Após 18 anos de profissão, Paulo Nicolau ainda é capaz de se surpreender. "Em casas particulares, há pessoas que não merecem aquilo que têm...", diz quase entredentes. O técnico de controlo de pragas da Truly Nolen não se alonga em pormenores. A discrição é uma das almas deste negócio em que lida diariamente com a bicharada que ninguém quer ver. "Para nós, eles [os bichos] são todos bons", brinca enquanto repete a operação de trocar as "colas" nas armadilhas para ratos numa fábrica..Segue caixa a caixa, todas colocadas junto às entradas (portas e portões) e nos recantos mais escondidos da unidade fabril. Nas duas dezenas de caixas inspecionadas, só um grilo colado ao papel - era o que deveria acontecer a um qualquer rato que ali entrasse. Nem um ratinho para amostra? Paulo ria-se. Não, e é bom sinal. A cada dois meses substitui as "colas", um produto não tóxico, com um cheiro que atrai os roedores. Utiliza sempre luvas, até porque se o rato sente o odor humano, já não se aproxima da armadilha. As estratégias para a eficácia das armadilhas têm-se aperfeiçoado. Nas caixas exteriores, o veneno tóxico que é utilizado é anticoagulante e os animais só morrem 72 horas depois, já longe daquele local. "Senão, os ratos alfas, que vêm ver o que é isto, morrem aqui e os outros já não vêm", explica Paulo Nicolau..O rato é uma das principais pragas urbanas (a par da barata-de-esgoto) e há três tipos: o pequenino, que é o Mus musculus, o Rattus rattus (conhecido por rato do telhado) e o Rattus norvegius (a ratazana). "A ratazana passa em qualquer buraco porque é só cartilagem, por mais pequena que seja", avisa. O odor a urina é uma das formas de se detetar a presença destes roedores, especialmente se houver grande concentração, explica Paulo Nicolau. Também no caso das baratas, o cheiro é um aliado destes homens. "É um odor próprio, uma feromona que é detetável", explica..Estes são alguns dos preceitos da profissão que só a prática apura. Nos cursos de formação não se ensinam os cheiros. Paulo, 43 anos, é o funcionário mais antigo da empresa a seguir a Luís Morais, o responsável pelo departamento técnico. Por vezes, quando sabem que vão a locais com muitas baratas ou ratos, levam os estagiários para que estes aprendam a que cheiram..Paulo nunca pensou vir a ser exterminador de pragas. Antes trabalhava numa empresa de balcões frigoríficos, mas problemas de coluna aconselharam a uma atividade mais suave e acabou por se dedicar à bicharada. Conduz um daqueles indiscretos carros amarelos com orelhas pretas, focinho e pestanas da multinacional norte-americana. Agora já não os mandam parar na rua, como no início, quando era novidade. Ah, espera, os turistas ainda mandam - um dia Paulo ia a passar junto ao Museu dos Coches e foi abordado por turistas orientais que fizeram fotografias e até posaram junto ao carro rato. Encostaram-se, posaram, sem vergonha nenhuma - conta ele.."À segunda-feira é que é giro", duas dezenas de carros da Truly Nolen parados junto à sede da empresa, em Santo Antão do Tojal, brinca Dalila Casanova, responsável pelo marketing. Durante o resto da semana revezam-se, só voltam ali para reabastecer de material. Todos os carros estão equipados para responder a qualquer tipo de pragas. Normalmente os técnicos atuam sozinhos (a equipa só aumenta quando são trabalhos grandes), e os que acorrem às chamadas de clientes particulares fazem o orçamento (o preço mínimo são 120 euros) e atuam de imediato. "As pessoas ligam para cá aos gritos, têm a praga ativa", não há tempo a perder, explica Dalila (pudera!)..Por isso, Paulo anda normalmente sozinho no carro com orelhas, que até faz parecer que as pragas são engraçadinhas - mas não são. As térmitas e o caruncho são as mais trabalhosas - e por isso as mais caras de debelar, explica Luís Morais. No caso de caruncho num soalho, é afagar o chão todo e aplicar um produto. Para as térmitas, há que fazer injeções nas paredes e nos rodapés. Pode levar seis a oito meses a fazer efeito. Os clientes, de cabelos em pé, não acham muita graça, claro está. E as baratas? Essas são erradicadas com recurso a pulverizadores, mas só se escondem se forem poucas. "As baratas não têm vergonha nenhuma", diz o exterminador de pragas. Mais uma vez, as espécies na ponta da língua: a Blatella germanica, conhecida como a barata dos cafés, a periplaneta americana, ou barata-de-esgoto, e a Blatta orientalis, que andam nas estruturas dos prédios e nas caixas de esgoto..Para a processionária-do-pinheiro, que ataca estas árvores, o aparato é grande: fato completo e pulverizador. Nesta altura do ano, "é cortar os ninhos e cintar a árvore". Importa-se de explicar? "Chama-se processionária porque andam em procissão e descem a árvore. O objetivo é chegarem ao chão e lá fazerem ninhos." No início do ano, impede-se esta procissão - atenção que a processionária é uma lagarta peluda, que até parece fofinha, mas é altamente tóxica, por isso cautela com crianças e animais domésticos. Em setembro/outubro atua-se de forma preventiva com injeções nos pinheiros. "O problema é chegar à fase adulta.".Luís Morais diz que as pragas não têm épocas do ano específicas. "Em tempos podia responder que sim, mas hoje a realidade é um pouco diferente com as mudanças climáticas, que são uma realidade. Mas continua a ser o tempo quente o melhor para as pragas." No terreno, Paulo Nicolau diz que as baratas gostam do calor, mas o rato, "desde que haja alimento, vai a qualquer lado"..Nos últimos anos, voltou uma praga antiga: os percevejos. Os turistas são os grandes transmissores. "Hoje temos turismo de todo o mundo e isso ajuda a propagar a praga, são transportados de hotel em hotel", explica Luís Morais..É também a praga mais persistente e difícil de combater porque "são bastante resistentes aos inseticidas". Paulo Nicolau explica que na maioria dos hotéis as paredes são ocas, pelo que pedem autorização para pulverizar o interior das paredes de pladur, que é onde eles se escondem. A lei diz que, depois da operação, deviam deitar-se nas camas a ver se continua a haver percevejos. Mas não há tempo para isso.