Verdi volta a ser abertura de temporada do Teatro Nacional de São Carlos (hoje, 20.00). Vinte e seis anos depois, regressa Simon Boccanegra (na versão definitiva de 1881) por via duma produção da Royal Opera House-Covent Garden, de Londres, estreada nesse teatro há 13 anos. A encenação é de Elijah Moshinsky, autor de múltiplos trabalhos no Covent Garden (CG) e no Metropolitan, e a direcção musical está a cargo de Zoltan Peskó, maestro honorário da Orquestra Sinfónica Portuguesa (OSP). Integram o elenco o barítono Ambrogio Maestri (Simon), o soprano Micaela Carosi (Amelia Grimaldi), o tenor Mario Malagnini (Gabriele Adorno), o baixo Enrico Iori (Jacopo Fiesco/Andrea Grimaldi), o baixo-barítono Johann Werner Prein (Paolo Albiani) e o barítono Mário Redondo (Pietro). O coro é o do São Carlos e no fosso estará a OSP..O resto da equipa de produção é constituído por Michael Yeargan (cenografia), Peter J. Hall (figurinos) e Clare O'Donoghue (luzes)..A ópera Simon Boccanegra (libreto de Piave a partir dum drama de Gutiérrez - ver Trovatore) é um daqueles casos de sucesso na segunda encarnação composta em 1856/57, quando Verdi estava no auge da sua popularidade, a estreia no Fenice de Veneza, a 12 de Março de 1857, saldou-se por um semifiasco, com as «culpas» a recairem no libreto muito intrincado e na música soturna. O próprio Verdi a classificaria de «triste e desolada em demasia». No entanto, o projecto de a rever nunca o abandonou. Essa possibilidade sobreveio no final de 1880, quando, instado pelo seu editor Ricordi e perante a perspectiva de uma re-estreia no Scala, Verdi abordou Arrigo Boito no sentido de este proceder a uma revisão do libreto. Os dois haviam reatado relações no ano anterior (já aí sob os auspícios de Ricordi) a propósito do projecto dum certo Otello....A contribuição de Boito foi lauta (mas, mesmo assim, reconhecível...), excepto no I Acto, cuja segunda parte (cena da Sala do Conselho) lhe «cabe» por inteiro - seja como for, é esta cena que faz «disparar» a trama para outro nível de envolvimento dramático. A nova versão da ópera estreou então no Scala, a 24 de Março de 1881, com bom acolhimento geral..A história é, de facto, complexa, porque mistura muitos níveis de intriga em simultâneo, num conjunto de problemáticas que podemos encontrar em várias óperas do autor. No entanto, apesar de ser tipicamente verdiano, o «novo» SimonBoccanegra acusa já o «dedo» de Boito, se o olharmos duma perspectiva pós-Otello..Os conflitos de classe (o plebeu Boccanegra contra o nobre Jacopo Fiesco, avô da filha de Simon, Maria), as fidelidades precárias e as traições e insídias (Paolo e Pietro), as conspirações (de Fiesco; de Gabriele Adorno, pretendente de Maria), o envenenamento (de Simon, precipitando a sua morte no final), os ódios e as vinganças andam lado a lado com o amor paternal/filial (de Simon pela sua filha Maria/Amelia Grimaldi, reencontrada já na idade adulta desta), com a boa governação (do doge Simon), com a reconciliação (no final, quer Fiesco, quer Adorno se reconciliam com o moribundo doge; ao último é-lhe concedida a mão de Maria e o direito a suceder-lhe no cargo) e a justiça (execução de Paolo)..Uma ópera, enfim, em que os tenores cedem o protagonismo aos barítonos (Paolo e Simon - este um dos papéis de barítono mais exigentes do repertório).