No dia 23 os britânicos vão votar para o Parlamento Europeu com um sentimento diferente em relação aos outros povos europeus - até porque ainda há poucos meses não esperavam ser chamados para este sufrágio. Quase três anos depois do referendo que indicou a saída da União Europeia, o impasse para a concretização do Brexit fará que cada voto seja visto como uma nova manifestação a favor ou contra o fim da ligação ao clube europeu..Há três partidos a nível nacional (Liberais-Democratas, Verdes e Change UK), um escocês (SNP) e um galês (Plaid Cymru) que se apresentam como favoráveis a um referendo vinculativo e à permanência do Reino Unido na UE. Como não concorrem coligados, essa dispersão pode levar a que, dado o método de representação proporcional de Hondt, em 11 círculos eleitorais, haja milhões de votos sem tradução em eleitos. Por exemplo, com base numa sondagem que dava 30% para o Partido do Brexit e 27% para os Lib Dems, Verdes e Change UK, a formação de Farage iria obter 29 deputados e os outros três dividiriam apenas nove lugares..(Na Irlanda do Norte, para apurar os três lugares em disputa, funciona o método de voto único transferível, no qual o eleitor assinala uma ordem de preferência pelos partidos.).Deve-se à empresária Gina Miller uma bem-sucedida ação em tribunal que obriga o governo a agir em conformidade com a câmara dos Comuns na matéria do Brexit..Agora, Miller, que se considera apartidária, lançou a campanha Remain United. O objetivo é combater o campo pró-Brexit e em especial o Partido do Brexit de Nigel Farage. "Se o campo pró-UE ganhar um referendo vinculativo ou se [o Reino Unido acabar por] permanecer, é provável que esses deputados ao Parlamento Europeu ocupem os lugares durante os próximos cinco anos (...) E, se a maioria for do Partido do Brexit, vai haver eurodeputados que querem destruir a UE a partir de dentro", disse Miller à Wired ..Para combater Nigel Farage ("um homem que não mostrou um programa eleitoral, não revelou os seus financiadores nem apresentou quaisquer pormenores sobre como será o Reino Unido pós-Brexit", como escreveu a ativista no The Guardian ), Miller diz ser crucial votar de forma tática. Como? O site da campanha, com base em sondagens, mostra as previsões quanto à divisão dos 70 lugares de eurodeputados britânicos por partido. De seguida, mostra os resultados se metade dos eleitores favoráveis à permanência na UE votarem de forma tática. A diferença, segundo estes cálculos, dá mais seis deputados. Por fim, recomenda o voto aos eleitores consoante o círculo eleitoral..Este cálculo, feito com base em quatro mil respostas, utiliza o modelo matemático de regressão multinível e a técnica de amostragem pós-estratificação para analisar os dados das sondagens e extrapolar os resultados. Trocado por miúdos: além de perguntar ao inquirido em quem vai votar, é feito um questionário para saber a idade, onde vive, o nível sociocultural, histórico enquanto eleitor, etc..Pode não ser consequência da Remain United, mas será decerto das sondagens: o cabeça-de-lista para a Escócia do novo partido Change UK, David Macdonald, demitiu-se e juntou-se aos liberais-democratas. Na carta que endereçou à direção do partido formado por ex-conservadores e ex-trabalhistas, Macdonald justificou a posição porque o Liberal Democratas é o partido mais bem posicionado para eleger um representante..A campanha de Gina Miller e a ideia de voto tático está longe de reunir consenso entre os europeístas. A jornalista fundadora e porta-voz do site Tactical2017.com, Becky Snowden, diz no The Guardian que nestas eleições não pode haver voto útil porque o método de eleição é o já referido Hondt e não o usado nas eleições gerais, o first-past-the-post; "a paisagem política em rápida mudança" e a impossibilidade em prever como é que os eleitores trabalhistas vão votar..Sabe-se que os britânicos preparam-se para castigar os dois maiores partidos na quinta-feira. Na mais recente sondagem, conservadores e trabalhistas juntos têm menos votos do que o partido de Farage..Perder lugares.Para o professor Heinz Brandenburg, da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, o problema reside na divisão do eleitorado em círculos eleitorais, ao contrário do que sucede em Portugal, por exemplo, onde há um círculo eleitoral único. No seu blogue, o docente de Ciência Política diz que em círculos como Londres, noroeste e sudeste, o voto útil pode levar um partido a chegar perto de 15% mas reduzir outros dois a 5% e 6%. Resultado: nem o mais votado obtém mais deputados nem os outros conseguem um único, quando podiam alcançar três. Nestes círculos, o melhor resultado que podiam ter, explica, é a divisão mais equitativa possível.."Na ausência de qualquer pacto ou coordenação entre os partidos pró-UE, os seus eleitores enfrentam uma tarefa complicada quando procuram formas de votar taticamente para maximizar a quota de lugares dos partidos pró-europeus", nota..Em resposta surgiu outra campanha, a Remain Voter. Neste site, o eleitor regista-se e recebe um conselho de voto no seu círculo com o objetivo de aumentar a representatividade. Mas não recomenda o voto em caso de o lugar em jogo ser entre dois pró-europeus.