Parlamento vai entrar na reta final. Mais Bloco Central do que geringonça?
A campanha para as eleições europeias fez suspender os trabalhos da Assembleia da República, que realizou nesta quarta-feira o último plenário antes do escrutínio europeu. Uma interrupção que deixa em lista de espera vários temas quentes, que terão de ser fechados até meados de julho, altura da última sessão plenária antes de férias - e que, em termos práticos, corresponderá ao término da legislatura, uma vez que o Parlamento não retomará os trabalhos normais em setembro, dada a proximidade da campanha eleitoral para as legislativas, que se realizarão a 6 de outubro.
Dos processos legislativos que agora ficam em stand by, o primeiro a subir a votação final global será a Lei de Bases da Habitação, previsivelmente ainda no final de maio. Antes, os três diplomas em cima da mesa (do PS, do Bloco de Esquerda e do PCP) e as 84 propostas de alteração entregues pelos vários partidos vão a votação na especialidade (artigo a artigo).
O novo texto entregue pelo PS já este mês, que veio substituir a proposta inicial redigida pela deputada Helena Roseta, deixou cair algumas das propostas mais polémicas da primeira versão, o que levou o PSD a vir dizer que se trata de um documento "menos radical" e "mais próximo do que o PSD defende". Sem uma iniciativa própria, os sociais-democratas avançaram agora dez princípios que querem ver consagrados no diploma.
Se o texto de substituição dos socialistas ficou mais próximo do PSD, isso é sinónimo de que ficou mais longe do Bloco de Esquerda e do PCP, e comunistas e bloquistas já deram nota disso. Mas é pouco provável que os partidos da esquerda venham a ficar fora da fotografia da primeira Lei de Bases da Habitação mesmo que esta fique aquém das suas pretensões. Mesmo uma Lei de Bases da Habitação limitada será melhor do que nenhuma lei de bases - e este é o único grande direito social, com consagração constitucional, que não tem ainda uma lei de enquadramento.
Um tema polémico que também ficou adiado para o pós-eleições europeias é a Lei de Bases da Saúde, sobretudo a norma que respeita às parcerias público-privadas nos hospitais, que lançou o PS e o Bloco de Esquerda num conflito aberto. Rui Rio já mostrou abertura para viabilizar a posição socialista, que deixa a porta aberta aos privados na gestão de unidades hospitalares. E é sabido que Marcelo Rebelo de Sousa veria com bons olhos um acordo entre socialistas e sociais-democratas.
Mas, pelo menos do ponto de vista da geringonça, o dossiê mais problemático para o final da sessão legislativa (e da legislatura) é o das leis laborais. A proposta do governo que está na Assembleia da República põe em letra de lei o acordo firmado pelo governo na concertação social, subscrito pelas quatro confederações patronais e pela UGT - um texto que só chega à votação em comissão porque a abstenção do PSD viabilizou o documento, em julho de 2018, face ao voto favorável do PS e ao voto contrário das bancadas mais à esquerda, que não têm poupado críticas ao documento.
O PS apresentou entretanto algumas propostas de alteração ao diploma do governo mas ficam muito aquém das exigências de bloquistas e comunistas. Em causa está, por exemplo, o alargamento do tempo de período experimental dos atuais 90 para 180 dias para jovens no primeiro emprego e desempregados de longa duração, uma medida que as bancadas mais à esquerda consideram inaceitável e que o PS não altera, introduzindo apenas um mecanismo travão que impede os empregadores de fazer um recurso abusivo a este tipo de contratação.
Este é um tema que deverá estender-se por semanas, após o reinício dos trabalhos parlamentares, e que promete marcar o final da legislatura entre os partidos da geringonça. E não só. O BE já avisou que a avaliação que fará destes quatro anos está, em boa medida, condicionada ao desfecho deste processo. Para já, as posições de socialistas e sociais-democratas estão mais próximas, tornando a revisão das leis laborais uma provável matéria de entendimento do Bloco Central - o que aliás está longe de ser um facto inédito da presente legislatura.
Já em fase final de redação estão as propostas da Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, que tem de ir a votação final global. Mas falta definir os contornos da futura Entidade da Transparência, o organismo que vai receber e fiscalizar as declarações de património e rendimentos dos políticos e de altos titulares de cargos públicos.
Já quanto aos inquéritos parlamentares em curso, com o relatório final da comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade já votado, sobram duas comissões para fechar em junho e julho. Não é coisa pouca - falta finalizar a comissão que está a averiguar as responsabilidades políticas do furto do material militar em Tancos, bem como a comissão parlamentar de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos e à gestão do banco.