Polónia e Hungria. A batata quente, a bazuca e a bomba atómica
O cenário preferido em Bruxelas seria a aprovação do "conjunto das propostas", embora haja outros cenários "a serem estudados". No caso de uma rejeição persistente, a União Europeia poderia funcionar em duodécimos, mas "seria uma má opção", afirma o eurodeputado relator da proposta rejeitada pela Polónia e pela Hungria, o social-democrata, José Manuel Fernandes, o qual também vê "problemas" como a separação dos dossiês.
"Pode haver a aprovação do Quadro Financeiro Plurianual, em separado, sem a luz verde para os novos recursos próprios", mas esta "também não é uma boa opção", afirma. A questão dos duodécimos "não se colocaria", mas Bruxelas fica impossibilitada de organizar a emissão de dívida conjunta, para financiar os 750 mil milhões da chamada bazuca de dinheiro europeu.
Restaria uma terceira opção, através de um acordo intergovernamental, num quadro de cooperação reforçada, com a qual contornariam o veto da Polónia e da Hungria. Mas isso "seria o fim disto tudo", afirma José Manuel Fernandes ao DN, considerando que "a própria União Europeia" seria posta em causa.
Se ambos mantiverem o finca-pé e fizerem uma terceira confirmação do veto, na cimeira, a batata quente acabará por sobrar para o governo português, que terá de dar continuidade às negociações iniciadas pela chanceler alemã, com os dois governos, e fechar o acordo.
A "esperança" reside por enquanto na capacidade de negociação de Angela Merkel, a chanceler da Alemanha, que até ao fim do ano assume a presidência rotativa da União Europeia, que pode até optar por uma quarta via, através de uma declaração de implementação do mecanismo ou o Estado de direito, que vincularia os dois países a um roteiro para a implementação de princípios básicos do funcionamento da democracia, e deixaria o assunto resolvido, na cimeira.
No Parlamento Europeu, a relatora do Quadro Financeiro Plurianual, a socialista Margarida Marques, espera que "haja de facto uma disponibilidade para encontrar um compromisso". A eurodeputada expressa expectativa que o problema seja ultrapassado ainda antes da cimeira, e identifica "duas questões políticas importantes".
"Uma delas é quando é criado um mecanismo para a defesa dos princípios da União Europeia destinado a 27 Estados membros e dois não aceitam a sua aplicação. Não se entende como é que esses Estados membros podem recusar esse mecanismo. A segunda é de facto a urgência da situação", afirmou ao DN.
Margarida Marques defende que o passo a dar terá de ocorrer entre os governos, uma vez que o Conselho "fez um acordo político", com o Parlamento, e salienta uma das afirmações dos governantes polaco e húngaro, quando dizem que "continuam abertos para contribuir para uma solução para a situação".
O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, recebeu, em Budapeste, nesta semana, o chefe do governo polaco, Mateusz Morawiecki, para concertarem uma posição, mas no final da reunião confirmaram o veto. Orbán afirmou que "a proposta atual não é aceitável para a Hungria", e está alinhada com "a primazia da maioria e não do direito".
Ambos consideram que o chamado instrumento do Estado de direito é contrário ao direito europeu e acham que esta questão deve ser separada do orçamento da UE e do pacote de recuperação, para que o impasse na questão se resolva.
Numa entrevista ao jornal alemão Die Zeit, Viktor Orbán admitiu que se "os países necessitados querem o dinheiro rapidamente - vamos permitir isso. Mas outros querem novos regulamentos de Estado de direito - podemos conversar sobre isso". Mas, também vincou que "o primeiro tema precisa de ser tratado imediatamente, o segundo pode esperar".
O assunto foi nesta semana ao debate plenário, em Bruxelas. A falar no Parlamento Europeu, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, sugeriu aos dois governos que, se "têm dúvidas quanto à aplicação do direito comunitário, então que recorram ao Tribunal de Justiça da União Europeia".
"É lá que se avaliam as regras comunitárias, não é à custa da economia de milhões de europeus", afirmou a presidente, no debate em que os eurodeputados deixaram claro que não estão disponíveis para alterar a proposta que vincula o cumprimento do Estado de direito ao desembolso de fundos comunitários.