Para celebrar a língua grega nada como relembrar que entusiasmo em grego se diz 'enthusiasmós'

A 9 de fevereiro assinala-se o Dia Internacional da Língua Grega, que, como sublinha o embaixador Ioannis Metaxas, dá milhares e milhares de palavras ao português.
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É num português fluente e com grande entusiasmo que o embaixador Ioannis Metaxas fala da língua grega, que na quarta-feira, dia 9 de fevereiro, celebra o seu dia internacional. "Nas últimas semanas, também durante a campanha eleitoral recente aqui em Portugal, fiz uma brincadeira muito interessante: ouvi a rádio e a televisão e fui lendo os jornais sempre à procura de palavras gregas. E ouvi tantas, tantas, que anotei", diz entre risos. E começa a enumerá-las: "Périplo, noite, problema, sistema, político, diálogo, amorfo, polígono, diagnosticar, anónimo, poesia, higiene, holocausto, grafismo, catástrofe, ovo, diocese, entusiasmo."

O tal entusiasmo do diplomata grego, casado com uma diplomata portuguesa e com um filho luso-helénico, tem mesmo toda a razão de ser. "Entusiasmo, sim! Enthusiasmós em grego. Pronuncia-se quase da mesma maneira", sublinha Metaxas, um embaixador que eu já sabia adorar História (contou-me um dia sobre o alentejano que foi herói da guerra da independência grega), mas pelos vistos também é um apaixonado pela linguística (explicou, desta vez, também tudo sobre a influência grega no Mediterrâneo e, a título de curiosidade, como Mónaco vem de Monoikos, ou casa única).

"No outro dia, um professor argentino calculou que na língua espanhola pode haver 17 mil palavras gregas. Foi grande a surpresa. Pois eu acho que no português são ainda mais", sublinha Metaxas, que foi diplomata também no Brasil, onde vivem mais de dois terços dos 280 milhões de lusófonos. "Num encontro com um embaixador, aqui em Lisboa, de um país de língua oficial portuguesa, disse-lhe que o meu ministro andava muito feliz e orgulhoso de a Grécia ser membro observador da CPLP. E porquê? Porque o grego também existe, também se fala, através do português", acrescenta, novamente com o tal entusiasmo que no seu caso também é enthusiasmós. Nikos Dendias esteve no ano passado em Portugal, tal como o primeiro-ministro, Kyriakos Mitsotakis.

9 de fevereiro é o dia da língua grega por homenagem ao poeta nacional Dionysios Solomós, sendo a data da sua morte, em 1857. Nascido em Zakynthos, nas ilhas do mar Jónico, que estiveram séculos sob domínio de reinos e repúblicas italianas, ao contrário das do Egeu, que foram tomadas pelo Império Otomano, Solomós viveu e estudou em Itália, e estava a tornar-se um grande poeta italiano em vésperas de a rebelião grega contra os sultões se iniciar, em 1821. "Foi-lhe dito por um patriota grego que sim, teria um lugar no panteão dos poetas italianos, mas seria secundário, enquanto no panteão grego estaria bem lá em cima", conta o embaixador Metaxas. Jovem, com apenas 23 anos no momento em que a guerra com os turcos se inicia, Solomós lança-se na escrita de um longuíssimo poema, de 158 estrofes, das quais as primeiras transformar-se-ão no hino grego, com música de Nicolaos Mantzaros, outro filho das ilhas Jónicas.

"Reconheço-te pelo gume temível da espada/Reconheço-te pelo olhar que percute a terra/Das ossadas sagradas dos helenos extraída/E com a bravura antiga/Saúdo-te, saúdo-te, ó Liberdade" é, numa tradução livre, a parte do Hino à Liberdade que os gregos cantam quando, por exemplo, um dos seus atletas ganha o ouro nos Jogos Olímpicos, competição moderna inspirada nas tradições da Grécia Clássica, a de Péricles e Sócrates, as quais, junto com o Direito Romano, os princípios do Cristianismo e os ideais da Revolução Francesa e do liberalismo inglês, são alicerces da cultura europeia.

