Passar as festas fora porque "também emigramos com os filhos"

Famílias partem para festejar Natal e Ano Novo com os filhos, netos, pais, primos e sobrinhos que vivem no estrangeiro. À volta de uma mesa bem portuguesa
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Duas malas grandes, uma pequena e uma mochila. Roupas, calçado, presentes, produtos de higiene, mas também o bacalhau, demolhado e seco, camarão congelado e azeite. Metidos no avião de Lisboa para Londres nas vésperas de Natal. A couve encomendada no supermercado Patisserie de Lisboa; o bolo-rainha no Café Porto, ambos em Portobello Market. E um salto a Stockwell, área portuguesa, para comprar vinho. Consoada e almoço de Natal bem portugueses, com um cheirinho britânico, as missy's pies e os christmas cracker. E o mesmo se passará no Ano Novo. Tudo à mesa da família Nobre e Silva , um ritual que se repete há três anos, desde que os filhos emigraram.

"De há três anos a esta parte acabaram-se os natais em Portugal, em Lisboa, onde vivemos, ou em Santarém, onde tenho casa. A vida muda e temos de nos adaptar". Helena Nobre, 56 anos, é inspetora de Educação e Ciência do Ensino Superior, para quem as viagens a Londres se tornaram uma constante desde que a filha emigrou. Sempre com várias malas para presentear com o que melhor há em Portugal. "Já levei couves e bolo-rei, agora não, encomendo. O bacalhau é que tem de ser ... e o azeite, que é das nossas oliveiras. O bolo-rei de lá também é muito bom e são filas enormes para comprar e não são só portugueses".

A filha, Joana Garcia, 30 anos, enfermeira especializada em cardiotorácica pediátrica, tinha duplo emprego, no público e no privado, e "não dava". Reduziram-lhe o custo das horas, impuseram-lhe recibos verdes, mas o pior era a falta de progressão na carreira. Decidiu responder a anúncios para trabalhar em Inglaterra. "Em três anos já fez vários cursos e foi promovida, é enfermeira sénior".

"Quando emigram os nossos filhos, nós também emigramos", explica João Silva, 60 anos, professor de desenho, marido de Helena, pai de André Silva, 33 anos, gestor. O rapaz tinha emprego em Portugal, "mas estava cansado de trabalhar muito e ganhar pouco", diz o pai.

João e Helena tinham filhos quando se casaram, ele dois e ela uma, e os mais velhos acabaram por deixar Portugal ao mesmo tempo, "até partilharam casa em Londres", conta João Silva. Satisfeito com a progressão profissional "dos miúdos", não sem revolta. "Passámos as nossas vidas a preparar os nossos filhos para servirem o País, para que aqui tivessem uma profissão honrada e inovadora. De repente, há uma crise e são obrigados a partir. Já viu o investimento que está naqueles miúdos? Pronto, foram-se embora, aqui para o lado, a 2.30 de avião, mas para fora do País. E nós vamos atrás". Natal e Ano Novo em Londres, para voltar a Lisboa a 2 de janeiro.

"É um Natal diferente. As pessoas vêm todas para a rua, as ruas estão muito enfeitadas Aqui sente-se que o dinheiro gira" explica Helena, horas antes da partida para Inglaterra. Nervosismo da parte dele sempre que viajam, com a chegada ao aeroporto mais de duas horas antes do embarque, mesmo com o check in feito online.

Viajam sempre pela TAP, desta vez com bilhete comprado quase três meses antes, cerca de 190 euros cada um. "Fui uma vez numa low cost e não gostei, não é para mim é para os jovens", diz ela. "Eu não tive problema, mas a senhora não quer e não se discute", diz ele. E, com as malas que levam, provavelmente, não iriam pagar menos. Ele também não oferece resistência quando ela altera os lugares reservados pela net, até por sugestão da funcionária. "Oh João, são as últimas cadeiras, nem se podem encostar para trás!". "Helena, mas estatisticamente está provado que os passageiros do fim do avião têm mais hipóteses de sobreviver em caso de acidente". Acrescenta depois para os jornalistas: "Já sabia que ela ia mudar os lugares. A minha esperança é que o avião tivesse tudo marcado". Duas horas e meia antes da partida?

Joana trabalha no Royal Brompton Hospital, por turnos e é difícil programar o Natal fora de Londres. Estas festas juntam-se num T0, finalmente uma casa própria para onde ela se mudou esta semana, em Chelsea. O aluguer mensal custa 1500 euros mensais, cerca de metade do que ganha. O dinheiro nem é a principal razão que a levou a emigrar, mas sim a possibilidade de formação e progressão na carreira. "Ela está a gostar. E diz-me muitas vezes: "Reconhecem o nosso trabalho, isso em Portugal não há"".

