PGR suspende diretiva sobre poderes das chefias do MP. Marcelo fala em "passo importante"
Numa nota enviada esta terça-feira às redações, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informa que pediu um parecer complementar ao Conselho Consultivo sobre o "regime de acesso ao registo escrito de decisões proferidas no interior da relação de subordinação hierárquica".
Até que o Conselho Consultivo emita este parecer complementar, a PGR decidiu suspender a publicação em Diário da República da diretiva.
A diretiva que reforça os poderes da hierarquia sobre a autonomia dos procuradores estava prevista para ser discutida no início da reunião desta terça-feira do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), disse à Lusa fonte ligada ao CSMP.
Segundo a mesma fonte, alguns membros do Conselho Superior do Ministério Público tinham ficado desagradados com o facto de a procuradora-geral da República, Lucília Gago, ter transformado um parecer do Conselho Consultivo da PGR numa diretiva sem antes o colocar à discussão no próprio CSMP, motivo pelo qual pretendem suscitar a questão no Período Antes da Ordem do Dia (PAOD).
Foi no inquérito ao caso de Tancos que tudo começou. A polémica em torno da diretiva da Procuradora-Geral da República em que a doutrina passa a ser que a hierarquia pode intervir nos processos-crime, "modificando ou revogando decisões anteriores" dos procuradores, deriva de uma ordem hierárquica no processo do roubo de armas em Tancos e já se transformou num debate sobre a autonomia do Ministério Público (MP) e a intervenção do poder político, O líder sindical dos magistrados do MP diz que é "o maior ataque à autonomia dos magistrados alguma vez efetuado no regime democrático". Lucília Gago diz que não é verdade, mas os partidos políticos querem ouvir as suas explicações.
O início foi assim: Albano Morais Pinto, diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), deu instruções aos três procuradores que dirigiam a investigação de Tancos em que o proibia a inquirição, por escrito, de titulares de cargos políticos, o presidente da República e o primeiro-ministro. Para justificar a ordem hierárquica, Morais Pinto invocou a "dignidade" e a "alta função" dos cargos de Marcelo e Costa para impedir a sua inquirição.
No despacho que fez, segundo foi noticiado pela revista Sábado, Morais Pinto defendeu que a competência para realizar inquirições ao presidente da República e ao primeiro-ministro pertence aos serviços do Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça. E ordenou que fossem eliminadas dos autos as 48 perguntas que os procuradores Vítor Magalhães, Cláudia Porto e João Valente pretendiam ver respondidas, enquanto testemunhas, por Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa. Os três procuradores exigiram que o diretor do DCIAP colocasse a ordem por escrito, o que resultou no referido despacho de 30 páginas.
Esta ação de Morais Pinto foi entendida em alguns setores do MP como uma interferência no trabalho dos procuradores. Foi na sequência das dúvidas criadas que Lucília Gago decidiu pedir o parecer ao Conselho Consultivo. E fê-lo após sugestão, em outubro passado, do Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), onde o tema motivou divergências. O CSMP é formado por 18 membros, entre procuradores, membros eleitos pela Assembleia da República e membros designados pela ministra da Justiça e é presidido pela procuradora-geral da República
Nesta altura já soava o alarme no Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), com advertências públicas: "Sem autonomia interna, a autonomia externa do Ministério Público corre o risco de se transformar numa fraude para o povo em nome do qual a justiça é administrada." O SMMP apelou então à procuradora-geral da República e ao CSMP para que "determinem a proibição e correspondente punição de práticas ilegais que são e serão sempre insustentáveis".
Na investigação do caso de Tancos, os procuradores quiseram ouvir o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e o primeiro-ministro, António Costa, sobre os factos que envolvem a Polícia Judiciária Militar na recuperação das armas furtadas, mas o diretor do Departamento Central de Investigação e Ação Penal, Albano Pinto, e a procuradora-geral da República opuseram-se, no que foi visto como um conflito entre a autonomia dos procuradores e a obediência à hierarquia.
Na última semana o SMMP anunciou que vai impugnar judicialmente a diretiva da PGR sobre a intervenção da hierarquia em processos judiciais e exigir, por abaixo-assinado, que Lucília Gago revogue a orientação.
O CSMP é formado por 18 membros, entre procuradores, advogados, membros eleitos pela Assembleia da República elementos designados pela ministra da Justiça, sendo presidido pela procuradora-geral da República.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou esta terça-feira que a procuradora-geral da República, Lucília Gago, "deu um passo importante" ao pedir novo parecer e suspender a diretiva sobre poderes hierárquicos no Ministério Público.
"Ao dizer que vai pedir novo parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR), portanto, parando, até se conhecer esse parecer, a aplicação da diretiva, eu penso que a senhora procuradora-geral deu um passo importante no sentido de, por um lado, esclarecer dúvidas, que eram muitas e existiam, e, por outro lado, contribuir para uma distensão numa magistratura que é muito importante", declarou o chefe de Estado, em resposta aos jornalistas.
Marcelo Rebelo de Sousa, que falava na varanda do Palácio de Belém, em Lisboa, defendeu que é fundamental haver "um Ministério Público forte, coeso, com meios e em condições de prosseguir a sua missão" de combate à criminalidade, à ilegalidade "e em particular à corrupção".
"Sem eu estar a formular um juízo, que não formulo juízos sobre essa matéria, parece-me que é uma iniciativa que permite ir ao encontro de dúvidas suscitadas perante o parecer anterior e, portanto, perante a diretiva, e, por outro lado, contribuir para aquilo que é o mais importante que é garantir-se um Ministério Público forte, um Ministério Público coeso e um Ministério Público que possa cumprir a sua missão", reforçou.
O Presidente da República acrescentou que "não pode haver dúvidas de que o Ministério Público tem uma função fundamental que, se não for ele a cumprir, ninguém a cumprirá".
Questionado sobre esta decisão de Lucília Gago, Marcelo Rebelo de Sousa começou por dizer que, pelo que compreendeu, a procuradora-geral da República "entendeu que devia pedir ao Conselho Consultivo da PGR o esclarecimento de uma questão que é muito importante, talvez a questão mais falada e mais importante, que é de saber qual é o grau de publicidade, isto é, de conhecimento público, e de acesso que os cidadãos podem ter às decisões que sejam tomadas relativamente a processos pendentes no Ministério Público".
O chefe de Estado referiu que "essa era uma questão que estava a suscitar muitas dúvidas, muitas interrogações" e sobre a qual "o parecer anterior não se debruçava", o que "permitia dúvidas e críticas e até especulações sobre se poderia haver decisões secretas, decisões a que não houvesse acesso por parte dos cidadãos".