Pires de Lima quer Brisa de volta ao TGV - ainda à espera por indemnização do Estado
"Já comunicámos ao governo (...) a disponibilidade da Brisa para, em parceria com o Estado ou num projeto mais alargado, estudar e avaliar o projeto TGV." Foi desta forma que o empresário Pires de Lima colocou de novo a concessionária de autoestradas na rota da alta velocidade em Portugal. Mas o líder da Brisa aponta para um negócio em que a empresa pertencia ao consórcio que ainda aguarda uma indemnização de 192 milhões de euros do Estado relativamente ao primeiro projeto de alta velocidade.
A primeira viagem da Brisa na alta velocidade remonta a 2009. A concessionária era uma das duas maiores acionistas - com a construtora Soares da Costa - do consórcio Elos, que incluía mais sete entidades, entre construtoras e banco. O consórcio, em dezembro desse ano, ganhou a concessão do troço ferroviário entre Poceirão e Caia, na fronteira com Espanha. O acordo assinado em 2010, ainda no tempo de José Sócrates como primeiro-ministro, era válido por 40 anos e implicava um investimento total de cerca de 1,65 mil milhões de euros.
O troço incluía uma linha dupla de alta velocidade para tráfego de passageiros e uma única linha convencional para transporte de mercadorias, com paragem intermédia em Évora.
Mais de dois anos depois, o Tribunal de Contas "chumbou" o contrato, alegando falta de informação sobre cabimento orçamental do documento e ilegalidades do procedimento de escolha da proposta. Iniciou-se então o duelo com Estado, com o consórcio a reclamar 264 milhões de euros por causa dos custos de preparação do projeto e da obtenção do financiamento.
Em janeiro de 2013, o montante pedido ao Estado, para a indemnização, baixou para 169 milhões de euros, depois de um acordo com o Governo de Passos Coelho para transferir um pacote financeiro de 600 milhões de euros para a Parpública. A discussão sobre a compensação acabou por mudar para tribunal arbitral, que começou a avaliar o caso em fevereiro de 2014.
A cláusula e a discussão para o tribunal arbitral levantaram polémica junto do Ministério Público, durante a Operação Marquês. A cláusula teria sido incluída a pedido dos privados e até teria sido, alegadamente, um plano delineado pelo primeiro-ministro José Sócrates para favorecer o grupo Lena (13%) - um dos acionistas do Elos e ao qual estava ligado Carlos Santos Silva.
Também faziam parte do consórcio a empresa espanhola Iridium (15,2%), as construtoras Odebrecht (13%), Edifer (7,6%) e Zagope (7,6%), além dos bancos Caixa Geral de Depósitos e BCP, ambos com 5,3%. Em 2019, o Novo Banco tornou-se no maior acionista da Elos, com 20,6% do capital, depois da compra das ações do grupo Lena e da Edifer devido aos processos de reestruturação de crédito, segundo o Observador.
A discussão da indemnização em tribunal arbitral foi considerada "obscura" pelos procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. Em causa estava o facto de nestes tribunais não haver juízes; apenas especialistas escolhidas pelas duas partes.
Dois anos e meio depois, em junho de 2016, o Estado foi condenado a pagar 149,6 milhões de euros. O árbitro designado pelo Estado votou, vencido, a decisão do tribunal, por considerar incorreta em termos de facto e de direito (...) em linha com o que foi defendido na contestação do Estado e nas respetivas alegações escritas ".
Antes, o então Ministério do Planeamento e das Infraestruturas tinha requerido o afastamento do árbitro nomeado pelos privados por então ser vice-presidente da mesa da assembleia-geral do BCP, um dos acionistas da Elos. O Estado perdeu na primeira instância e considerou como inconstitucional a cláusula no contrato que levava ao pagamento da indemnização, alegando que o contrato nunca tinha existido formalmente por causa do chumbo do Tribunal de Contas.
O consórcio Elos, com esta decisão, avançou, em abril de 2018, com uma ação de execução do Estado em 192 milhões de euros, mais 43 milhões de euros do que o valor determinado em 2016 por causa dos juros.
O caso parece estar longe de estar resolvido mais de três anos depois da ação dos privados. "O processo de contencioso referente ao consórcio Elos ainda não tem decisão definitiva, pelo que, o Estado ainda não procedeu a qualquer pagamento", assim responde ao Dinheiro Vivo o Instituto da Mobilidade e dos Transportes.
A eventual indemnização ao consórcio foi apontada como um risco pelo Conselho das Finanças Públicas em abril deste ano, no âmbito do relatório sobre as fraquezas do Plano de Estabilidade para o período 2021-2025.
A Brisa parece estar disposta a entrar de novo na alta velocidade mesmo correndo o risco de voltar a perder o passo. "O TGV é uma oportunidade onde queremos estar mas dançaremos a música que o Governo entender que deve tocar", referiu Pires de Lima ao semanário Expresso da passada sexta-feira.
Da alta velocidade em Portugal, o único sinal visível é um viaduto ao lado da linha de Cintura e que foi construído junto à estação de Braço de Prata. Mesmo sem linhas novas, a alta velocidade em Portugal custou 152,9 milhões de euros aos contribuintes: 120 milhões de euros para a contratação de estudos e de consultorias em 12 anos; e 32,9 milhões de euros para a atividade da empresa Rede de Alta Velocidade Ferroviária.