Política Kindergarten

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O povo cresceu, mas muitos políticos teimam em ficar lá atrás: olham para a luta política como para um ringue de boxe. Dizem tudo hoje como se nada tivessem dito ontem, agem como se não houvesse amanhã. E falam na arena pública como se tudo ficasse dentro de portas - e lá fora ninguém estivesse a ouvir. Nem os credores, públicos e privados, nem embaixadores, nem a imprensa.

Esta semana, com o muito sensível tema das sanções europeias em cima da mesa, o debate político não foi pobre, foi uma pobreza. E o debate mais importante do ano, o Estado da Nação, foi mais do que uma decepção - foi um verdadeiro Kindergarten (isso mesmo, jardim infantil).

Os exemplos são muitos e os que se seguem são apenas isso: exemplos.

Maria Luís Albuquerque deu uma conferência de imprensa a um sábado para dizer que, se ela fosse ministra das Finanças, não haveria sanções. Ela que construiu um Orçamento (o de 2015) no limite do admissível para Bruxelas, ela que justificou isso com um "assim não consigo mais", referindo-se às dificuldades em impôr novos limites à despesa. Ela que deixou cair o dito corte de 600 milhões nas pensões porque o partido lhe disse havia uma campanha pela frente e não havia condições para fazer mais.

Mário Centeno pelos vistos não gosta de perder. E para contrariar a antecessora, resolveu dizer que a culpa das sanções é do PSD e CDS, porque "passaram os últimos quatros anos a falhar sucessivamente as metas". E pergunto eu: mas o que é que o PS andou sucessivamente a dizer das metas traçadas com Bruxelas? Não era que o Governo anterior estava mais papista do Papa, que tinha a obrigação de rever as metas em alta e poupar os portugueses a mais pobreza e novos cortes?
No Parlamento, Costa e Passos prosseguiram a competição, acusando-se mutuamente de trocarem o interesse nacional pelo partidário. Infelizmente parecem olhar mais para o outro do que para o espelho. Sim, verdade que Passos se esqueceu que foi primeiro-ministro e que aquilo que acusa o PS de fazer agora é o que ele fez no ano passado (ignorar avisos de Bruxelas de que as contas iam dar para o torto). Como também é verdade que Costa faz o inverso: acusa Passos de ter falhado e ser responsável pelas sanções, quando ele ignora olimpicamente os avisos de Bruxelas de que vai seguir igual caminho.

Digo isto para não dizer - outra vez - que o PSD se estivesse no Governo nunca na vida proporia uma Comissão de Inquérito à má gestão da CGD (como não propôs em 4 anos e meio). Ou para não dizer - once and again - que o Governo PS jamais diria em público que a Caixa tem um buraco de 3 mil milhões de euros se não visse a política como aquela luta de crianças - onde uma e outra discutem sobre quem fez primeiro asneira. Com esta guerra política ainda acabam por matar a Caixa.

Mas a história das sanções é realmente a mais grave. Eu percebo lindamente que partidos como o PCP ou o Bloco contestem a legitimidade das regras, porque sempre a contestaram. O que não percebo é como os partidos que assinaram o Tratado Orçamental apenas há dois anos defendam Portugal das sanções da forma como o têm feito.

Não percebo como o primeiro-ministro diz no Parlamento (como se ninguém ouvisse em Bruxelas) que Passos teve um "falhanço" no controlo das contas de 2015 e "escondeu" um "buraco" na banca. Isto sem perguntar à Comissão Europeia porque conta o défice português nos 3,2% quando o Eurostat diz que foi de 2,8% (e prometo guardar para memória futura o que o PM disse sobre isto na Assembleia).
Não percebo também como o PSD usa a sua desconfiança sobre a execução deste ano para julgar o Governo antes de provada a culpa, no momento em que se devia juntar a Costa e preparar uma contestação única em Bruxelas - tendo em conta que os dois, pelo menos, se mantêm fiéis ao princípio de que é preciso cumprir este ano o objetivo e sair de Procedimento de Défices Excessivos.

Mas não. PS e PSD (ou se quiser, PSD e PS) continuam a agir como se tudo se limitasse à necessidade a defender a honra dos respetivos Governos. Quando lá fora ninguém quer saber de Passos ou de Costa, querem é saber de Portugal.

Em vez de gastarem tempo a lutar no recreio, Passos e Costa deviam ser chamados ao diretor da escola. Para ver se se lembram de olhar os portugueses olhos nos olhos, transmitindo seriedade, confiança e estímulo ao debate público. Mas não. Esta semana lá fizeram tudo como antigamente. Depois queixem-se das redes sociais, das caixas de comentários, das conversas de café. Isso: depois queixem-se dos populismos.

P.S. E viva Portugal, que amanhã somos campeões!

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