A constatação é da diretora regional da Organização Mundial da Saúde (OMS), Matshidiso Moeti. Também do presidente da Fundação Manhiça, Leonardo Simão, ex-ministro da Saúde de Moçambique..Matshidiso Moeti visitou há uma semana a Beira, capital da província de Sofala, particularmente afetada pelos ventos do ciclone Idai e as cheias que se seguiram. "Encontrei uma situação muito difícil, desde logo porque as infraestruturas ficaram danificadas, as casas das pessoas foram destruídas, obrigando-as a partilharem espaços superlotados." Destacou que a tempestade ocorreu numa região do mundo onde não há água potável para todos, nem rede de saneamento básico e que um dos principais desafios "é a expansão dos cuidados de saúde primários". Em toda a África..Mas, neste momento, quatro semanas (14 de março) depois da passagem do ciclone Idai por Moçambique, Zimbawe e Malai, a maior urgência é conter o surto da cólera. A diretora da OMS referiu que existem nas zonas afetadas três mil casos de cólera confirmados, não só a Beira como Búzi, cidade da mesma província e que fica a cerca de 60 km..A UNICEF enviou para aquela região 900 mil vacinas contra a cólera e iniciou, no final da semana passada, uma campanha de vacinação, mas Matshidiso Moeti considerou que não é suficiente.."Vacinação não é suficiente"."A vacinação pode fazer a diferença, mas precisamos de água potável, precisamos de trabalhar para melhorar o saneamento. Esperamos que depois desta fase de crise, seja disponibilizada ajuda para reabilitar e restabelecer os serviços normais para a população que foi afetada", disse..Matshidiso Moeti veio a Portugal participar no 5.º Congresso Nacional de Medicina Tropical, no Instituto de Higiene e Medicina Tropical, em Lisboa, dedicado às políticas e serviços de saúde e a decorrer até sexta-feira..Apresentou uma comunicação na sessão inaugural, na manhã desta quarta-feira, em que também salientou as deficientes condições de vida em África. Identificou os problemas que, com maior ou menor intensidade, afetam todos os países deste continente, defendendo que uma das principais dificuldades é o baixo investimento em políticas de saúde. O que se agrava quando está em causa uma população empobrecida..Considerou que se realizaram esforços financeiros nos últimos 15 anos e com resultados positivos, ainda, assim, insuficientes. A esperança de vida aumentou de 51 para 60 anos e a taxa de mortalidade infantil (crianças até aos 5 anos) reduziu para mais de metade, situando-se agora nas 72,4 mortes em mil..Em relação às doenças com maior incidência na região, sublinhou que a principal preocupação tem sido o combate às doenças infecciosas, como a pneumonia, doenças respiratórias, sida, malária e diarreias. Mas começam a surgir doenças crónicas, e mais frequentes em países desenvolvidos, como a diabetes, a hipertensão, as doenças cardiovasculares e o cancro..Esse foi também um dos aspetos focados por Leonardo Simão, presidente da Fundação Manhiça, um centro de investigação em saúde de Moçambique. Foi ministro da Saúde do país entre 1986 e 1994, ocupou depois a pasta dos Negócios Estrangeiros, onde esteve até 2005. Apresentou a segunda comunicação da sessão inaugural.."O quadro de doenças que apresentam [os países africanos] é condicionado pela pobreza em que vive a população, sem água potável, habitação condigna, rede de saneamento básico." Considerando que a prioridade deve ser dada na educação e na formação de quadros..Simão caracterizou África como um continente "que tem sofrido sucessivas e rápidas transições" e, ao mesmo tempo, uma população com falta de tudo, nomeadamente a nível de habitação e saúde..Novas doenças.Em contraponto, o ex-governante mostrou preocupação perante uma população jovem, com um consumo excessivo de álcool, tabaco, bebidas vermelhas e fast food. Faz pouco exercício, cenário que é agravado pela poluição, realidades que trazem novas doenças e novos desafios. O que tem consequências no aumento das doenças crónicas e cardiovasculares.."Novos desafios que exigem quadros de saúde com maior formação", salientou..Relativamente ao ciclone Idai, disse que a situação se mantém grave: "O que estávamos à espera que acontecesse, aconteceu: o aumento das doenças transmissíveis, em particular a cólera e a malária", mas o governo moçambicano "está a dar a resposta possível". Exemplificou com a campanha de vacinação contra a cólera e a distribuição massiva de redes mosquiteiras para evitar a propagação da malária..Sublinhou ao DN: "As más condições de vida, falta de condições higiénico-sanitárias, infraestruturas de saneamento básico, mas esse é um problema da pobreza, o fundo disto tudo é a pobreza, se as pessoas fossem menos pobres, o impacto do ciclone Idai seria menor.".À pergunta sobre o porquê das pessoas não estarem já vacinadas contra a doença, justificou: "A vacina contra a cólera é nova e é preciso coordenar tudo isto com a OMS, o que está a ser feito." Concluindo: "Veio o ciclone e fez-se o que era possível, ainda é cedo para fazer um balanço do que devia ter sido feito."