Pep Guardiola, o apóstolo separatista
Apesar dos esforços de Carles Puigdemont para "internacionalizar" o procés (eufemismo que designa uma estratégia totalitária mascarada de vítima do fascismo), o maior propagandista do independentismo catalão é um antigo médio defensivo do FC Barcelona. Josep Guardiola i Sala é um perfeito lobo com pele de cordeiro: cordial, fleumático e cosmopolita. Depois de se destacar na equipa blaugrana e na seleção espanhola, jogou em Itália (onde acusou nandrolona, um anabolizante), no Qatar e no México. Uma vez concluído o curso de treinador, dirigiu o Barça no período mais glorioso de sempre: 14 títulos em quatro anos.
No clube do coração foi némesis e antítese de Mourinho, então no Real Madrid: educado e sibilino frente à agressividade, pouco subtil, do Special One. No Bayern de Munique não deixou registos memoráveis - foi mais elogiado por aprender alemão e envergar a fatiota bávara que pelos troféus alcançados. Só recentemente, no segundo ano em Inglaterra, conseguiu recuperar o crédito perdido após conquistar a Premier League com registos implacáveis e futebol de excelência.
No comando do Manchester City acumula, desde há meses, uma nova função: a de apóstolo da república da Catalunha, uma ficção sustentada com demagogia. "Tudo o que fizeram nestes anos seis milhões de pessoas, saindo à rua, fizeram-no de forma pacífica, do presidente Puigdemont ao último [catalão]", disse Pep em março. É provável que o observador incauto não descubra nesta afirmação, em aparência inocente, as três mentiras que contém: por um lado, a maioria dos catalães prefere continuar ligada a Espanha, como demonstram todos os estudos de opinião e as eleições até à data (os votos independentistas rondam os dois milhões); por outro, houve e continua a haver ameaças e outras formas de intimidação violenta, para não falar de confrontos com as forças de segurança. Por fim, a Catalunha continua sem presidente e Carles Puigdemont é um fugitivo internacional.
"Tentar impor à força um projeto excludente a metade da população não é democrático" argumentou o ministro espanhol do Interior, Juan Ignacio Zoido. Guardiola tinha considerado também uma "grande injustiça" comparar o movimento separatista catalão com a ETA ou a kale borroka (a extinta "luta de rua" no País Basco, equiparada aos incipientes Comités de Defesa da República Catalã). Zoido retorquiu que "o assédio contra juízes, jornalistas, polícias e todos aqueles que não comunguem do independentismo [também] é violência".
Ser ou não ser violento, eis - pelos vistos - a questão. Os juízes alemães que recusaram extraditar Puigdemont por um delito de rebelião admitem que houve violência, mas alegam que foi insuficiente para vergar o Estado - como se o único critério para julgar um crime fosse o êxito ou fracasso. A ser verdade, o golpe militar frustrado em Espanha em 1981 não mereceria qualquer castigo, mas os cabecilhas cumpriram, evidentemente, penas de prisão elevadas.
Hans Kelsen, considerado o maior teórico do Estado de direito do século XX, escreveu que há golpe quando "o ordenamento jurídico de uma comunidade é nulificado e substituído de forma ilegítima por um novo ordenamento", que é precisamente o que aconteceu na Catalunha no outono passado (o recurso à força é "indiferente" para o jurista e filósofo austríaco).
Guardiola foi multado em 20 mil euros por ostentar um laço amarelo na lapela - "símbolo político" segundo a Federação Inglesa, "opinião pessoal" na interpretação do infrator, que continua a usar o laço e a aproveitar o púlpito da liga mais mediática do planeta para espalhar mensagens supostamente apolíticas. Já em 2015 tinha concorrido às eleições catalãs (de maneira "simbólica", explicitou) na coligação que promoveu a independência com o apoio decisivo da CUP, a formação de extrema-esquerda que propôs boicotar o Parlament se os independentistas perdessem.
Tudo muito democrático, enfim. Definição de totalitário: "Que não admite divisões nem fracionamentos." No "povo único" que vende Guardiola (sol poble), a vitória do Ciudadanos nas eleições de dezembro - com 25% dos votos, mais 200 mil do que o partido de Puigdemont - não pode nem deve ter acontecido. O pensamento mágico tem destas coisas.