Malaquias, "um nome fácil para qualquer criança", sem erres nem pês, é o herói dos primeiros livros dirigidos às crianças com a assinatura de Mário Cordeiro. São dois, para já. Malaquias Não Gosta de Perder e Malaquias Não Resiste a Um Chocolate..Aos vários livros que já editou, de ficção e dirigidos aos pais, esta é a primeira vez que escreve diretamente para as crianças. Miúdos entre os 3 e os 6 anos, mais concretamente, que estão na "fase pré-simbólica", "em que o concreto conta muito", mas em que a dimensão ética já lá está, tal como "a curiosidade de saber com o mundo funciona". "Percebe-se que cada vez mais há interrelacionamento entre as coisas e as pessoas, percebem que vivem num ecossistema e numa teia em que as nossas ações e e as dos outros se tocam, acrescenta. "É quando percebem que há um mundo que lhes causa contrariedade...". Por outras palavras, quando as crianças dizem: "Mas o pai/mãe disse que ia", imita Mário Cordeiro. Junta-se aqui também a ideia de que "os pais sabem tudo". "Que é muito bom nesta altura", afirma o médico. "Eles acreditam que quando o pai diz que amanhã vão à praia, o pai tem o dom de mudar o tempo". É assim que eles percebem que os pais são humanos? "Exato". "Mas é necessário nessa idade que eles achem que os pais são deuses, porque as crianças têm medos, medo do abandono, não são autónomos, é bom que tenham ideia que os pais conseguem desenrascar as situações todas para sentirem segurança.".Sobre isso, versam as histórias criadas por Mário Cordeiro. Em concreto: da frustração de perder e a raiva, por um lado; do furto, por outro. No final, Mário Cordeiro dedica tempo aos pais, explicando como devem lidar com estes casos."No fundo, também é para os pais", diz, em entrevista ao DN, no seu consultório, em Lisboa..O embrião da coleção As Aventuras do Urso Malaquias nasceu em casa do pediatra, pai de cinco filhos. "Havia uma personagem que era o menino Presuntino, com duas irmãs, Fiambrina e Baconzinha". Recorda, por exemplo, a história de quando Presuntino comeu a gelatina com frutos que a mãe tinha feito para amigos que vinham jantar a casa. O menino não só a comeu como deixou o gato assumir a responsabilidade pelo que não tinha feito. À noite, a mãe ouve barulhos vindos da casa de banho, era Presuntino com diarreia. Mário Cordeiro faz um parêntesis: escatologia intencional (para captar a atenção das crianças). A história termina com a porta aberta para o gato regressar ao lar e uma palmada no rabiosque de Presuntino. A dramatização era essencial nas histórias. "Os amigos iam embora e a mãe passava uma vergonha. E um deles até me disse um dia que os amigos tinham sido maus, o que levantava outro problema.".Estão previstos mais quatro volumes, dois a serem publicados em fevereiro e dois em abril. Sobre o medo e como vencê-lo, sobre achincalhamento e crescer à custa dos outros, mentira, ciúme e inveja, elenca Mário Cordeiro sobre os temas. Raquel Santos é a ilustradora. Das várias possibilidades que lhe foram dadas, foi a que mais gostou. "Alguns esteticamente não gostava muito, outros não tinham a ver, outros era muito cheios..." Elogia à artista como captou as expressões das personagens. Além do urso Malaquias, há uma gata, um cão, uma girafa, um macaco, um leão e duas cadelinhas, que são um piscar de olhos à sua própria cadelinha, que, como as personagens, tem uma orelha mais pequena do que outra..Igualdade de género e Porto Editora.Os livros são editados pela Porto Editora, a mesma que esteve envolvida em controvérsia no verão por causa de livros de atividade para rapazes e para meninas, alvo de uma recomendação de que fossem retirados por parte do Ministro-Adjunto Eduardo Cabrita, que tutela a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG). Esta semana, os dois livros de atividades -- para eles e para elas -- voltaram ao mercado.."Há em Portugal desigualdades de direitos de género", começa por dizer o médico. "Não há uma igualdade de género nem deve haver, há sim direitos. É indecente que uma mulher que trabalha igualzinho a um homem tenha um salário mais baixo, não é admissível, ponto. Ou um homem ter mais dificuldade num tribunal de família. Ou um homem que quer levar um filho à casa de banho e está tramado porque só há fraldário na casa de banho das senhoras", acrescenta. "Isso tem de ser tudo corrigido. São factos reais, são injustos e têm de ser retificados. Têm de se identificar tudo o que são atentados à igualdade num país em que a igualdade existe constitucionalmente.".Outro assunto, separa, é o dos livros. "O que achei é pegar nisto e dizer que há uns que querem levar as mulheres para a caverna quando há coisa muito mais graves". "Os brinquedos eram uma representação do presente e definiam um papel para o futuro. Porque elas iam ser mães e eles iam ser aceleras. Hoje, é evidente que as crianças devem brincar com o que querem. Esbateu-se. O que me parece mal é quererem fazer um chirivari deste assunto. A própria dificuldade dos labirintos, há tantas crianças como as que existem, podiam pedir 'constrói o teu labirinto'", refere, lançando outro exemplo: "Porque é a comissão nunca de pronunciou por haver uma SIC Mulher? Assim como há revistas femininas e masculinas. Este tipo de discussão leva a que leve a discussão para fait divers completos". Sobre as decisões tomadas, diz que já falou com o presidente da empresa e esclarece que "preferia que a Porto Editora tivesse dito que ia rever estes aspetos no próximo livro. Não acho que seja necessário o Governo meter-se", conclui, admitindo tratar o tema da igualdade (de género e não só) numa das aventuras de Malaquias..As duas primeiras histórias são apresentadas amanhã, dia 30, às 12.00, na livraria Barata, na Avenida de Roma, com debate entre pediatra e público, moderado pela jornalista Helena Gatinho. "Crianças e cães são bem-vindos!", promete..Malaquias Não Gosta de Perder e Malaquias Não Resiste a Um Chocolate é editado pela Porto Editora (32 páginas, 10, 90 euros).