"Para não financiar a agressão militar temos de parar de comprar o gás e o petróleo à Rússia"
Quantos refugiados e imigrantes da Ucrânia estão na Polónia agora, entre os recém-chegados e os que já lá estavam há uns anos?
Recebo dados dos nossos guardas de fronteira todos os dias e hoje os refugiados que fogem da agressão russa são um 1,19 milhões de pessoas, mas aqueles que vieram trabalhar para a Polónia e também os que saíram depois de 2014 totalizam mais de dois milhões de ucranianos imigrantes que vivem connosco já há anos na Polónia. Mas os refugiados que fogem ao conflito são quase 1,2 milhões.
Quais são as dificuldades que um país enfrenta, mesmo um país grande como a Polónia, para integrar tanta gente de repente? É mais fácil por os ucranianos partilharem laços culturais e a mesma família linguística, e muitos serem até católicos como os polacos?
Há muita verdade nisso, mas há muitos aspetos a ter em conta e eu também não subestimaria o facto de a diáspora ucraniana que vive na Polónia ajudar e se ter envolvido muito. Temos de mencionar também que a Polónia se preparou - não só nós como toda a UE e muitos outros países que estiveram tão envolvidos nos esforços diplomáticos para resolver este potencial conflito. Temos de sublinhar que a Polónia estava preparada a nível logístico. E um exemplo perfeito disso é o facto de uma semana antes da agressão ter havido uma reunião para diplomatas organizada em Varsóvia, para eles estarem informados sobre como lidar com as pessoas que viriam em trânsito pela Polónia. É evidente que todos ficámos chocados com a agressão e a escala desta, mas a Polónia estava preparada a nível logístico. Os pontos de acolhimento e o website começaram imediatamente a operar nas duas línguas: polaco e ucraniano, e com uma enorme ajuda organizada no local. Os pontos de acolhimento foram organizados junto à fronteira, nas estações de comboio e, mais à frente, nas próprias cidades. Temos de estar preparados para a situação. O primeiro-ministro Morawiecki esforçou-se enormemente, mas não só ele, também os políticos polacos, o presidente da Polónia, o ministro dos Negócios Estrangeiros... O primeiro-ministro fez a ronda das capitais europeias para chamar a atenção para o potencial conflito e, ao mesmo tempo, a Polónia preparava-se.
Como é que reage à crítica de que não só a Polónia, como também a União Europeia, estão a atuar com uma duplicidade de critérios - mostrando-se muito abertos aos refugiados ucranianos porque são europeus, mas sendo tradicionalmente muito mais contra a imigração de sírios e afegãos?
É muito importante que refira isso. Eu conheço muito bem a política de imigração e respondo da seguinte forma: é uma situação completamente diferente. Os polacos sempre defenderam vias legais para os imigrantes trabalharem na UE. Nós somos contra a imigração ilegal, não somos contra a imigração como um todo, mas muitas vezes temos defendido a importância de trabalharmos na abertura das vias legais. Em inúmeras situações é claro que as pessoas que fogem só querem uma vida melhor, um trabalho melhor e melhores padrões de vida. É nossa responsabilidade, na União Europeia, trabalharmos na direção de oferecermos melhores possibilidades nesse campo, de abrirmos esses canais, para que essas pessoas acreditem que se forem pela via legal podem obter mais do que se o tentarem ilegalmente. Mas agora estamos a falar de uma agressão militar e de refugiados. A Polónia, com a sua experiência histórica, respondeu imediatamente, e quando dizemos que o meu país está a gerir bem, isso aquece o meu coração enquanto polaca, mas penso que deve ser sublinhado que o povo polaco em solidariedade abriu o seu coração porque, infelizmente, na Polónia os nossos avós lembram-se bem da guerra. Há um enorme sucesso a nível governamental, já falei de como a logística foi organizada, mas há uma enorme onda de ajuda vinda das pessoas, da sociedade, de ONGs, elas organizam-se a muitos níveis. Portanto, a operação não seria tão bem sucedida na fronteira se aqueles que a conseguem atravessar não tivessem transporte, há o organizado pelo governo, mas há imensos carros privados de pessoas que oferecem viagens de graça, não só polacos, mas também europeus. Tenho consciência de que essa retórica dos dois pesos e das duas medidas aparece, mas também é devida a desinformação.
Há pouco mais de um século a Polónia também lutava contra a Rússia para se tornar novamente um Estado independente e, historicamente, há muitas guerras entre a Polónia e a Rússia. Isso significa que o seu próprio país sente que a ameaça russa é também contra a Polónia, de certa forma?
Nós acreditamos que a unidade em que estamos inseridos na UE, mas também como membros da NATO, nos dá as melhores garantias. Claro que estamos no flanco oriental da NATO e é por isso que a Polónia defende vigorosamente - não só agora, já chamámos muitas vezes a atenção de todos os países europeus - a importância de fortalecer o flanco oriental da UE como um todo. Sendo um país vizinho, claro que sim, mas a NATO dá garantias e nós também lutamos, envolvemo-nos, na batalha pela segurança.
O que pensa em relação ao que alguns analistas dizem, que foi o alargamento da NATO para Leste - Estados Bálticos, Polónia -, para países que estavam sob o domínio soviético que provocou este agravamento da situação?
