Para onde vais, América Latina!

A disputa entre direita e esquerda poderá ter o seu "grande final" em 2018, quando se realizarão eleições gerais em seis países latino-americanos: Costa Rica, Paraguai, Colômbia, Brasil, Venezuela e México
Publicado a
Atualizado a

Depois de duas décadas de avanço imparável e progressivo dos movimentos, partidos e lideranças de esquerda, a maré política "rosa" muda de cor até um novo rumo... de cor "incerta"?

As mudanças de governo na Argentina, no Peru e no Brasil em 2015 e 2016 já produzem efeitos nos processos políticos da região, com a aplicação generalizada de políticas que combinam a contenção dos gastos sociais com os incentivos ao mercado livre.

As mudanças efetuadas nas políticas públicas dos países latino-americanos demonstram a grande "porosidade" e a capacidade de contágio entre si que têm a continuidade ou a variação da orientação ideológica e política dos governos da América Latina; destaca-se, em especial, a grande influência que exerce a orientação política do México, da Colômbia, de Cuba, da Venezuela, da Argentina e do Brasil.

Tão importante como as mudanças políticas são os métodos que se utilizam para concretizar a viragem da orientação política; na análise é preciso considerar que a adição e a subtração de votos se deve ter em conta na capacidade e no poder de resistência e reação dos grupos políticos para modificar as regras de concorrência, quer seja para se manter no governo ou para destituir os governantes.

Assim será possível compreender como à ofensiva dos socialistas do século XXI, que mudaram as suas constituições e regras de concorrência política desde o governo na Venezuela, na Bolívia, na Nicarágua e no Equador, se segue outra ofensiva, desta vez dos conservadores do século XXI, em alguns casos, com métodos e práticas semelhantes aos do Chile, da Argentina e da Colômbia, ou recorrendo às forças das suas instituições democráticas, como nas Honduras, no Paraguai ou no Brasil.

Existem indícios muito fortes de que neste ano a nova direita latino-americana se vai afirmar como maioritária nos governos da região e amplie a sua hegemonia nas eleições previstas para 2018.

Os resultados das eleições gerais convocadas para 2017 serão determinantes para o rumo da viragem política. No Equador enfrentam-se a continuidade do socialismo do século XXI com o liberalismo de Guillermo Lasso; nas Honduras, onde foi autorizada a possibilidade de continuidade ao presidente de direita Juan Orlando Hernández frente à socialista Xiomara Castro; e no Chile, onde a Concertação de centro-esquerda está muito afetada pelas acusações de corrupção e pode perder as eleições frente à renovada liderança do conservador Sebastián Piñera.

Uma disputa relevante, pela sua influência no cone sul do continente, será o confronto do Partido Justicialista com os aliados do presidente Macri nas eleições para a renovação parcial do Congresso na Argentina. Apesar das diferenças entre os grupos políticos, as instituições e os processos eleitorais estão muito consolidados neste país, pelo que este processo não tem possibilidade de se afastar das eleições tradicionais.

O que está em dúvida é a realização das eleições municipais e regionais da Venezuela, os níveis de confronto são extremos e o país atravessa uma grave e complexa crise social, política e económica que converte essas eleições num verdadeiro campo de batalha entre a esquerda e a direita de importância continental, por ser este país baluarte do modelo mais radical da região e que forjou sólidos vínculos com os seus aliados.

A disputa entre direita e esquerda poderá ter o seu "grande final" em 2018, quando se realizarão eleições gerais em seis países latino-americanos: Costa Rica, Paraguai, Colômbia, Brasil, Venezuela e México.

Como exemplo dos níveis de confronto, geraram-se sérios conflitos desde ambos os extremos ideológicos no espectro político latino-americano, pois os governantes da Venezuela e do Paraguai, com poucos dias de diferença, instrumentalizaram as instituições controladas pelos seus partidários para limitar a capacidade de resistência dos seus opositores e condicionar as próximas eleições a seu favor para garantir a sua continuidade no governo. No caso da Venezuela, o "golpe de Estado" articula-se com a sentença do poder judicial, que retira as competências e a imunidades ao poder legislativo a favor do poder executivo, enquanto no Paraguai o "golpe parlamentar" é materializado por alguns congressistas aliados ao presidente Horacio Cartes para modificar a Constituição e garantir a sua continuidade no poder.

Estes eventos confirmam o regresso às velhas práticas, em que alguns governantes latino-americanos instrumentalizam as instituições democráticas segundo os seus próprios interesses, e que o uso deste método não distingue a orientação ideológica para forçar e acabar por destruir a democracia. É oportuno perguntar: para onde vais, América Latina?

Ex-embaixador do Paraguai em Portugal; professor e investigador do ISCTE

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt