PC chinês aposta na tecnologia e na repressão em Hong Kong
No ano passado, nas duas sessões da Assembleia Nacional Popular e do Comité Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês, excecionalmente adiadas para maio devido à pandemia, o líder chinês declarou vitória sobre o novo coronavírus e foi apresentada a legislação sobre a segurança nacional em Hong Kong, a qual pôs em causa o regime de autonomia parcial do território.
Desta vez, Hong Kong continuará no radar, num momento em que alguns dos mais importantes ativistas estão a ser julgados, e Pequim vai apostar em políticas que a tornem menos dependente do exterior, quer ao nível da produção tecnológica, quer das exportações, apostando no crescimento do mercado interno.
Em menos de um ano, as tensões externas, em parte alimentadas pela repressão interna em Hong Kong e no Xinjiang, mas também questões fronteiriças e territoriais com a Índia, Taiwan e no Mar do Sul da China, não arrefeceram. Tal como a rivalidade e as desinteligências ao nível do comércio, da pandemia e dos direitos humanos com os Estados Unidos, mas também com a Austrália e o Japão, pelo que estas duas reuniões magnas, um momento de afirmação do Partido Comunista Chinês por norma com uma agenda interna, refletirão esta nova realidade.
No primeiro grande discurso enquanto secretário de Estado norte-americano, na quarta-feira, Antony Blinken reafirmou a visão dos EUA em relação à China como "o maior desafio geopolítico do século XXI" e prometeu lutar pelos direitos dos uigures e dos cidadãos de Hong Kong . "A China é o único país com o poder económico, diplomático, militar e tecnológico para desafiar fortemente o sistema internacional estável e aberto, todas as regras, valores e relações que fazem com que o mundo funcione da forma que desejamos", disse Blinken.
Hong Kong dominou as atenções durante as duas sessões do ano passado, quando os delegados aprovaram uma lei de segurança que põe em xeque a oposição ao controlo de Pequim da cidade semi-autónoma, após meses de protestos nas ruas. Depois de nas últimas semanas os meios de comunicação estatais terem publicado editoriais a anunciar que as "lacunas eleitorais" no território serão colmatadas, e os funcionários do partido defenderem "patriotas fervorosos" em exclusividade no governo de Hong Kong, antecipa-se mais um conjunto de decisões que visem esmagar os movimentos pró-democráticos.
Desconhece-se que medidas serão tomadas em concreto, mas as agências noticiosas adiantam que devem passar por mudanças no sistema eleitoral de Hong Kong , como a remoção de alguns lugares nos conselhos distritais. Nas eleições de 2019 a oposição a Pequim alcançou uma vitória clara nos conselhos distritais.
Para Diana Fu, cientista política da Universidade de Toronto, a legislação a aprovar pela assembleia que reúne mais de 3000 delegados vai ser mais um passo para o "controlo total sobre quem governa Hong Kong, de cima para baixo", pelo que "a retórica de Pequim sobre ter "patriotas" a governar Hong Kong é um sinal não muito subtil para o campo pró-democracia de que devem preparar-se para recuarem ou serem reprimidos".
A China está a evoluir de um fabrico de bens de menor valor para a "intensividade tecnológica", disse Zuo Xiaolei, um economista de Pequim. "A China está a passar da luta contra o coronavírus para o regresso aos objetivos de desenvolvimento a longo prazo", disse por sua vez o economista do Citigroup Li-Gang Liu. Nas últimas duas décadas, o país mais populoso do mundo tem desenvolvido a indústria tecnológica, mas os fabricantes de smartphones, tablets, etc. ainda estão dependentes de chips e outros componentes de alta tecnologia de fornecedores de economias mais avançadas.
Para o ministro da Indústria Xiao Yaqing, a China precisa de desenvolver uma cadeia de abastecimento "independente e controlável", uma referência à pressão oficial sobre os fabricantes para que utilizem mais componentes e tecnologia produzidos internamente, mesmo que custem mais. Xiao deu como exemplo de prioridades circuitos integrados, telecomunicações de próxima geração e carros elétricos. O país precisa de "acelerar o desenvolvimento da economia digital", disse Xiao em conferência de imprensa. Esta questão assumiu uma renovada importância estratégica depois de Donald Trump ter aplicado sanções à Huawei e feito guerra à entrada desta empresa no mercado 5G.
O 14.º plano quinquenal, a aprovar nestas duas sessões, vai apostar na estratégia da dupla circulação, na qual os mercados interno e externo se reforçam mutuamente, mas com o mercado interno como pilar, e espera-se que sejam definidas políticas concretas. Segundo Justin Yifu Lin, antigo economista-chefe do Banco Mundial, em declarações à Xinhua, a dupla circulação é "uma escolha estratégica e vantajosa para a China reformular a sua cooperação internacional e uma nova vantagem competitiva".
Na sexta-feira, o primeiro-ministro Li Keqiang vai anunciar a meta de crescimento anual, algo que não fez no ano passado devido às incertezas causadas pela pandemia. Após o crescimento de 2,3% no ano passado, os analistas dizem que Li Keqiang poderá colocar a fasquia nos 7%.