Se houve alguma coisa que provocou esta escalada de conflito, foi certamente a política de apaziguamento em relação à Rússia nos últimos anos e o quanto dependentes ficámos - toda a UE - do gás e do petróleo vindos da Rússia. Não somos só nós. É por isso que a Polónia defende a posição de que é muito importante fortalecer as sanções, e a diversificação - que é uma palavra favorita de todos os europeus, há muitos anos que falamos sobre isso - porque para não financiarmos a agressão militar temos de parar de comprar o gás e o petróleo à Rússia. A Polónia está mesmo no coração, no centro da Europa, nós pertencemos ao mundo ocidental. Assim, esta é a minha única resposta à pergunta.
Surpreende-a que a União Europeia esteja a agir em conjunto, a mostrar esta unidade toda devido à guerra na Ucrânia?
Eu sempre acreditei, é a minha convicção, de que no que respeita a questões sérias, e a agressão militar é uma delas, a união prevalece. É compreensível que noutras questões a perspetiva de um ou outro país possa ser diferente, mas é tão importante que haja debate, é tão importante discutir, que isso também dá força à UE. Nos últimos anos - talvez às vezes também haja aqui um papel da desinformação -, por vezes talvez tenha acontecido não nos conhecermos suficientemente bem uns aos outros para respondermos com unidade. Mas sempre acreditei na força da União. A Polónia acredita na UE. Eu diria mesmo que esta unidade faz com que a voz de toda a UE seja ouvida e torna-a mais visível e é isso que nós todos queremos. Um exemplo perfeito desta unidade foi quando houve uma reunião de presidentes do flanco oriental em Varsóvia e a presidente Von der Leyen compareceu e isso foi altamente apreciado, porque foi simbólico para nós. Eu nunca pensei que pudesse ser de outra maneira.
Em termos da relação com a NATO, a Polónia confia que se houver um aumento no conflito a NATO se manterá unida e protegerá os países na linha da frente?
Nós acreditamos no artigo 5º. Claro que também é importante sublinhar que há visitas: o secretário de Estado [Antony] Blinken esteve no último sábado em Varsóvia e também estamos à espera da vice-presidente [Kamala] Harris na quarta-feira. A cooperação é muito forte e o presidente polaco esteve envolvido nas reuniões de debate com os EUA, com o presidente americano, durante a altura da escalada, propriamente dita. Assim, acredito fortemente no artigo 5º.
Está surpreendida com o nível de resistência dos ucranianos?
É uma nação muito forte e deve ser sublinhado o quanto eles são corajosos. Mas não devemos ficar surpreendidos, porque são um povo que tem o direito de lutar pela sua integridade, pela soberania e integridade do seu país. Todos podemos ver que eles estão mais unidos do que nunca.
Como é que pensa que esta questão possa ser resolvida? Vê alguma possibilidade de solução pelo lado da Rússia, porque é difícil imaginar que a Ucrânia seja suficientemente forte para parar a invasão sozinha e a NATO já disse que há uma linha vermelha por a Ucrânia não ser um país da NATO.
Ninguém quer ultrapassar a linha vermelha. É por isso que a Polónia defende as sanções, e pediu aos Estados-membros - está em discussão -, para se endurecerem as sanções. Nós acreditamos que as sanções são a resposta, porque já tiveram impacto na Rússia e, com o passar dos dias, ainda vão ser sentidas com mais força. Nós estamos numa posição em que achamos que se deve pensar em parar a importação de gás e petróleo.
Defendem mais sanções à Rússia, como um meio de a parar?
Sim. Mais sanções à Rússia para que ela pare a agressão, porque as sanções estão a enfraquecer a Rússia. De outra forma, temos de o dizer de forma clara, o gás e o petróleo que nós compramos está a financiar a agressão militar. Também é crucialmente importante sublinhar a importância do estatuto de UE para a Ucrânia, não apenas como um gesto simbólico, mas porque eles realmente estão a lutar pelos valores democráticos para toda a Europa.
A economia polaca está a ser muito afetada por esta crise? A Polónia está na linha da frente e mesmo devido a todas as sanções, a vossa economia que está tão forte agora, vai ser muito afetada?
Ainda estamos numa fase muito inicial para o dizer. Por agora, posso assegurar que a economia polaca é estável e numa perspetiva de solidariedade não podemos agir de outra maneira. Mais uma vez sublinho: nós estamos na UE, somos um membro forte da União Europeia em que acreditamos. Portanto, no caso de termos de gerir mais crises, mesmo em termos humanitários, acredito na solidariedade da UE. Vale a pena sublinhar que já há muitos gestos de solidariedade que vêm dos Estados individualmente e declarações das instituições europeias, por isso não estamos sozinhos.
A guerra vai acabar em breve?
Eu espero, por todos nós, que em breve vamos acordar num mundo em que este conflito desapareceu. E desejo a integridade da Ucrânia. E paz na Europa e no mundo, claro. E recordo quando em 2008 o nosso presidente, o falecido Lech Kaczynski, em apoio à Geórgia e ao povo georgiano durante a agressão russa foi lá e disse: "hoje a Geórgia, amanhã a Ucrânia, depois os Estados bálticos e talvez o meu país." Isto prova também como é importante para nós, na UE, ouvirmo-nos uns aos outros e ficarmos conscientes de certas ameaças para melhor desenvolvermos as políticas.