Para fugir aos humanos, animais estão a ficar noctívagos

Estudo publicado na Science mostra que os mamíferos que vivem em zonas onde a presença humana é maior estão a mudar radicalmente os seus hábitos
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Os ecossistemas de 75% do planeta foram profundamente alterados pelos humanos e as espécies selvagens continuam a perder terreno - muitas ao ponto de já terem desaparecido, muitas outras a caminho disso. Mas há mudanças subtis que os cientistas só agora começam a verificar. Os pássaros das cidades, por exemplo: descobriu-se que estão a cantar, em média, mais alto do que os seus primos do campo. O motivo? É simples: é para conseguirem ouvir-se entre si no meio do ruído permanente. Agora, uma outra investigação veio mostrar mais uma alteração importante, neste caso no estilo de vida dos mamíferos: eles tornam-se mais noctívagos sempre que há humanos por perto. Isso está a a acontecer em todos os continentes, mas as consequências para os animais são ainda uma incógnita.

No estudo que hoje publica na revista Science, a equipa que foi coordenada por Kaitlyn Gaynor, da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, mostra que um total de 62 espécies de mamíferos, que representam 21 famílias de animais cuja distribuição abrange todos os continentes do planeta, está a mudar os seus padrões de forma significativa e a adotar preferencialmente os períodos da noite para as suas atividades de alimentação, por exemplo, em ambientes onde a proximidade dos seres humanos é maior.

Para chegar a esta conclusão, os cientistas passaram em revista um conjunto de 76 estudos relativos às tais 62 espécies, que tinham monitorizado os padrões de atividade dos animais usando tecnologias de geolocalização e câmaras fotográficas ativadas pelo movimento dos animais. Depois avaliaram os comportamentos dos animais em zonas com e sem presença humana e descobriram que nos locais onde ela é maior, os animais têm uma vivência noturna significativamente maior dos que os seus companheiros de espécie que vivem em zonas com pouca influência humana.

Entre as imagens captadas nos estudos, veem-se por exemplo grupos de javalis noctívagos em busca de alimento no lixo, na região de Barcelona, um castor junto ao rio, noite dentro, em pleno centro da cidade francesa de Orleães, ou ainda um texugo movimentando-se através do escuro, no Sul de Londres, numa das zonas daquela capital por onde as raposas também cirandam com frequência a altas horas da noite, buscando restos no lixo das casas.

A explicação para esta mudança nos hábitos dos mamíferos que convivem mais de perto com humanos é o medo, dizem os cientistas. "Em sítios onde ambos coexistem [como nos arredores das cidades], os animais selvagens podem minimizar o risco de se cruzarem com humanos fazendo uma separação temporal, como esta, em vez de espacial", escrevem os autores.

Dito de forma mais simples, os animais ficam mais ativos nos períodos noturnos a fim de evitarem encontros com os humanos.

Resta agora saber que consequências para a vida animal poderá ter esta transformação radical nos hábitos destas espécies. Este é um tema para novos estudos, que poderão dar pistas para novas estratégias de conservação destes mamíferos.

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