O mesmo sentimento tem André e os pais não preveem que regressem a Portugal tão cedo. "Esta emigração é muito diferente dos anos 60/70. Sou de Donas, uma aldeia do Fundão e, no meio tempo, só lá viviam crianças e mulheres. Agora, não só os emigrantes têm mais formação, como emigram com as famílias, além de que os tempos são outros. Mas numa coisa são iguais: ou se adaptam ou não, e eles adaptaram-se. É difícil voltarem", justifica João Silva.

Neto já inglês

Ricardo Figueiredo, 28 anos, também tinha emprego em Portugal, mas o dinheiro era pouco e sentia que iria fazer sempre a mesma coisa, trabalhar em lojas ou em supermercados. É porteiro num hotel em Londres e os primeiros anos foram para consolidar a vida na capital inglesa, o que passou por ter uma casa só para a família, até para receber quem os visita. Como os pais e a cunhada, com quem passaram a consoada e o Natal. Isto, apesar de ter a semana. Mas há quatro anos que emigrou e nunca veio a Portugal nas festas natalícias. "Não sei porquê, mas são mais baratas as viagens com ida e volta de Portugal do o que de Inglaterra", explica Ricardo. Tem sido sempre ele a oferecer as viagens. Quase três meses antes do Natal já tinha comprado os três bilhetes, por 250 euros na Easyjet.

Ricardo emigrou com a mulher, Tânia Nobre, 26 anos, há quatro anos, e o filho Simão de cinco anos. O Ayden, que está a fazer dois anos, já nasceu no reino de Sua Majestade. A Tânia tem-se ocupado das crianças, "aqui, normalmente, as mulheres ficam em casa até os filhos terem três anos". Têm bons apoios sociais e há poucas jardins de infância para estas idades. Em Portugal, chegaram a pedir-lhes 500 euros para uma creche para o Simão. No futuro, pensa voltar ao trabalho e a estudar. É também esse o sonho de Ricardo, a quem falta pouco para concluir o 12º ano e que sempre quis seguir informática.

Consoada e refeições de Natal com pratos e sobremesa portuguesas. "Eles têm um pudim, mas tem mau aspeto, nunca provei", diz Ricardo. Bacalhau e pato, depois mousse, arroz doce, bolo-rei, sonhos de abóbora, gelatinas e outras iguarias. Tudo com produtos adquiridos em Inglaterra, a maioria comprados num supermercado internacional, os mais raros, como as gelatinas, nas lojas portuguesas em Stockwell. O casal vive muito perto, em Streatham.

Os pais, Paula Cristina, 45 anos. empregada doméstica, e Armando Figueiredo, 48, soldador, viajaram há mais de uma semana, regressando este fim de semana. Pagaram extra para levar uma mala no porão, cheia de presentes, sobretudo para os netos. Passearam e jogaram cartas nos tempos livres com os filhos e os netos, grupo a que se junta a Cáudia, a irmã de Tânia. Uma das visitas foi à Wldland. E hoje é o Boxing Day, o Black Day do Natal, mas a confusão que provoca fá-los hesitar em sair de casa.

"Há muita gente na rua, os enfeites são mais ricos, aqui o tempo passa muito depressa", conta Paula Cristina, que está pela segunda vez em Londres. A primeira foi aquando do nascimento do segundo neto. O marido é que é um estreante e estranha que em Inglaterra seja tudo ao contrário. "Até as torneiras, a água quente é para o outro lado".

Treinar para Erasmus

Miguel Ferreira, 20 anos, estudante de Geografia e Planeamento, já está de malas feiras para levantar voo para Praga, na República Checa, onde o primo, Ricardo Varanda, da mesma idade, faz Erasmus em Gestão. Camisolas e casaco muito quentes. Ainda não sabe se levará espumante para abrir às 12 badaladas, nem tão pouco como irá festejar a entrada do Novo Ano. "Vou no dia 31, chego às 13:00 e 12 horas depois é a passagem de ano, o meu primo é que vai tratar disso."

Viaja pela TAP e Lufthansa, bilhete que lhe custou cerca de 230 euros. "É mais caro nesta altura e nem era para ir, mas também é uma aventura fazer a passagem do ano fora de Portugal. Trabalho sempre no Verão e andei a fazer economias, fui eu que financiei a viagem. E, também, sabia que me iam ajudar no Natal".

Aliás, o Ricardo veio a Portugal passar o Natal com a família, tal como outro primo que está em Erasmus, mas também ele quis fazer a Passagem do Ano em Praga. E, além do Miguel, terá a companhia do irmão, sem previamente combinarem entre os três. Uma boa coincidência juntarem-se naquela que é conhecida pela "cidade das cem cúpulas" e onde os estudantes portugueses têm forte presença. Ficam todos na mesma residencial, onde vão pagar sete euros por noite. Os rapazes preveem uma grande farra.

Miguel regressa no dia 6. É a primeira vez que viaja só para tão longe. Falta pouco. "Andava há muito tempo a programar esta viagem. Falava com o meu primo pelo skype e ele dizia que era uma cidade engraçada para visitar. E há muito tempo que queria fazer uma viagem grande. E é também para entrar no espírito do Erasmus, que quero fazer".

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