualmente, o politico polaco com menor taxa de aprovação. Reconhecendo a sua falta de carisma, Schetyna tem-se mantido na sombra na campanha do Plataforma Cívica, promovendo a candidatura de Małgorzata Kidawa-Błońska para primeira-ministra", realça, no artigo replicado no site da London School of Economics, o professor universitário Aleks Szczerbiak, que é autor de publicações como Poland Within the Europea Union? New Awkward Partner of New Heart of Europe? ou Politicising the Communist Past: The Politics of Truth Revelation in Post-Communist Poland.