Petrolíferas querem ser parte da solução para a descarbonização da Europa
As petrolíferas querem ser parte da solução para a descarbonização da Europa e acreditam que, através da introdução, em larga escala, dos combustíveis líquidos de baixo carbono (LCLF), será possível chegar a 2050 com uma redução de 425 milhões de toneladas de carbono ao ano. Um número que corresponde a 90% das emissões do transporte rodoviário e a 50% do transporte aéreo e marítimo, garante a Fuels Europe, que hoje lança a iniciativa "Combustíveis limpos para todos".
A proposta de evolução da indústria de refinação sustentada nos combustíveis líquidos de baixo carbono não é uma novidade, constava já da "Visão 2050" apresentada pela indústria em 2018. Mas agora este caminho é quantificado pela Fuels Europe, a associação que reúne as 40 empresas petrolíferas que operam na Europa, que estima que será preciso investir 400 a 650 mil milhões de euros até 2050. Destes 30 a 40 mil milhões serão necessários já nos próximos 10 anos, para criar "várias unidades" de produção de biocombustíveis e de e-combustíveis, que poderiam produzir até 30 milhões de Toe (toneladas ao ano equivalentes de petróleo) no mesmo período, com as primeiras fábricas a começarem a operar o mais tardar em 2025. "Isto não é ficção, é robusto. Todos os estudos que fizemos apontam não só para a disponibilidade das matérias-primas necessárias à produção destes biocombustíveis, mas, também, o estado de maturidade das tecnologias necessárias", explica o diretor-geral da Apetro, a Associação Portuguesa de Empresas Petrolíferas.
Antes de mais, o que são combustíveis líquidos de baixo carbono, os LCLF na sigla inglesa? São combustíveis líquidos sustentáveis, de origem não petrolífera, com emissões de CO2 "nulas ou muito limitadas", durante a sua produção e utilização, comparativamente com o petróleo e outros combustíveis fósseis. E incluem tecnologias várias, como os biocombustíveis de primeira geração, que já hoje são incorporados no gasóleo e a na gasolina, mas, também, a hidrogenação de óleos vegetais, desperdícios e resíduos, a biomass-to-liquid (BTL), os biocombustíveis avançados e os e-combustíveis complementados com a captura e sequestro de carbono (CCS) e o hidrogénio verde aplicados nas refinarias. Ou seja, não se trata de um produto específico, mas de uma família de produtos que "têm como ponto comum terem emissões zero ou quase zero, num ciclo de vida completo, e apresentarem características químicas idênticas às que têm hoje os combustíveis fósseis", destaca António Comprido.
O que significa que, além da "facilidade de armazenamento e manuseamento", esta nova geração de combustíveis líquidos tem a grande vantagem de permitir o uso das infraestruturas existentes, designadamente de refinação, mas também de distribuição, "evitando tornar ociosos muitos dos ativos de qua a indústria hoje dispõe", com os consequentes "custos económicos e sociais que a perda de postos de trabalho acarreta".
Os LCLF permitem, ainda, que se continue a usar a frota existente, ao contrário, por exemplo, da mobilidade elétrica. Por outro lado, a descarbonização dos transportes, sobretudo na aviação e transporte marítimo transoceânico, "não será possível sem o uso de combustíveis líquidos", acredita António Comprido, lembrando que as alternativas atuais "ou não existem ou o seu desenvolvimento em escala é mais complexo".
A proposta da indústria da refinação não pretende substituir-se à eletrificação em larga escala, prevista no roteiro para a neutralidade carbónica da União Europeia, diz o diretor geral da Apetro, que garante: "Os LCLF são complementares e não alternativos a outras formas de energia, nomeadamente a eletricidade, terão que concorrer e conviver com eles".
O que é, então, preciso para avançar com esta transformação? O primeiro problema é que nenhuma legislação reconhece o contributo destes combustíveis para o "melhor desempenho" dos veículos em termos de emissões, pelo que a indústria pede a implementação de uma "moldura legislativa que reflita essa contribuição positiva". Como? Adotando um critério de ciclo de vida completo para a medição das emissões. "As emissões hoje são medidas, apenas, à saída do tubo de escape, o que está a empurrar os fabricantes de automóveis para a eletrificação e para o hidrogénio. A nossa visão é que o que interessa, ao fim e ao cabo, em termos de emissões, é o ciclo de vida completo. No limite, se estiver a usar eletricidade produzida a partir de carvão, as emissões à saída do tubo de escape são nulas, mas em termos de ciclo de vida completo, não estou a reduzir nada", diz António Comprido.
Na prática, a indústria pede que seja criado um mercado para os LCLF, estabelecendo um "incentivo para os combustíveis com menor pegada de carbono em relação aos convencionais". Pede, ainda, "mecanismos de apoio aos investidores", tanto em termos de acesso a fundos públicos e privados, como de tratamento fiscal favorável, com uma tributação "muito baixa ou nula" para os combustíveis de baixo carbono, de forma a permitir que estes tenham um preço "socialmente aceitável e que atraia os investidores". "Isto obriga a rever muita da legislação existente, nomeadamente a diretiva da qualidade dos combustíveis, a diretiva das energias renováveis e outro aspeto muito importante, que a Comissão Europeia está neste momento também a abordar, que é a questão da maneira como a energia é tributada", diz António Comprido, que explica: "Neste momento pagamos impostos sobre a energia que consumimos, independentemente da qualidade dela em termos de emissões. O que nós sugerimos é que a tributação seja sobre o carbono e não sobre a energia. Os biocombustíveis de baixo teor de carbono, tal como a eletricidade renovável, estariam isentos ou pagariam uma taxa muito inferior à que pagam os atuais combustíveis fósseis".
Além disso, claro, o sector pede que sejam dadas indicações claras aos investidores, ao nível da "previsibilidade e da estabilidade" regulatória e fiscal, para fomentar o desenvolvimento necessário. "Isto é válido para os combustíveis líquidos de baixo carbono, como é válido para a eletricidade, para o hidrogénio e para todas as formas de energia. Estamos a falar num horizonte de 2050, e para além disso, precisamos de um quadro fiscal que tenha, também, uma estabilidade e previsibilidade no mesmo horizonte", sustenta.
A indústria garante que não quer tratamento preferencial, mas quer ser considerada parceira para a descarbonização em igual circunstância das restantes tecnologias. "Não estamos aqui a pedir subsídios ou investimento de Estado. Queremos ser parte da solução, não queremos ser olhados como parte do problema", sublinha.