Recorro uma vez mais à palavra entusiasmo para descrever como o embaixador me relata a lógica com que Solomós escreveu o Hino à Liberdade: "Ele ouvia as notícias e refletia-as no poema. Há até uma estrofe que conta a posição dos Estados Unidos em relação à Guerra da Independência. Ele viveu intensamente aquele período. Sentia-se totalmente grego. Acabou por viver em Corfu, a maior das ilhas Jónicas, e lá pode-se visitar ainda hoje a sua casa, uma extraordinário casa-museu. Estive lá. Vi a sua biblioteca."

O grego hoje é língua materna de 13 a 15 milhões de pessoas, sobretudo na Grécia, mas também em Chipre (o poema de Solomós é aí igualmente hino nacional) e em pequenas comunidades na Albânia, em Istambul e na região do mar Negro, além da diáspora. O alfabeto grego está na origem do latino, pela influência helenística em Roma, e igualmente do cirílico, "criado pelos dois irmãos de Salónica, Cirilo e Metódio, que o imperador bizantino mandou no século IX cristianizar os eslavos", nota o embaixador grego, que faz também questão de relembrar que, embora de língua grega, o chamado Império Bizantino, por causa de Bizâncio ser o nome original de Constantinopla, sempre foi oficialmente o Império Romano do Oriente até à sua queda perante os otomanos, em 1453, "e os gregos que lá viviam, sabendo-se gregos, consideravam-se também romanos".

A língua grega é hoje ensinada em todo o mundo, tanto a antiga como a moderna, e um grego culto consegue ler os Evangelhos ("boa notícia" ou "boa nova" em grego), também a produção literária bizantina, mas mais dificilmente os textos clássicos. "Posso ler o grego antigo, mas o problema é que as inscrições não respeitavam a separação entre as palavras. E entre conseguir ler e entender há uma diferença: é preciso muito conhecimento para entender o grego antigo até certa época. Eu, por exemplo, leio com dificuldade A Guerra do Peloponeso escrita por Tucídides, mas a continuação feita por Xenofonte, umas décadas depois, é mais fácil. Algo aconteceu na passagem do século V a. C. para o IV a.C. que tornou a língua mais fácil", afirma o embaixador. Em defesa do ensino do grego antigo na escola pública portuguesa tem-se manifestado muito Frederico Lourenço, académico que traduziu a Odisseia, de Homero.

Ioannis Metaxas aproveita esta conversa sobre a língua grega para admitir também um certo entusiasmo (ora, lá está a palavra de novo) sobre as possibilidades de os mármores do Parthenon serem devolvidos um dia à Grécia e colocados no Museu da Acrópole, em Atenas, de onde se avista a belíssima a Acrópole. É uma velha reivindicação da Grécia, que considera ilegítima a compra no início do século XIX das peças por Lord Elgin, embaixador britânico junto do Império Otomano, e depois a sua oferta ao Museu Britânico, em Londres. "O governo britânico continua a dizer que a decisão compete ao Museu Britânico, que já não pode argumentar com a preservação dos mármores, mas a novidade é o editorial do jornal The Times a apelar à devolução. Além disso, uma pequena peça do mesmo conjunto, que tem estado num museu italiano, em Palermo, vai ser emprestada sem prazo ao Museu da Acrópole em nome da unidade dos mármores. Em troca, cederemos valiosas peças ao Museu Arqueológico Regional Antonio Salinas. Pode ser um precedente", sublinha o diplomata. Também o apoio da UNESCO à reivindicação grega contribui para o entusiasmo, embora moderado, de Metaxas, que, e irremediavelmente rendido ao culto da História, não termina sem me dar conta da sua descoberta de um professor grego do futuro D. Pedro III (tio e marido de D. Maria I) que acabou por ensinar na Universidade de Coimbra. E, claro, voltámos a falar de como os líderes da independência grega chegaram a pensar no príncipe D. Pedro (futuro Pedro I do Brasil e IV de Portugal) para usar a coroa helénica.

leonidio.ferreira@dn.pt

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